A Cidade Sorriso de Edécio Lopes
Edécio Lopes
*Do livro “Vaias e Aplausos”, Maceió, 1984. Título original “Subi a Ladeira do Farol”.
Padre Jaime Diniz é uma autoridade em música. Nome respeitado em todo o Brasil. Pois bem. Foi a esse Padre Jaime Diniz, quando, então, era ele Capelão do Colégio Regina Coeli, modelar estabelecimento de ensino em Limoeiro [Pernambuco], que resolvi mostrar uma música que havia composto.
Era uma canção em homenagem à cidade de Limoeiro e falava do Rio, do Morro do Redentor e do meu amor por ela. Letra boba, cheia de exaltações e não passava disso.
No colégio, cantei para o Padre Jaime ouvir e me dá a sua opinião. Cantei umas duas vezes e ele aprendeu melodia que, naturalmente, era simples demais, tipo colcha de retalhos, cheia de lugares comuns.
Mas era a primeira coisa que eu fazia. Jamais havia pensado em ser compositor. Tentativa. Nada mais do que isso.
Padre Jaime sentou-se ao órgão, um pequeno instrumento que ele possuía no seu apartamento, anexo ao Regina Coeli e fez o solo.
Rindo para mim, comentou:
— Edécio, para um dobrado, até que passa. Agora, para uma canção, tenha paciência.
Pegou minha pobre “Canção a Limoeiro” e executou em andamento acelerado, rindo à vontade.
Quase que desisto de tudo. Pelo menos, a canção foi esquecida, para felicidade da música popular brasileira.
Aí “inventei” um frevo-canção.
Hoje, quando me lembro daquela coisa, chega sinto vergonha de saber que ela foi tantas vezes executada na Rádio Difusora de Limoeiro, com orquestração e tudo.
O cantor era Walvisson de Oliveira, um menino que tinha um bom timbre de voz e a orquestração foi do Maestro Cumaru, o competentíssimo regente da Orquestra da Difusora.
É quando Júlio Barbosa vem com uma história de que Gilberto Fernandes queria gravar o frevo. Pensei um pouco e imaginei ser uma ingratidão com o Walvisson, que vinha se “esguelando” cantando aquele negócio sem pé nem cabeça. Falei para o Gerente da Emissora que agradecia, mas achava que se era pra ser gravado, que o fosse pelo Walvisson. Graças a Deus isso não aconteceu e o frevo que se chamava “O Carnaval chegou” morreu ali mesmo.
Depois dessas duas tentativas infelizes, joguei no lixo essa idéia de ser compositor, atravessando várias cidades e prefixos sem jamais ter me aventurado a investir no assunto.
Aqui, em Maceió, porém, comecei a produzir uns comerciais musicados para Casa Guido e Café EMECÊ. Não dá pra chamar “jingle” porque, de fato, eram frevos com letras promovendo vendas do café ou da loja.
O primeiro deles foi tão ruim que Cunha Junior pediu para não divulgar.
A minha carreira de compositor quase acaba ali, naquela nova e também infeliz tentativa. Maestro Jonas fez a orquestração, num tom alto demais e quase não consigo ninguém que pudesse enfrentar as notas mais agudas.
Depois, outro frevo desse tipo, para Casa Guido e, outra vez, com orquestração do Maestro Jonas. Cantor: Djavan.
Esse foi para o ar. Djavan, coitado, tinha tanta vontade de gravar alguma coisa, que se sujeitou a colocar a voz em cima daquela orquestração e, na segunda parte, o frevo subia tanto, que quase Djavan não registrava.
Aí, mais um para o Café EMECÊ e outro para a CASA GUIDO.
As músicas agradaram. O povo cantou.
Bom, então, por que não voltar a tentar um frevo de verdade, quem sabe, exaltando Maceió?
E foi, dirigindo o meu Opala, voltando do Recife, numa das muitas idas e vindas à capital pernambucana, que foi tomando forma o “Cidade Sorriso“.
Fazia um ano, o Maestro Jovelino gravara um LP em Arapiraca, chamado Carnaval Temperatura.
Desdobrei-me em elogios ao feito do Maestro, cujo trabalho eu já conhecera anteriormente, quando ele conseguiu colocar um frevo seu, Palmeirão, num disco de Rozemblitt.
Jovelino veio me conhecer e pediu que, no seu LP de número dois, eu colocasse algum trabalho. E seu argumento foi exatamente em cima dos comerciais que eu fazia.
Viajara ao Rio de Janeiro para mandar fazer umas aberturas e vinhetas para a Rádio Gazeta. Lá, na “Tape Spot“, o Jorge Abicalil, um cara sensacional, colocou-me diante de uma mesa, com lápis e papel e pediu que, se me fosse nascendo alguma ideia, enquanto eles trabalhavam, que eu escrevesse.
Resultado: tornei-me autor de letra e música de muitas e muitas das aberturas de programas daquela Emissora, como, por exemplo, a abertura da jornada esportiva, dos programas de Natan Oliveira, França Moura, Jorge Vilar e muitos outros.
Bom, vai ver, o Maestro Jovelino tinha razão.
Isso foi em 1977, ano em que, apoiado em Ivanildo Rafael, resolvi fazer o Festival Alagoano de Frevos.
Era a época de conhecer Maestros.
Ivanildo chegara a Maceió, fazia pouco tempo e, um dia, recebi uma carta de uma ouvinte, recomendando que fosse ouvir, na Churrascaria do Trapichão, um saxofonista que, dizia a missivista, era muito bom.
Agradeci a sugestão, mas, não fui.
Outra carta da mesma pessoa. Agora dizendo que, o nome do músico era Ivanildo Rafael.
Lendo a carta comentei que conhecia um Ivanildo Rafael, de nome, através de um frevo muito bom: Metralhadora Ina. Minha memória para decorar nomes de frevos e seus autores, sempre foi boa. Já disse isso.
Fiz o registro e rodei a música, saudando ao Ivanildo, em nome da cidade de Maceió.
O Maestro me procurou, agradeceu e tornamo-nos amigos.
Conheci, de perto, a competência profissional de Ivanildo.
Vivemos o grande carnaval do Jaraguá Tênis Clube, o primeiro “movido” a Big Banda Show, que foi um sucesso inesquecível.
O presidente do Clube era o Manoel Alves Sobrinho, Manoel da Corel.
Para atender a Jovelino, procurei Ivanildo. Cantei o Cidade Sorriso e pedi a opinião do Maestro.
Resultado: Ivanildo entusiasmou-se, fez uma bela orquestração, cheia de acordes muito vivos e bem carnavalescos, mas não me deixou levar a música de volta para Jovelino.
A ideia do Festival do Frevo estava de vento em popa e aquela música, segundo Ivanildo, seria um chamariz muito grande para o LP que teria de ser gravado.
Vacilei um pouco, depois vi que era preciso dar a carga toda na promoção da Rádio Gazeta para que a mesma se repetisse outros anos, o que, infelizmente, não aconteceu.
Para o disco de Jovelino fiz então, um outro frevo, este em homenagem ao Clube de Regatas Brasil: O Galo da Pajuçara.
Fiz muita fé nesse frevo que, embora, ainda hoje continue sendo executado, não emplacou, como eu imaginava
No ano seguinte, mais dois frevos: para Ivanildo, Vou Sair do Mapa. Para Jovelino, Lembre de mim. Este último, na minha opinião, o que consegui fazer de mais bonito, em termo de melodia. Eu gosto desse frevo.
Depois fiz um Despedida, que Jovelino gravou e que foi um frevo horrível. Passou sem ninguém notar. E tanto que, em pleno carnaval de 80, para o qual ele foi gravado, muita gente me perguntava:
— Por que você não fez nenhum frevo para este ano?
Em 81 atrevi-me a fazer um frevo de rua. Aquele tipo de frevo que é só orquestrado e que nos deu tantos nomes famosos, como Levino Ferreira, Zumba, Alcides Leão, Lourival Oliveira, etc. Aproveitei os acordes iniciais do tal frevo de Limoeiro, dei uma mexida e coloquei o nome de “Princesa do Capibaribe“.
Com esse frevo de rua e com um frevo canção, de nome Figueiredo, aproveitando a música de um antigo comercial da Casa Guido, concorri ao Frevança, um festival que se realiza no Recife.
As músicas foram apresentadas lá, no Teatro do Parque e só não me classifiquei devido as notas baixas dadas por uma mulher que vim a saber ser viúva de Hermilo Borba Filho.
Consegui gravar, também, dois baiões. Um em homenagem a Apoti, a vila em que nasci e, no qual, falo das coisas da minha terra, o açude, a ladeira do balanço, as trezenas de Santo Antônio, padroeiro do lugar e as festas de S. Sebastião, as mais concorridas, que, antigamente, contavam com a presença da Banda Guabiraba, que, até hoje, não sei de onde vinha.
Essa Banda Guabiraba quando tocava o dobrado Batista de Melo fazia minha mãe chorar. Principalmente, quando os tempos eram mais difíceis. Ou seja, quase o tempo todo.
Além de falar em Mãe Cecília, minha avó, que cantava uma cantiga de ninar, enquanto embalava os netos, numa rede, falei de Zé Tenório, uma espécie de legenda em minha terra.
Negociava com burros, jumentos, indo buscá-los ou levá-los muito longe, além de ser agricultor e pai de muitos filhos.
Zé Tenório, o homem mais católico de Apoti, o que ia à missa sempre e não perdia uma novena, era também, muito querido por todos, pelas “loas” que fazia, quando ia tomar a sua “pinga” na venda de Zacarias, em frente a última casa que morei, em Apoti.
Todo mundo ficava em volta a Zé Tenório para ouvir as suas rimas, antes de entornar a cachaça, deixando a última palavra para que a assistência, atenta à deixa, dissesse, num coro espontâneo e interessante.
Falei, então, no baião Apoti, nas loas de Zé Tenório.
E, na minha última visita à minha vila saudosa, levando a família comigo, os filhos desejaram conhecer o focalizado.
E eu fiz a apresentação.
Zé Tenório estava sentado numa espreguiçadeira, de pano colorido, descansando o seu velho e gordo corpo. Ele já passa dos oitenta anos.
— “Meus filhos, esse é o Zé Tenório, que fazia loas”.
— “Fazia, não. Faço”. Retrucou o velho Zé. E, imediatamente, disse esses versos que faço questão de registrar:
“Se lhe chegar a notícia
Que Zé Tenório morreu
Pode logo ficar certo
Que a vila entristeceu
Que Apoti nunca terá
Um outro Zé como eu”.
E não terá mesmo. Mas não vou me estender sobre essas lembranças de Apoti, porque, se não, começaria, já aqui, uma outra história.
O danado, nessa história de compor, de fazer música é que, o sucesso do “Cidade Sorriso” foi tão grande que, logo no carnaval de 78, que é quando a música surgiu, todo mundo vaticinou:
“Nunca mais você fará outra música igual a essa”.
A praga pegou porque, quando se quer falar nas minhas modestas músicas, só se fala, mesmo, no Cidade Sorriso. As outras, são complementos, são coisas que aconteceram, pura e simplesmente.
Eliezer Setton canta Cidade Sorriso.
Vai ver, Maceió estava precisando de um frevo assim.
Um frevo que Arnoldo Chagas batizou de “frevo postal“, por cantar as belezas da cidade, por mostrar as coisas bonitas desta terra maravilhosa, supostamente observadas de um dos mirantes da cidade.
Qual deles? Nenhum, evidentemente.
Porque, de parte alguma da cidade, alguém pode ver tanta coisa ao mesmo tempo, como “eu vi, eu vi, eu vi…”.
Acontece que, de fato, eu vi. Pelo menos, com os olhos da inspiração que a cidade me proporcionou.
Não concorri ao Festival do Frevo, ao Primeiro (e único) Festival Alagoano do Frevo, porque não teria sentido organizar uma promoção e disputar com os outros um lugar ao sol.
Seria arriscado ou desonesto. Afinal, por melhor que fosse a música, sendo classificada, sempre haveria alguém para dizer que teria havido proteção, marmelada etc.
Então o frevo foi apresentado e gravado, sem concorrer.
Esse Festival marcou época porque mostrou um bom número de novos compositores alagoanos, como, por exemplo, Marcondes Costa, além de consagrar a inspiração do Maestro Passinha, uma espécie de Nelson Ferreira das Alagoas, velho regente no Exército e na Polícia Militar, comandante de uma orquestra de frevos que, durante muitos e muitos carnavais, foi o toque bem alagoano do nosso reinado de momo.
Passinha concorreu e classificou o seu “Dona Xepa“, um frevo de rua, que foi o mais executado naquele carnaval de 78.
Uma beleza de frevo. O júri foi de alto gabarito.
Suruagy deu todo o apoio do seu governo à promoção e, graças a isso, através da Ematur, foi possível trazer, do Rio de Janeiro, um musicólogo da competência de Ricardo Cravo Albim, nome permanente no júri que a Rede Globo de Televisão faz, todos os anos para dar suas notas às escolas de samba; Maestro Guio de Morais, pernambucano, radicado na cidade maravilhosa há tantos anos e autor de alguns frevos e músicas regionais de sucesso como Pau de Arara e No Ceará não tem disso não, ambas, gravadas por Luiz Gonzaga. Guio é responsável pela parte musical de vários dos melhores programas da Rede Globo; Luiz Bandeira, pernambucano, com muitos anos de Alagoas, estado ao qual chegou a dedicar, pelo menos, três, de suas muitas composições, sendo autor, também, de alguns frevos famosos, invariavelmente cantando saudades da nossa Recife, além de baiões gostosos, muitos gravados por Carmélia Alves e outros, pelo próprio Luiz Gonzaga, de quem é produtor fonográfico.
Do Recife, cinco nomes destacados vieram para o júri, a começar por Claudionor Germano, meu grande amigo Claudionor, que se dignou a gravar o Cidade Sorriso, com a interpretação que só ele sabe dar a um frevo-canção.
Claudionor fez mais do que isso. Ele incentivou, movimentou os setores competentes, lá no Recife, para gravação do disco, que foi realizada nos estúdios do Conservatório Pernambucano de Música.
E conseguiu a gravadora, no caso, a Cactus, quando a Rozemblitt começou a botar dificuldades para realizar a tarefa.
Com Claudionor vieram também, Aldemar Paiva, Maestro José Menezes, jornalista Moisés Kerstman, grande entusiasta do frevo e que fez, através do Jornal do Commercio, grande divulgação da promoção e o maior de todos, o grande Capiba, o poeta do frevo.
Aldemar, alagoano, foi, além de jurado, uma espécie de mestre de cerimônias sugerindo visitas, colocando o pessoal em casa, deixando todos muito à vontade.
José Menezes, trouxe toda a sua competência de grande maestro, de excelente compositor. Pessoa maravilhosa o José Menezes.
Capiba foi cercado de todo o carinho e toda a homenagem possível. Era uma glória tê-lo conosco.
A presença local, no júri, fez-se através de Sabino Romariz, Maestro Jovelino, Dr. Raimundo Campos, médico muito dedicado à música e à pesquisa, tendo em sua casa, um bom arquivo de gravações que ele próprio vem realizando, verdadeiro museu de som de nós temos, incluindo cantores que nos visitam.
Setton Neto e o Reinaldo Costa, o preto e bom Reinaldo Costa, feliz por ver, como velho músico, uma promoção de vulto em sua terra, para revelação de tantos valores.
O sucesso foi tão grande que, logo depois, fizemos o Festival Alagoano da Canção Nordestina e, para o júri desse Festival, trouxemos, entre outras pessoas, o nosso bom amigo Onildo Almeida, lá de Caruaru, que se apaixonou pela cidade de Maceió, ao lado de Adalice, sua esposa, Carmélia Alves, cantando seus baiões e vivendo Alagoas, Oswaldinho, então um tanto ou quanto desconhecido do público, achando, em declarações que faria anos mais tarde que foi essa a grande oportunidade de sua vida e, daqui, do Teatro Deodoro, ele sentiu a “cancha” que possuía, para ganhar o público, como o fez, depois.
Para o show, paralelo, que se fez na final do Festival, ninguém mais, ninguém menos do que Luiz Gonzaga.
Olhar a figura maior da nossa música popular, conversar com Gonzaga, andar em sua companhia, em qualquer lugar, para mim, parece algo que não está acontecendo.
Recuo no tempo em que, sentado numa calçada de Apoti, ouvia, no rádio de Alcy Sotero, o som das músicas do velho Lua, naquele tempo, ainda sem se poder chama-lo de velho. Talvez, ainda hoje, não se deva. Luiz é todo juventude, na música que faz e transmite, cheio de saúde e convicção.
É Luiz Gonzaga dos discos de 78, do Cinema José Sotero, também lá na vila. “Quer ir mais eu, vamos…”.
Outro dia, ganhei uma coleção de discos em 78 rpm e, no meio deles, um que eu conhecia na pequena discoteca do cinema mencionado: Gato Angora. Imaginem, Luiz Gonzaga cantando músicas de carnaval.
Luiz Gonzaga, consagrado artista brasileiro que eu veria, pela primeira vez, quando já trabalhava na Rádio Difusora de Limoeiro.
Ao anunciarem a sua chegada, senti uma emoção muito forte.
Ia conhecer o meu ídolo e ídolo de todos nós, brasileiros.
E uma decepção muito grande. Luiz Gonzaga chegou e, praticamente, não falou com ninguém. Entrou numa antessala de um “toillete” lá da Emissora, abriu um armário muito grande que lá ainda existe e sentando-se na parte baixa do armário, “pregou um ronco” até a hora da apresentação, finda a qual, foi embora.
Depois, ele próprio, confessaria que estava num dia de muito mau humor, muito cansado, cheio de problemas e que desejava voltar a Limoeiro para apagar a má impressão.
E assim se fez e assim aconteceu.
Veio um novo homem. Veio um cara totalmente diferente.
Comunicativo, brincalhão, trouxe, até, para mostrar e rodar, em primeira mão, lá, em Limoeiro, um disco, ainda em acetato, com duas músicas que virariam sucesso: Padroeira do Brasil e Paulo Afonso.
Com respeito a essa última, ele, colocando o disco no prato, disse para mim: Escuta só que baião macho.
Era aquele, “Delmiro deu a ideia, Apolônio aproveitou…” Muitas vezes, depois, encontrar-me-ia com Luiz Gonzaga.
Em Limoeiro, mesmo, num espetáculo patrocinado por Martini, na Praça Comendador Pestana que fez com que todos os bancos e toldos da feira fossem abandonados por seus donos, porque todo mundo correu para ouvir o Rei do Baião.
E em Caruaru. E em Maceió.
Apresentei Luiz Gonzaga em vários shows, viajei com ele para o interior de Alagoas, tornamo-nos amigos.
No Rio de Janeiro, fui à sua procura para gravar comerciais para o Pertônico e lhe dei um texto falado que ele achou interessante, pelo fato de que, até então ninguém havia pensado nisso. Era sempre Luiz Gonzaga, cantando. Com Pertônico ele cantou um comercial e disse outro, muito bom, por sinal, porque Gonzaga botou uns “cacos” no texto original, substituindo alguns termos por formas mais regionais, como por exemplo uma frase que é bem nossa: “Vai logo, mulé. Avia, home.”
É engraçado como a gente chama homem, com mulher.
Quantas vezes, conversando com uma pessoa do sexo feminino, nós exclamamos: Oh, home. Tenha santa paciência! E o avia, que ele colocou, é, no caso, sinônimo de “dá pressa”.
Recebeu a mim e a minha mulher em sua casa, na Ilha do Governador, onde conversamos bastante com ele, Helena e Gonzaguinha. Este, por sinal, algum tempo depois vindo a Maceió, encontro no gabinete de Fernando Collor de Mello. Efusivo, faço um alegre cumprimento.
Gonzaguinha olhou-me, de cima para baixo, ficou calado. E eu, chateado perguntei: Não está me reconhecendo? E ele, grosseiramente: Não. Acho que nunca lhe vi, antes. Saí murcho da sala de Fernando.
Mas, minha amizade com Luiz Gonzaga não tem sido só de registros agradáveis.
Quando no Laboratório, contratei “Lua” para uma série de apresentações em várias cidades, entre elas, Caruaru.
O preço, por apresentação, era de Cr$ 3.000,00.
Não é tão pouco, como pode parecer, mas, também, não fazia jus ao valor do Rei do Baião. O contrato, porém, havia sido firmado, sem discordância da parte de ninguém. Era o ano de 1973.
Feito o show na Praça Coronel João Guilherme, diante de muita gente, lá em cima, no palanque, mesmo, Luiz Gonzaga virou-se para mim e disse: Cadê o meu dinheiro?
Eu respondi que estava guardado no cofre da Rádio Cultura do Nordeste. Pedira a Zé Almeida para ficar com ele.
Então vá buscar, falou Gonzaga. Fui.
Não encontrei Zé Almeida na Rádio pois este se esquecera desse compromisso. Fui buscá-lo em casa, apanhei o dinheiro e fui ao encontro de Luiz, numa lanchonete.
Lá, bati no seu ombro, ele estendeu a mão para mim, sem se virar, recebeu o dinheiro e comentou com algumas pessoas presentes:
— Tá vendo o que esses caras fazem com a gente? Um artista como Luiz Gonzaga, cantando por três mil cruzeiros. É um absurdo!
Achei isso um despropósito, principalmente, comigo que, afinal, se não era um “artista“, muitos menos poderia ser chamado de empresário ou patrocinador.
De outra feita, aqui mesmo, em Maceió, no Festival, Gonzaga acertara o seu cachê na base de 70% do que rendesse o espetáculo.
Infelizmente, o espetáculo não rendeu grande coisa porque, quase todo mundo que estava na plateia, participava do concurso.
Dava uma ideia de casa cheia e, no entanto, a bilheteria não correspondia. Aí, ao invés dos 70% resolvi, por minha conta e risco, dá toda a renda a Luiz Gonzaga. Depois explicaria à Direção da Gazeta.
Fui levar a “grande soma” ao Gonzaga, lá no seu apartamento, no Hotel Beira Mar.
Luiz pegou o dinheiro, olhou-me com a cara feia e disse:
— Olha, eu não preciso dessa porcaria. Quanto é que você está ganhando nisso?
Respondi que nada. “E, aqui pra nós, nos dois festivais, apesar do apoio recebido, para que não faltasse coisa alguma, terminei botando dinheiro do meu bolso”.
Ouvindo a minha resposta, Gonzaga completou:
— Isso é problema seu. Se você quer trabalhar de graça pra Arnon de Mello trabalhe. Eu é que não tenho nada com isso. Pode levar essa porcaria daqui.
Saí tão magoado com Luiz Gonzaga que a fita com a música Apoti que ele iria levar para gravar, retirei de sua mesinha e não quis mais a sua gentileza.
Fiz, então, uma tolice. No outro dia, mandei suspender, na Rádio Gazeta, a divulgação das músicas de Luiz Gonzaga. Passamos um ano fazendo silêncio para o maior artista brasileiro.
Idiotice minha, pois. Luiz Gonzaga é um artista tão grande que até seus desaforos devem ser respeitados.
Um dia, no Aeroporto de Brasília, estou resolvendo o meu problema de passagem para voltar a Maceió, quando vejo Luiz Gonzaga, à distância.
Procurei me esconder. Sei lá que tipo de reação ele teria, ali, no meio de tanta gente. Ele sabia que eu estava chateado com ele, que “censurara” os seus discos, na Gazeta e tudo mais.
E eu não escondia isso de ninguém.
Nem de Luiz Bandeira, nosso amigo comum e seu produtor de discos.
O Luiz Gonzaga que se apresenta nos shows, com aquele jeito descontraído, não faz tipo. Ele é assim. Ele fala alto em toda parte.
Uma vez, em plena Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, nós íamos caminhando quando, de repente, sem nenhum motivo, ele deu um daqueles seus gritos típicos das apresentações e dos discos: Arraaaaa! (É difícil escrever um grito).
Todo mundo se virou e riu.
Entrando num restaurante, empurrando a porta vai-e-vem, tipo “saloom“, foi gritando: “Cheguei, magote de coisa…”
Gente se engasgou, outros riram e um grupo de sergipanos levou-nos à sua mesa, conversando durante todo o tempo do almoço.
Ali, que tipo de grito daria Luiz Gonzaga, quando me visse?
E ele me viu. Viu e foi se aproximando, com a cara fechada.
Foi se chegando, chegando e, a uns dois passos, bradou:
— Sujeito. Que negócio é esse de dizer que tá brigado comigo? — Você pode brigar comigo seu filho de uma égua?
E bateu forte com a mão no meu ombro, puxando um papo alegre e descontraído, como se nada houvesse acontecido. Falou-me do seu novo disco, cantou, alto, uma das faixas e lamentou que eu estivesse indo embora porque ele iria se apresentar à noite e gostaria de contar muito com a minha presença. Na hora da despedida falou de longe:
— Rode meus discos, sujeito! Voltei feliz. Fizera as pazes com Luiz Gonzaga.
***
Dinho Lopes, um dos filhos de Edécio Lopes, ao ler o texto acima, lembrou de mais um detalhe da relação de amizade entre seu pai e Luiz Gonzaga:
“Se Luiz Gonzaga queria gravar uma música e não sabia quem era o compositor, dizia: “lá em Alagoas tem uma pessoa que sabe”, e ligava para meu pai perguntando:
— Amarelo, tô querendo gravar uma música, mas não sei de quem é.
— Cante um pedacinho Seu Luiz.
Ele cantava, meu pai dizia quem era o compositor e ele não escondia sua satisfação:
— Ah, amarelo fidapeste!
Edécio Lopes, Sabino Romariz, Odete Pacheco, Haroldo Miranda… gente de uma época em que o rádio era o principal veículo de comunicação e por isto exerciam forte influência na opinião pública. Aldemar Paiva e Fernando Castelão também foram personagens nessa época, mas em uma TV que engatinhava, nos canais 2 e 6 de Recife, aqui captados graças a uma estação repetidora que oferecia imagens em meio a muitos chuviscos.
Parabéns Ticianeli. Que bom saber destas narrativas do Edécio. Convivi com ele e também com o maestro Ivanildo Rafael. Dois excelentes amigos e profissionais. Parabéns mais uma vez. Continjue com suas pesquisas sobre nomes de destaque em nosso estado.
Como sempre, me emociono com nossas histórias. O rádio foi onde despertou minha relação com os bastidores musicais, Ficha Técnica etc. Parabéns pela matéria!
Cidade Sorriso é nosso hino carnavalesco sem sombra de dúvidas!!!