Baronesa “foia” que tapa rio
Félix Lima Júnior
*Publicado originalmente na Revista da Academia Alagoana de Letras, Ano VII n° 7, Maceió, Dezembro de 1981.
Em 1800 e não sei quantos, numa das monótonas sessões da Assembleia Provincial de Alagoas, cochilavam alguns “Augustos e digníssimos representantes do povo alagoano” enquanto os outros conversavam para matar o tempo e não ouvir o discurso cacete do colega que estava na tribuna.
Mal o orador se afastou da tribuna depois de substancial oração, um dos Licurgos, Coronel da Guarda Nacional e proprietário de um engenho de açúcar em Atalaia ou Capela, não sei bem, levantou-se solenemente, pigarreou ante os olhares atônitos dos companheiros de casa, olhou em direção à Mesa e disse:
– Sr. Presidente, peço a palavra!
Se tivesse caído no recinto um raio não teria se registrado tamanho alvoroço. O espanto não foi deste mundo, nem menor a estupefação, pois S.S. [Sua Senhoria] jamais ousara dizer um “não apoiado”, percorrendo assim os mares nunca dantes navegados da oratória parlamentar.
Um contínuo que passava perto, com bandeja de café, tomou tal susto que derrubou todas as xícaras; o 2° Secretário, não acreditando no que via, levantou-se, espantado, e assim permaneceu alguns minutos calado, limpando os vidros de seus óculos com finíssimo lenço de cambraia da Escócia; o Presidente, engasgado, perturbado, pregado na cadeira, não teve forças para atender logo o pedido formulado, como era de seu dever. Ficou olhando, abobalhado, para o forro do salão e somente cinco minutos depois atendeu o ilustre representante de um dos municípios da zona da mata.
Restabelecida a calma, e no meio de um silêncio sepulcral, dirigiu-se o Deputado à tribuna e disse:
– Sr. Presidente, Vossa “Incelência” sabe e todos os distintos colegas sabem também, que eu gosto mais de ouvir do que de falar. Mas sou forçado a discursar. Tenho meu engenho de açúcar, moente, com as canas que planto. Os sacos cheios dos meus “gêneros” mando, durante a safra, para o Pilar, em canoa, pelo rio Paraíba. Daquela cidade são transportados em barcaças e nos vapores da Companhia de Navegação das Lagoas, para esta capital, pois não temos ainda, apesar de tantas promessas, trilhos do “Vapor de terra”.
Parou para tomar fôlego e prosseguiu:
– Corria tudo bem na santa paz do Senhor, mas agora, depois de terminadas as pesadas chuvas do inverno, — inverno em flor, como diz o Manoel Gaudêncio — Secretário da Intendência e poeta muito aplaudido pelas moças — as baronesas tomaram conta do rio, o mesmo acontecendo, como fui informado, nos de Coruripe, Camaragibe, São Miguel dos Campos e Murici. Todos os engenhos da minha zona estão em dificuldades, forçados a mandar o açúcar para o Pilar em costas de cavalos.
Faço uma indicação, portanto, Sr. Presidente, para a ilustre Mesa apelar para o governo — imperial ou provincial — no sentido de determinar providências para o caso, com a urgência possível.
Foi interrompido pelo aparte de um colega, representante do sertão, da zona seca batida pelo sol e queimada pelo verão implacável, Santana do Ipanema ou Mata Grande, no qual os rios correm somente nos invernos rigorosos.
— Vossa Excelência desculpe interromper sua magnífica oração; quero, porém, manifestar a minha surpresa pelo que está ocorrendo, como foi explanado. Manifesto minha solidariedade contra o que fazem as senhoras baronesas, fidalgas nomeadas pelo Imperador e que deveriam ajudar e não prejudicar tantos agricultores ricos e pobres. São elas ricas e de alta jerarquia, mas não a ponto de impedir que as canoas trafeguem nos rios da Província… Conte o nobre colega com a minha solidariedade para o seu pedido e o meu voto para a aprovação de sua indicação.
Ia continuar, mas foi interrompido pelo orador:
— Desculpe, mas Vossa Mercê está enganado. Não estou falando de Baronesa “muié” de Barão. A reclamação é contra baronesa “foia” que tapa rio…
Disse, concluindo a arenga e fez desabar sobre a cadeira, quase furando a palhinha, seus respeitáveis 87 quilos bem pesados…
Almejo um feliz dia, prezado Ticianelli. E a minha gratidão pelo encaminhamento desta edição da História de Alagoas.
Fraternal abraço,
Claudio Ribeiro – nascido em Fernão Velho