Médicos, Remédios, Dentistas e Barbeiros no antigo Maceió

Rua do Comércio nos anos 20 ou 30. Pharmácia Firmino segunda casa após a esquina Casa Costa Júnior

Félix Lima Júnior

*Publicado originalmente no Diário de Pernambuco de 6 de março de 1955. Título original: Médicos, Remédios, Dentistas e Barbeiros.

Os médicos da cidade, nos primeiros anos deste século [XX], eram cerca de vinte e, entre eles, destacavam-se Antonio Francisco de Gouveia, Alfredo Rego, Antonio Aquino Braga, Domingos Paes Barreto Cardoso, Silvio Moeda, Pedro Monteiro dos Santos, Manoel Sampaio Marques, José Antonio e Manoel Duarte, todos já falecidos há anos.

Esses discípulos de Hipócrates podiam ser procurados nos consultórios instalados quase sempre em suas residências; um ou outro dava consultas em farmácias, como o dr. Manoel Duarte, operador, parteiro e especialista em doenças dos olhos, que mantinha consultório na Farmácia Fidelidade, na rua do Comércio, nos baixos de um sobrado onde presentemente [1955] negocia a firma Viúva J. Leite Bastos.

Os drs. Antonio Gouveia, Francisco Pontes de Miranda, Correa de Menezes e Ulysses Faro davam consultas na Farmácia e Drogaria Calmon, na rua do Comércio, nº 111. Se eram necessários os serviços desses médicos abnegados, depois da meia-noite, eles, sem hesitar, iam a pé ao Mutange, à Mangabeiras, ao Farol pois os bondes estavam recolhidos e não havia carros de aluguel.

Entre esses dedicados e humanitários facultativos, que saíam muitas vezes para socorrer pessoas paupérrimas que não lhes podiam pagar, deve ser destacado, com inteira justiça, o dr. José Duarte, sempre alegre, atencioso, gentil, jamais demonstrando cansaço. Na impossibilidade de lembrar-se dos nomes de tantas pessoas que a ele recorriam chamava, invariavelmente, as senhoras Dona Sinhá e as moças Sinhazinha.

Rua do Comércio no início do século XX com o Beco do Moeda à direita e com lenha à venda no leito da rua

Quem apreciava os remédios homeopáticos e neles acreditava recorria, para aplicá-los, ao Vade-mecum da Homeopatia — utilizando produtos homeopáticos de vegetais brasileiros — do dr. Sabino Olegário Ludgero Pinho médico no Recife; ou à Homeopatia ao alcance de todos, do dr. T. Orland, clínico francês, livro editado, no Rio de Janeiro, por Araújo Pena & Filho, com laboratório à rua da Quitanda, nº 47.

Se, seguindo as recomendações desses livros e aplicando os remédios de acordo com as indicações o enfermo não melhorava, só havia um recurso: tomar o bonde e procurar, no Aterro de Jaraguá, o venerando professor Francisco de Barros Pimentel Goulart, que se aposentara, cansado de ensinar meninos e estava negociando com açúcar, tendo registrado uma firma que ainda existe [1955]. Ele receitava o doente por “ouvir dizer” e ia, depois, em pessoa, se necessário, visitá-lo e examiná-lo, deixando os seus afazeres, prejudicando o merecido repouso, sem cobrar um tostão.

As receitas eram despachadas nas farmácias: Braga e Fidelidade, na rua do Comércio, a primeira no prédio nº 134; Firmino, à mesma artéria, nº 59, propriedade e direção de Firmino de Aquino Vasconcelos, vindo de Sergipe e que foi, anos depois, mais de uma vez, Intendente Municipal de Maceió; A Popular, de Arthur Botelho, na rua Sá e Albuquerque, em Jaraguá; Alagoana, de Cândido Almeida Botelho, na rua Cincinato Pinto, nº 18, onde ele, além de drogas, vendia mangas e cocos de seu sítio na margem do canal e fabricava tinta de escrever, azul-negra, marca “Brasilina”.

Os seguintes remédios eram muito receitados. Salsaparrilha de Bristol, fabricada pelo dr. C. C. Bristol, América do Norte; vinho de Coca fosfatado e ferruginoso, do dr. Delar, de Paris; o Extrato natural de fígado de bacalhau, do dr. Vivien; O Xarope do Bosque, de Lamorreux; Emulsão de Scott; Elixir antissifilítico, de Laffecttuer; pílula de quinino e ferro do dr. Moucetol e muitas outras xaropadas e preparados vindos pelos paquetes franceses com as cançonetas de Moulin Rouge, a Revue des Deux Mondes, a camisa marca Lion, a champagne Veuve Cliquot, os figurinos, as novidades literárias, a manteiga Lepeletier e as caixas de música de Jérome Phinbonville

Vendiam-se também o Xarope peitoral calmante, do dr. Silva Lima; o peitoral de cerejas Ayer, preparado pela firma dr. J. Ayer & Cia.; pílulas antidispépticas de Henselman; Magnésia Fluída Perini; Peitoral de Cambará; Pérolas de sândalo Liysore; óleo de fígado de bacalhau, cuja reclame era feita na imprensa com um clichê do pescador norueguês, vestindo um impermeável e conduzindo às costas um gigantesco peixe; Bromil a Saúde da Mulher, anunciados pelo Lira, conhecido propagandista que exibia nas ruas dois enormes calungas, um homem e uma moça; Regulador da madre Beirão; vinho Labarraque que o dr. Sampaio Marques recomendava tomas às refeições; Água Inglesa; Depurativo vegetal de salsaparrilha da Jamaica, caroba e guaraná, de Joaquim Ignácio Ribeiro & Cia.

Anúncio publicado em O Orbe de 6 de agosto de 1882

Eram apreciados também os produtos alagoanos, “prata da casa”: Elixir Anti-erisipelatoso, do dr. Antônio Francisco de Gouveia; idem de cabeça de negro e brandão, preparado pelo farmacêutico Arthur Botelho; peitoral de bugio, salsa, caroba, guardião e velama, e Elixir de Quina, Calumba e Absinto, fórmulas do já citado farmacêutico Cândido Botelho, “seu Candinho” ou “goiamum amarrado”, como era conhecido; e o preparado mais renomado, cuja propaganda se fazia diariamente pelos jornais, o Humanitol, específico da tuberculose, especialidade da Farmácia Fidelidade, cujo vidro custava 4$000, como anunciava o Gutenberg, em 1904.

Chico Barbeiro, homenageado na noite de 1º de junho de 1905, num circo armado na praça da Cadeia, onde trabalhou como palhaço amador, entre outras, ao violão, improvisou a seguinte quadrinha:

O Ponciano barbeiro
Toca flauta em si-bemol,
Tem muita força no peito
Pois tomou Humanitol!

Quem não dispunha de recursos ou não acreditava em produtos farmacêuticos, ou era excessivamente econômico, recorria ao dr. Reis ou à Sinhá Codó (Clodomira da Silva), que fornecia garrafadas capazes até de ressuscitar pessoas.

Recomendados pelos vizinhos, “comadres”, práticos de farmácia e curiosos, preparavam-se, em casa, vários remédios: chás de pega-pinto; de capim-santo e pitangueira para dor de barriga; de folhas de cruaça para baixa pressão arterial; de mutamba para asma; de quebra-pedra, de mastruço com leite para tuberculose; de folha de eucalipto e de sabugueiro para constipação; da goma da parreira; de folhas de laranjeiras para nervoso e insônia; de quina-quina para febres palustres; de folhas de maracujá para erisipela; de semente de girassol para dores de cabeça; de alecrim para resfriado. E outras “meisinhas”: tintura de quixabeira para diabetes; folhas de babosa para curar feridas e úlcera; lambedor de flor de bananeiras para doenças do aparelho respiratório, aliás energicamente condenado pelo dr. Alfredo Rego, ao saber, espantado, que conhecido comerciante mandava aplicá-lo em seus filhos menores; purgantes de cabacinha; de gendiroba para dores de cabeça e congestões; óleo de jiboia branca; banha de preguiça para reumatismo; gitó e pimenta d’água; vinho de jurubeba para o fígado; cabeça de negro; batata de purga; café de mororó; capeba; fedegoso; velame; raspa das sete canelas; purgante das 25 sementes; etc.

Quem tinha dentes cariados e queria consertá-los ou extraí-los, no fim do século passado [XIX], recorria aos drs. Antonio Almeida Leitão e Ulysses Deolindo Leite de Menezes, ou ao dr. John Vega, profissional americano que aqui atendeu no consultório do dr. Pedro Duarte. No século atual [XX] procurava-se os drs. Afonso Smaragdo, na rua Cincinato Pinto; José Leitão Rêgo, no Comércio, e, posteriormente, na rua da Alegria, esquina com a Tibúrcio Valeriano; Pedro Duarte, na rua 15 de Novembro, em frente à igreja de Nossa Senhora do Rosário; Salvador Calmon, no Comércio, 141, ou na rua Nova, 13; Clodoveu Lins Coelho da Paz, na praça Pedro II; Manoel Lino, no Comércio, 138, nos altos do prédio onde Augusto Vaz da Silva explorava a Livraria Santos.

Rua do Comércio, 138 e 140, com a Livraria Santos e Relojoaria de Félix Lima. No sobrado do nº 138 atendia o dr. Manoel Lino

Não mais se recorria, como no ano remoto de 1860, aos préstimos de um preto, Francisco Ponciano dos Santos, com barbearia à rua Boa Vista, nº 23, no último quarteirão, próximo à igreja do Livramento. Ponciano, barbeiro e dentista, fazia concorrência a outro colega, que às suas habilidades juntava a de sangradorAntonio Rodrigues da Costa, estabelecido no Comércio, 87, que além de chumbar dentes expunha à venda “sanguessugas, massa diamantina e pós de arroz para amaciar a cútis”. E mais ainda: tinha no seu afreguesado estabelecimento “o afamado elixir antiescorbútico odontológico de Lapierriére”.

No Diário de Alagoas, de 7 de janeiro de 1865, Ponciano anunciava que pelo último vapor chegado do norte recebera “um completo sortimento de navalhas finas de um dos melhores fabricantes de Paris, bem como sanguessugas hamburguesas”. Em 12 do mesmo mês e ano avisava, pelo referido órgão, que comprava “cabelo de pessoas de qualquer idade, com comprimento de um palmo ou mais”.

Ponciano transmitiu os seus conhecimentos, de certo, aos filhos e parentes que apenas puderam cortar cabelos e fazer a barba dos fregueses, pois em Maceió já haviam se estabelecido dentistas formados nas Faculdades da Bahia e o Rio, não lhes sendo permitido, assim, arrancar dentes dos pobres sofredores que a eles recorriam…

Francisco Ponciano, em 1902, tinha mudado o seu estabelecimento para a rua 1° de Março (atual Avenida Moreira Lima). Joaquim Ponciano que, creio, era seu irmão, em 1875 tinha barbearia na Boa Vista, nº 3. Em 1902 falecera ou já não mais exercia a profissão. Naquele ano estabelecera-se na rua aludida Manoel Ponciano dos Santos, da mesma dinastia de fígaros alagoanos e que foi, no biênio de 1903/1905, membro do Conselho Municipal de Maceió.

Francisco Ponciano, filho ou sobrinho do fundador da dinastia, faleceu, solteirão, nesta capital, com 90 anos de idade, na rua de São Francisco, no dia 10 de março de 1954, conforme noticiou a Gazeta de Alagoas de 16 do mesmo mês. Por muito tempo manteve modesto estabelecimento nos biombos da Madalena, que já foram demolidos, há muitos anos, como se sabe e ficavam localizados na atual praça dr. Rodolfo Lins ou do Pirulito, como chama o povo.

4 Comments on Médicos, Remédios, Dentistas e Barbeiros no antigo Maceió

  1. carlos roberto de moura costa // 10 de maio de 2022 em 09:04 //

    Na década de 60, a meninada da Rua Pedro Paulino e adjacências tremia nas calças curtas ao avistar o Dr. Miltinho, morador naquela rua. Dentista sem formação acadêmica mas que não podia ser tachado de charlatão visto que comissionado como tal por ter prestado serviços à FEB na Segunda Guerra Mundial. O motivo de tanto medo era que ele não fazia restaurações, extraía todos os dentes onde avistasse cáries e por isto era comum ver nas calçadas nas imediações de sua residência muitas manchas de sangue provenientes de cuspidelas de seus pacientes.

  2. Antônio Milton Pessoa Falcão Filho // 19 de maio de 2024 em 15:54 //

    Sr.Carlos Roberto , seu comentário sobre Dr.
    “Miltinho “ está equivocado nos seguintes pontos :
    Dentista sem formação acadêmica , FALSA sua informação, pois ele foi graduado , pela faculdade de Araracuara em SP ,reconhecido
    Posteriormente pela ABO /Al .
    – Afirmar que ele prestou serviços na FEB .FALSA sua colocação ! Ele nunca prestou tal serviço.
    -Ele Atendia seus pacientes no seu consultório na Rua do comércio , onde funcionou anteriormente a drogaria Globo .
    Nunca atendeu em casa na Av Pedro Paulino .
    – Na sua profissão de dentista , se dedicou basicamente a duas especialidades odontológicas , muito comum na sua época :
    Exodontia ( extração de dente ) e prótese dentária . E durante mais de 30 anos de sua vida profissional exerceu a profissão de cirurgião dentista , no governo do Estado de Alagoas. , até sua aposentadoria.
    Muito infeliz seu comentário!

  3. Antônio Milton Pessoa Falcão Filho // 19 de maio de 2024 em 17:15 //

    Comentário , Falso !

  4. Alessandra // 19 de maio de 2024 em 19:11 //

    Trata se de um comentário sem conhecimento de causa : Dr Miltinho (Dr Milton Pessoa) era formado na universidade de Araraquara com especialização em odontologia(exodontia (arrancar dente)e prótese) seu consultório na rua do comércio onde funcionava a drogaria Globo portanto não exercia sua profissão na rua Pedro Paulino lá era seu endereço residencial. Antes de qualquer comentário pesquisar os fatos se faz necessário

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