História das estradas de ferro em Alagoas (Final). No tempo da Great Western
Continuação de História das estradas de ferro em Alagoas (IV). De Piranhas a Jatobá. Veja AQUI.
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A Great Western of Brasil Railway Company e a Privatização
Em 15 de novembro de 1898, Campos Sales assumiu a Presidência da República — era o segundo presidente civil eleito pelo voto popular após os governos militares do início da República. Encontrou o país numa situação financeira que classificou como calamitosa. Em sua posse anunciou à nação que o seu governo pretendia recuperar a confiança dos banqueiros e investidores internacionais no país e trazer de volta os capitais externos.
Assim disse e assim fez, contando com a eficiente ajuda do ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, um liberal convicto que tachava de socialista a tradição brasileira de interferência do Estado na economia.
Entre as medidas adotadas para reduzir os gastos do governo ao mínimo destacavam-se as suspensões das obras públicas e o arrendamento das estradas de ferro da União e das outras que foram resgatadas.
Campos Sales teria dito: “A longa experiência mostrou que não há vantagem em manter ferrovias sob a administração pública. Entregá-las à iniciativa privada e estimular a atuação dos interesses privados não só alivia o tesouro nacional como amplia a esfera de prosperidade e utilidade tanto para o comércio como para a indústria”.
A possibilidade dos resgates destas concessões já vinha sendo discutida desde 1888, mas sempre surgiam dúvidas sobre os cálculos. Não se concluía se os compromissos do governo com as companhias geraravam prejuízos ou vantagens aos cofres públicos.
Ainda em março de 1900 foi contratada, pela terceira vez, consulta ao Dr. José Carlos Rodrigues sobre a viabilidade do resgate das Estradas de Ferro do Recife e da Bahia ao São Francisco e de outras.
O trabalho concluiu que com o resgate e o fim das garantias, ou pelo menos com a diminuição delas, o Tesouro seria aliviado imediatamente e nos 12 anos seguintes. Entretanto, jogaria nos ombros do Estado a responsabilidade em manter o sistema funcionando. Chegou-se então à conclusão que após os resgates dessas estradas de ferro, com papéis de valores inferiores à garantia em dinheiro, deveria haver o arrendamento.
O economizado e o produto dos arrendamentos iriam para uma “Caixa de Resgate”, no Banco da Inglaterra, para assim valorizar os papéis (bonds). Esse fundo receberia dividendos.
Em paralelo aos estudos e cálculos, o governo tratou de regulamentar o processo de resgate e arrendamento que pretendia realizar, considerando que dispunha até então somente da Lei nº 652, de 23 de novembro de 1899 (fixava a despesa geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1900 e adotava outras providências).
Em seu artigo 22, a Lei autorizava o Poder Executivo:
VIII. A resgatar as Estradas de Ferro do Recife ao S. Francisco, da Bahia ao S. Francisco, nos termos da cláusula 25ª do Decreto nº 1.030, de 7 de agosto de 1852.
O Decreto nº 1.030 foi o que concedeu “a Eduardo de Mornay e Alfredo de Mornay privilégio exclusivo pelo tempo de 90 anos para a construção de um caminho de ferro na Província de Pernambuco, entre a cidade do Recife e a Povoação denominada Água Preta”.
Sua cláusula 25º estabelecia que:
“Se o Governo entender de conveniência pública efetuar o resgate da concessão do caminho de ferro, o poderá fazer mediante prévia indenização da Companhia, que será regulada da maneira seguinte:
1º Não poderá ter lugar este resgate, salvo de acordo com a Companhia, senão passados 30 anos da duração do privilégio.
2º O preço do resgate será regulado pelo termo médio do rendimento líquido dos últimos três anos.
3º A Companhia receberá do Governo uma soma em fundos públicos que dê igual rendimento, descontadas quaisquer quantias resultantes da garantia do juro que por ventura a Companhia deva ainda, e as de amortização que possa ter recebido por consentimento do Governo, ou que haja de receber na ocasião”.
Como se percebe, tal permissão para resgate era restrita àquela concessão. Para ampliar seu raio de abrangência o governo aprovou a Lei nº 746, de 29 de dezembro de 1900, definindo que a autorização concedida pelo inciso VIII do art. 22 da Lei nº 652, de 23 de novembro de 1899, poderia ser exercida pelo Governo em relação a todas as outras estradas de ferro, além das mencionadas naquela disposição, que gozarem de garantias de juros da União, nos termos dos respectivos contratos.
Foi com base nesta Lei que o Governo Federal iniciou os resgates de várias ferrovias instaladas no país.
Ainda em dezembro de 1900 os primeiros contratos de resgates foram assinados. Um deles, o que incidiu sobre as estradas de ferro Sul de Pernambuco e Recife ao São Francisco, previa a posse do governo sobre elas em 1º de julho de 1901.
No dia 28 de junho, quatro dias antes desta data (Jornal do Brasil de 29 de junho de 1901) ocorreu um encontro entre representantes das companhias Great Western of Brasil Company e Alagoas Railway Company Limited com o ministro da Viação, quando foi apresentada a proposta para o arrendamento de toda a rede ferroviária do Norte do Brasil, de Pernambuco ao Rio Grande do Norte.
Dias depois, na tarde de 30 de julho (Jornal do Brasil de 31 de julho de 1901), o assunto foi levado, em uma reunião, ao presidente da República no palácio do Catete. Estavam presentes os ministros da Fazenda e da Indústria e Viação. Trataram das estradas de ferro já resgatadas e as que ainda seriam.
Nesse encontro ficou garantido que a Great Western seria a arrendatária das estradas de ferro Sul de Pernambuco e Recife ao São Francisco e também das ferrovias que ainda seriam resgatadas: a Conde d’Eu, a de Natal, a Nova Cruz e Alagoas Railway.
A partir da definição desses arrendamentos, a Great Western se comprometia a estabelecer uma rede direta entre Alagoas e o Rio Grande do Norte e também desistia da garantia de juros a que tinha direito. Na época, algo em torno dos 40.000:000$000. Isso provocaria uma economia para o governo de cerca de 700:000$000 anuais.
O Decreto foi assinado naquele mesmo dia (30 de julho). A Great Western, além da desistência dos juros, passaria a contribuir com uma quota de 10 a 12% sobre a sua renda. No dia 6 de agosto de 1901 o contrato foi assinado. Sofreu uma revisão em 28 de julho de 1904, com autorização do Decreto nº 5.257 de 26 de julho de 1904.
Em outubro de 1902, o Tesouro foi autorizado a reservar 760.000 libras esterlinas para lastro de títulos emitidos para o pagamento da encampação da Estrada de Ferro Central de Alagoas, que somente foi entregue oficialmente à Great Western em 23 de janeiro de 1903. Nessa época, o superintendente da Great Western era o inglês Knox-Little.
A caminho de Palmeira dos Índios
O Diário Oficial de 28 de novembro de 1909 publicou o Decreto nº 7.632, de 28 de outubro do mesmo ano, com a aprovação da revisão do contrato de arrendamento das estradas de ferro efetivado com a Great Western of Brasil Railway Company e da construção dos prolongamentos das estradas de ferro, Conde d’Eu, na Paraíba do Norte, Central de Pernambuco e Central de Alagoas.
O prolongamento da Estrada de Ferro Central de Alagoas era o de Viçosa a Palmeira dos Índios, passando por Vitória (Quebrangulo). A elaboração do projeto teve a supervisão do engenheiro da Great Western, dr. Themistocles de Figueiredo.
Os estudos e orçamento para a construção do primeiro trecho, de 45 km (total de 77.881 metros). foram apresentados ao Governo em outubro de 1910. Após a sua aprovação, as obras foram iniciadas no dia 1° de janeiro de 1911.
Em 29 de dezembro de 1911 entrou em funcionamento o transporte entre Viçosa e o povoado Anel. Em 19 de maio de 1912 foi entregue ao tráfego, provisoriamente, entre Anel e Paulo Jacinto.
O tráfego até Quebrangulo foi inaugurado em 14 de dezembro de 1912 e dias depois (29) o mesmo ocorreu com o trecho entre Quebrangulo e o quilômetro 44 da ferrovia. Ainda em 1912 foram iniciadas as construções das Estações de Anel, Paulo Jacinto e Quebrangulo.
O Decreto nº 10.270, de 12 de junho de 1913 aprovou os estudos definitivos e o orçamento para o segundo trecho, entre o quilômetro 44 e Palmeira dos Índios.
A partir de 1913 as obras passaram a ser realizadas lentamente e em agosto de 1914 foram paralisadas totalmente, quando o leito da ferrovia entre Quebrangulo e Palmeira dos Índios (24 km) já estava pronto para receber os trilhos.
Com a interrupção da obra a Great Western pleiteava a repactuação das condições estabelecidas nos vários contratos com o governo. Já não conseguia pagar as porcentagens estabelecidas e propôs, em requerimento de 17 de abril de 1912, uma manobra para diminuir esses valores.
Conseguiu aprovar no orçamento do Ministério da Viação para 1913 uma autorização para o presidente da República contratá-la para “a construção de uma linha férrea de penetração, parta do atual ponto terminal da estrada [Estrada de Ferro Central de Pernambuco], e da qual serão construídos anualmente 60 quilômetros”.
E em seguida vinha a flexibilização: “Para efeito dessa autorização o Governo Federal poderá entrar em acordo com a mesma companhia, no sentido de serem modificadas as percentagens que ela atualmente paga pelas linhas que lhe estão arrendadas, ou aplicar à referida construção o regimen estabelecido no art. 3° da Lei nº 1.126 de 15 de dezembro de 1903, fixando em 50:000$000 o preço máximo quilométrico de construção”.
No momento em que se tentou elaborar o contrato com essas condições, os redatores esbararam nos impedimentos da Lei n° 2.719, de 31 de dezembro de 1912 (orçamento para 1913), que eliminava essa possibilidade.
Em paralelo a essas ações, uma nota foi divulgada nos jornais no início de julho de 1914 informava que o ministro da Viação havia remetido à Inspetoria de Estradas a 2ª via dos estudos definitivos do segundo trecho do prolongamento de Viçosa a Palmeira dos Índios. A Great Western propunha modificações no traçado inicial, reduzindo o trecho de 32.881 metros para 31.860 metros e os custos de 3.699:865$578 para 3.676:386$771. Essa alteração foi aprovada pelo Decreto n° 11.272, de 28 de outubro de 1914, entretanto, essa decisão somente foi publicada em 13 de março de 1915.
Como o impasse sobre a repactuação se arrastou até o fim do ano de 1914, a Great Western, manteve a paralisação das suas obras e resolveu apelar para o Congresso Nacional. Assim, em 17 de novembro de 1914 apresentou requerimento para que fosse votada a autorização para a revisão do seu contrato de 7 de dezembro de 1909, alterando-o para que ficasse em igualdade de condições com outros contratos de arrendamento de estradas de ferro.
No final de 1916, nenhuma solução tinha sido encaminhada e os parlamentares nordestinos protestavam denunciando a crise dos transportes na região atendida pela rede da Great Western. O Diário de Pernambuco divulgava então que dos 18 trens de passageiros que deveriam viajar semanalmente nas diversas linhas daquele estado, somente seis estavam funcionando.
O impasse começou a ser resolvido com a publicação do Decreto nº 14.326, de 24 de agosto de 1920, que autorizava a revisão dos contratos da empresa “com espírito de equidade”. O Decreto também anulou as penalidades existentes por não cumprimento do contrato estabelecido pelo Decreto nº 7.632, de 28 de outubro de 1909.
Além disso, a Great Western foi liberada dos compromissos de construir ramais e prolongamentos assumidos em 1909, entre eles o de Viçosa a Palmeira dos Índios. O trecho construído foi revertido sem indenização alguma ao domínio da União, que ficou responsável por concluir aquele prolongamento.
Outra ajuda oferecida pelo Governo Federal, oficializada em Contrato com a Great Western de 23 de setembro de 1920 e seus aditamentos, foi o compromisso da União em emitir apólices até o máximo de 44.000 contos, vencendo juros de 5% ao ano, para serem aplicadas na construção de vários prolongamentos da rede desta companhia.
Destes 44.000 contos, o Governo destinou 10.000 para a conclusão do prolongamento entre Quebrangulo e Palmeira dos Índios.
Mesmo com essas alterações e diante das instabilidades que marcaram o governo de Epitácio Pessoa, a companhia continuou em crise, o que levou o Ministério da Viação a determinar (Aviso n° 163/E/3, de 27 de dezembro de 1921) uma inspeção geral em toda a rede da Great Western e, em paralelo, a Inspetoria Federal das Estradas também designou uma comissão para avaliar a situação da companhia.
Surgiu assim o indicativo da rescisão do contrato e a transformação do regime. Como ocorreu mudança de governo, nada aconteceu.
Nesse período, a empresa começou a retirar os trilhos dos trechos não inaugurados, mas o ministro da Viação, Francisco Sá, mandou cessar esse vandalismo e apurar responsabilidades e crimes contra o patrimônio da União.
Somente nos últimos dias do mandato do presidente Artur Bernardes foi que o governo tomou posição diante do problema: publicou o Decreto n° 5.026 de 1° de outubro de 1926 autorizando o poder executivo a “inovar o contrato de arrendamento da rede ferroviária dos Estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, atualmente explorada por The Great Western of Brasil Railway Company, Limited, de acordo com as condições resultantes dos artigos seguintes:”.
A principal condição estabelecia que “dez por cento (10%) da receita proveniente do tráfego das linhas, em cada Estado, incluída a importância da quota de arrendamento, que deixava de pagar, serão destinados a constituir um fundo especial para ocorrer ao pagamento dos juros e amortização dos títulos que forem emitidos para a execução de melhoramentos e novas construções na referida rede ferroviária”.
O Decreto estabelecia ainda que, logo após a inovação do contrato, seriam reiniciadas as construções de vários prolongamentos, incluindo “o ramal de Vitória (Quebrangulo) a Palmeira dos Índios” e “do prolongamento desta cidade a Garanhuns, passando por Bom Conselho, ou a Canhotinho, passando por Correntes…”. Inexplicavelmente, Colégio deixava de existir como ponto terminal deste ramal.
Meses depois, no início de 1927, a Great Western retomou as construções dos prolongamentos. O trecho trabalhado em Alagoas foi o de Quebrangulo até próximo ao alto da serra (Atum). Daí até Palmeira dos Índios foi proposto, e aprovado pela Inspetoria Federal das Estradas, um novo traçado com extensão de 16 km.
A partir de setembro de 1928 já havia pagamentos à Great Western pelos trabalhos executados no “prolongamento de Quebrangulo a Colégio, entre os quilômetros 42 e 72”. Entre janeiro e agosto de 1929, as obras continuavam nesse mesmo trecho. A informação publicada indicava que Colégio tinha voltado a ser considerado como objetivo a ser alcançado por aquele ramal.
Em 1º de março de 1930, foi inaugurado o trecho entre Quebrangulo e Anum (em Palmeira dos Índios, a 21 km de Quebrangulo). A estação deste lugar foi inaugurada no dia 19 do mesmo mês.
Nos meses seguintes, com a verba de 10.000 contos esgotada, as obras continuaram sendo realizadas precariamente. Sem os empreiteiros receberem seus devidos pagamentos, houve nova interrupção dos trabalhos. Calculava-se então que com mais 6.000 contos se concluiriam os trabalhos até Palmeira dos Índios.
No dia 7 de maio de 1930 (Jornal do Brasil de 8 de maio de 1930) a Great Western reuniu em Londres sua assembleia de investidores, que ouviu dos seu presidente, Follett Holt, explicações sobre os problemas enfrentados pela companhia.
No seu relatório, avaliava que o estabelecimento do serviço de transporte pelas estradas de rodagens no norte do Brasil deveria ser aceito como “um serviço auxiliar da Estrada de Ferro”. Em seguida identificou as mudanças ocorridas na região: “sofremos atualmente a concorrência das estradas de rodagens, nos transportes, por todas as partes, mas pelo reajustamento das tarifas, poderemos reconquistar, pelo menos, uma parte considerável do tráfico, que abandonou a via férrea, como resultado do efeito causado pelo aumento das tarifas, sentido primeiramente no começo do ano”.
Dias depois, em 24 de maio, o Jornal do Brasil publicou uma longa explanação do ministro da Viação José Américo de Almeida, confirmando que se consolidava a opção pelos transportes rodoviários.
Ao informar que estava em elaboração o programa do sistema ferroviário do país, o ministro afirmou que antes dessas definições, por ele, “não se assentaria um só trilho”. Destacou que as exceções seriam os ramais e variantes em via de conclusão e de evidentes vantagens. Entre os citados nessa condição estavam os ramais da Great Western em Alagoas e Pernambuco.
Sustentando que atuava para combater a situação deficitária do sistema, expunha que não compensava o emprego de capital no desenvolvimento da rede ferroviária e que se deveria, por todos os meios, favorecer a expansão das rodovias.
“Deve a estrada de rodagem conquistar o deserto com as suas facilidades de penetração, criando núcleos de riqueza para o transporte ferroviário”, procurava amenizar.
Sob essas novas condições, em julho de 1931, foram retomados os trabalhos do prolongamento para Palmeira dos Índios em direção a Colégio. As solicitações dos interventores em Alagoas daquele período também contribuíram para o retorno da construção.
O ramal e a estação de Palmeira dos Índios foram inaugurados pela Great Western em 27 de dezembro de 1933. A primeira locomotiva havia entrado naquela cidade no dia 16 de agosto de 1933.
Houve uma espécie de “pré-inauguração” em 4 de setembro de 1933, com a presença do ministro José Américo, general Góis Monteiro e do interventor Affonso Camargo (Diário da Manhã de 4 de setembro de 1933).
A longa jornada até Porto Real do Colégio
O primeiro ato formal para a instalação do prolongamento da estrada de ferro de Palmeira dos Índios a Colégio ocorreu em 1911, quando o coronel Clodoaldo da Fonseca anulou os contratos celebrados entre o governo Euclides Malta e os engenheiros Adolpho Morales de los Rios e Luiz Leite Oiticica Filho para várias obras em Alagoas.
Entre as medidas adotadas em seguida, Clodoaldo concedeu à The Great Western of Brazil Railway Company, representada por Alberto Theodoro Connor, o privilégio para a implantação da ferrovia até Leopoldina, atual Colônia Leopoldina e de outra, que partindo da linha da Great Western se dirigisse para Porto Real do Colégio.
No percurso até Colégio, a estrada de ferro, com 129 km, atenderia a Olho D’Água do Acioli (futura Igaci), Mangabeiras, Arapiraca, Lagoa da Canoa, Campo Grande e Salgado. Do outro lado do Rio São Francisco teria continuidade com a Viação Bahiana e por ela se ligaria à Central do Brasil, permitindo-se a viagem de trem desde Natal até o Rio Grande do Sul. Os custos da obra estavam orçados em 20.000 contos.
Em 18 de outubro de 1912, parlamentares alagoanos, em apoio a esta medida, apresentaram no Congresso Nacional projeto de Decreto autorizando o Governo a contratar com a Great Western ou com particulares ou empresas a construção desta estrada de ferro em direção ao Rio São Francisco.
Acreditava-se, então, que os trilhos estariam em Palmeira dos Índios em breve, considerando que no final daquele ano já tinham alcançado Quebrangulo. A intenção era interligar essa linha com a estrada de ferro de Timbó a Propriá, em Sergipe, e para tal o melhor ponto em Alagoas era Porto Real do Colégio.
Como houve a paralisação das obras da ferrovia até Palmeira dos Índios logo depois, também se deixou de lado, momentaneamente, a pretensão de levar a estrada de ferro até o Rio São Francisco.
Em 14 de fevereiro de 1930 foi assinado o Decreto nº 19.114, com a aprovação dos estudos definitivos e o orçamento (6.089:523$854) para a construção do prolongamento entre Palmeira dos Índios e Colégio, a cargo da Great Western.
O Governo de Alagoas também fazia a sua parte. Quando retomada a construção do trecho final entre Quebrangulo e Palmeira dos Índios, em 1931, o interventor Affonso Camargo anunciou que uma das suas metas era executar o prolongamento da ferrovia a partir de Palmeira dos Índios até Porto Real do Colégio.
Affonso Camargo e os outros interventores contribuíram para que a estrada de ferro fosse assentada nos 15 km que faltavam para atingir Palmeira dos Índios e para a realização, entre 1931 e 1932, dos estudos técnicos para a sua continuação até Colégio.
A retomada do projeto do prolongamento Palmeira dos Índios – Colégio aconteceu em outubro de 1936, quando se definiu que a sua construção ficaria a cargo do 3º Distrito do Departamento Nacional de Estradas de Ferro. Somente em julho de 1937 foi que o engenheiro Caminha Franco, da Great Western, chegou à Palmeira dos Índios para iniciar a locação desse trecho ferroviário.
Um ano depois, o Ministério da Viação e a Inspetoria Federal de Estradas ainda estavam envolvidos em autorizações para desapropriações de áreas onde seria instalada a ferrovia.
Como as obras não avançavam no ritmo esperado, no início de setembro de 1941 os jornais anunciavam a intensificação da construção com o ampliação do número de operários para cerca de dois mil. Não se sabe se novos trabalhadores foram contratados.
Contratados ou não, a construção se arrastou e somente em 6 de julho de 1947 a nova estação “Igaci”, 17 quilômetros acima da estação “Palmeira dos Índios”, foi inaugurada. Os trens chegavam a ela nas terças-feiras e sábados.
Naquela data, todo o movimento de terras e as obras de arte em geral já estavam concluídas em todo o prolongamento até Colégio, incluindo a travessia dos três grandes riachos com “majestosas” pontes sobre o Riacho Boacica (18 metros), o Riacho Itiúba (11 metros) e o Rio Camarão (estava em conclusão). Faltavam somente os trilhos.
Esse anúncio foi efetivado pelo engenheiro Lauristou Pessoa Monteiro, encarregado da construção do trecho de Palmeira a Colégio pelo Departamento Nacional de Estradas de Ferro, então chefiado pelo engenheiro Otávio Gordilho de Castro.
Foram escavados, sem as modernas aparelhagens mecânicas, 2,56 milhões de metros cúbicos de material, sendo que 70% dele era de difícil extração, rochas em sua maioria.
Foi o engenheiro Lauristou Pessoa Monteiro que revelou em entrevista ao jornal A Noite (edição de 29 de outubro de 1947) o “interesse máximo demonstrado pelo Estado Maior do Exército, em ver concretizado dentro do menor espaço de tempo possível, este grandioso plano”, se referindo à ligação entre as duas maiores redes ferroviárias do Norte do país, que aconteceria com os trilhos em Colégio e Propriá.
Mesmo com todo interesse em agilizar os serviços, a próxima inauguração ocorreu somente em 29 de março 1949, quando foram entregues aos usuários as estações de Lagoa do Rancho (Vila de São José em Arapiraca) e de Arapiraca.
Lagoa da Canoa viu o trem pela primeira vez em 15 de dezembro de 1950, mesma data em que foi inaugurada a Estação de Colégio e todo o trecho a partir de Arapiraca, incluindo as estações intermediárias de Antonico, Engenheiro Gordilho de Castro e Gomes Neto. Estava entregue o Ramal do Colégio, como ficou conhecido esse prolongamento.
O trecho de Arapiraca a Colégio foi construído pela Construtora Camilo Colier Ltda sob a direção do engenheiro Gordilho de Castro, que utilizou trilhos fabricados em Volta Redonda.
A conclusão desta obra coincidiu com o fim das atividades da Great Western no Brasil, que desde 26 de maio de 1949 havia celebrado um acordo em Londres para a venda do seu patrimônio ao governo brasileiro.
A negociação foi formalizada pela Lei nº 1.154 de julho de 1950, que autorizou o poder executivo a promover a encampação dos contratos da Great Western of Brazil Railway Limited.
O poder público adquiria todos os bens, propriedades, terras, direito e ação de qualquer natureza que a companhia possuísse no Brasil a qualquer título, sendo ou não diretamente relacionados com a exploração do sistema ferroviário da Companhia.
A encampação da companhia custou £ 5.632.955-0-0, cinco milhões seiscentos e trinta e dois mil e novecentos e cinquenta e cinco libras esterlinas, pagos, em sua maior parte, com saldos acumulados na Inglaterra.
O governo tomou posse das ferrovias em 21 de novembro de 1950, data em que se constitui a Rede Ferroviária do Nordeste, a responsável pela inauguração do trecho entre Arapiraca e Colégio no mês seguinte.
A Great Western entrou em liquidação voluntária meses depois.
Atravessando o Rio São Francisco
Diferente de Alagoas, o vizinho Estado de Sergipe expandiu sua rede ferroviária em direção ao Rio São Francisco ainda na segunda década do século XX. A Estação de Propriá foi inaugurada em 5 de agosto de 1915, após atingir Aracaju em 1913.
Em Alagoas, com a conclusão do Ramal do Colégio em 15 de dezembro de 1950, a travessia de passageiros e cargas entre os dois municípios foi intensificada com o uso de balsas e lanchas, projetando-se a imediata construção de um “ferry-boat” para atravessar os vagões. Projetava-se também a instalação de uma ponte ferroviária.
De olho nas possibilidades dessa interligação, surgiu um movimento, a partir de Pernambuco, para organizar a Rede Ferroviária do Nordeste em forma de autarquia. A primeira iniciativa legal para esse fim foi apresentada à Câmara dos Deputados, no início de 1951, pelo engenheiro pernambucano e deputado Gersino Malagueta Pontes. O Projeto de Lei não prosperou e foi arquivado em 15 de janeiro de 1951.
Com a posse de Café Filho na presidência da República em 31 de janeiro de 1951, o mesmo Gersino Malagueta de Pontes foi nomeado superintendente da Rede Ferroviária do Nordeste (6 de março de 1951) e em seu lugar na Câmara dos Deputados assumiu o suplente, deputado Pontes Vieira (era o secretário da Fazenda do Estado de Pernambuco).
Pontes Vieira insistiu na tese da autarquia e, em 19 de abril de 1951, apresentou novo Projeto de Lei com o mesmo objetivo. Foi aprovado e transformado na Lei n° 2.543, de 14 de julho de 1955, que constituiu “com personalidade própria, de natureza autárquica, sob a jurisdição do Ministério da Viação e Obras Públicas, e com sede na cidade do Recife, Estado de Pernambuco, a Rêde Ferroviária do Nordeste (R.F.N.) formada pelas linhas férreas que estiveram arrendadas a The Great Western of Brazil Railway Company Limited, para fim de melhor articulação do sistema ferroviário nacional”.
Com longa passagem pela Secretaria de Viação do Estado de Pernambuco, o superintendente Gersino Pontes conseguiu realizar uma boa administração na R.F.N., sendo dele o mérito pelo início do processo de dieselização em 1954, com a introdução das locomotivas English Electric e novos vagões.
Em 1957 foi criada a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) por autorização da Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957, consolidando as 18 ferrovias regionais existentes no país.
Era uma sociedade de economia mista integrante da Administração Indireta do Governo Federal, vinculada funcionalmente ao Ministério dos Transportes. Mesmo após a criação da RFFSA, a RFN continuou em operação como sua subsidiária, vinculo que permaneceu até 1976.
Coube a RFFSA o desafio de estabelecer a ligação ferroviária entre os terminais de Colégio e Propriá, fazendo os vagões atravessarem o Rio São Francisco, evitando o transbordo das cargas via lanchas, canoas e balsas.
Em junho de 1960 foi anunciada a construção, em Salvador, na Bahia, de um “ferry-boat” para realizar esse transporte. O material foi fornecido pela Companhia Siderúrgica Nacional.
Em dezembro de 1963, o Jornal do Commercio estranhava e criticava o adiamento da construção deste equipamento. Nesse mesmo ano entrou em funcionamento uma balsa transportadora de vagões.
No ano seguinte, a barcaça do ferry-boat ficou pronta, mas faltavam as obras de engenharia nas margens necessárias para o seu funcionamento, o que aconteceu em abril de 1966. A inauguração somente ocorreu em 10 de março de 1967. Funcionou até 1972.
Em março de 1964, o Departamento Nacional de Estradas de Ferro abriu concorrência pública para a construção de uma ponte rodoferroviária no mesmo local, com 842 metros de extensão. Em 1970 estava orçada em Cr$ 23 milhões. Foi construída pela empresa baiana Norberto Odebrecht.
Essa ponte somente foi entregue oficialmente para uso em 5 de dezembro de 1972. Uma semana depois da inauguração foram contabilizados 2 mil veículos por dia.
Com a ponte inaugurada, a RFFSA optou por construir um novo terminal em Propriá, e os trens não mais paravam em Porto Real do Colégio, provocando o fechamento do hotel da Rede e da Estação.
O desmonte
A Rede Ferroviária Federal S. A. (RFFSA), que desde 1992 fora incluída no Programa Nacional de Desestatização, foi transferida para a iniciativa privada entre 1996 e 1998, quando atendia diretamente a 19 unidades da Federação. Tinha uma malha com cerca de 22 mil quilômetros de linhas, 73% da rede nacional.
Os trens de passageiros já não funcionavam mais desde 1980. Os que trafegavam entre Maceió e Recife e entre Maceió e Aracaju deixaram de operar ainda em 1977. A partir de 22 de fevereiro de 1984, com a criação da sociedade de economia mista Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, os sistemas de transporte de passageiros em grandes cidades ficaram ao seu encargo, mantendo as atividades nos trens suburbanos das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Maceió, Recife, João Pessoa, Natal e Fortaleza.
A RFFSA, que havia ficado somente com o transporte de passageiros de média distância, foi dissolvida cumprindo o estabelecido no Decreto nº 3.277, de 7 de dezembro de 1999 e por outros que o alteraram. Dez dias depois foi iniciada a sua liquidação por deliberação da Assembleia Geral dos Acionistas.
Os seus ativos operacionais foram arrendados, em 1997, às seguintes concessionárias operadoras das ferrovias: Companhia Ferroviária do Nordeste – CFN, Ferrovia Centro Atlântica – FCA, MRS Logística S.A, Ferrovia Bandeirantes – Ferroban, Ferrovia Novoeste S. A., América Latina e Logística – ALL, Ferrovia Teresa Cristina S. A.
Sua extinção ocorreu com a publicação da Medida Provisória nº 353, de 22 de janeiro de 2007, estabelecida pelo Decreto nº 6.018 de 22 de janeiro de 2007, sancionado pela Lei nº 11.483.
Em Alagoas, continuou funcionando somente o trem suburbano da CBTU entre Maceió e Lourenço de Albuquerque, em Rio Largo.
Parabéns pelo trabalho ilustrado e detalhado.
Trabalho muito bem feito.
Fui ferroviário durante 47 anos
Para lembrar desse fato histórico em Porto Real do Colégio, o ex-prefeito Eraldo Cavalcanti Silva, adquiriu uma maria-fumaça e a colocou em frente ao prédio onde funcionava a antiga estação.
Um dos grandes malefícios do golpe de 1964 foi destruir, paulatinamente , o modal ferroviário, privilegiando as rodovias. Não vamos entrar no mérito do porquê , mas reputo como um fator negativo da comanda Redentora.
Agiu em contramão do exemplo dos grandes países onde a ferrovia é fator de integração e desenvolvimento.
É sempre um prazer ler os seus trabalhos.
Thanks for your blog, nice to read. Do not stop.
Coloquei meu livro sobre a história da rede ferroviária Great Western of Brazil (a edição em português) no Amazon.KINDLE.
Está disponível agora em 14 países. Copiei abaixo o para o Brasil. R$ 20 no Brasil.
No site do Amazon tem uma amostra substancial e gratuita do livro, incluindo toda a Introdução. Este texto é uma revisão do livro impresso, (agora esgotado), e inclui também uma novidade—um apêndice das locomotivas adquiridas pela Great Western, baseado em várias fontes.
O livro tem 42 fotos e ilustrações, muitas delas inéditas.
Parabéns pelas pesquisas e apresentação do conteúdo. Muitos detalhes.