Presença das Alagoas na cultura nacional
Por Manuel Diégues Júnior
*Publicado na Revista Cultura nº 7, de janeiro de 1968, editada pelo Conselho Federal de Cultura – MEC.
Dentro do marco de realizações progressistas que assinala o período joanino, devemos colocar também a criação da capitania das Alagoas. O que o regente realizava, no campo material, em favor do Brasil, teria de ser completado com melhor reestruturação da divisão territorial. Ademais, a Comarca das Alagoas já assinalava, em sua economia, sensíveis progressos; justo seria, pois que se a estimulasse, ampliando-se as condições para torná-la ainda mais progressista, com governo próprio. Dois anos depois da autonomia, em 1819, o censo realizado por Veloso de Oliveira contava uma população de 11.973 pessoas, sendo 42.879 livres, e 69.094 escravos.
No ritmo progressista que o Brasil apresentava, nesta primeira fase do século XIX, não seria difícil mostrar que dele participava a antiga comarca. “Daí a razão de estimular ainda mais essa participação, criando-se os meios adequados para que a nova Capitania continuasse neste progresso. O Ato de 16 de setembro não foge a este sentido: o de estimular, nas Alagoas, o crescimento das fontes de progresso já apresentadas. Esta, podemos dizer, a razão política, social e cultural do 16 de setembro.
Teriam os alagoanos correspondido a este estímulo? A resposta deve ser, sem dúvida, positiva. Os dados estatísticos, precários embora, de que se dispõe, evidenciam que, no campo material, prosseguiu o ritmo de progresso. A economia desenvolvia-se. Fugindo aos rigorismos da monocultura açucareira, a cultura de algodão progredia. As matas alagoanas forneciam madeira adequada com que se construíam as embarcações régias.
Não diferia o progresso no campo espiritual, se bem que não fosse possível, por motivos óbvios alcançar maior repercussão para esta atividade. Realmente, não poderiam ter maiores repercussões fora do território alagoano nossas primeiras manifestações de vida cultural. Verificam-se elas nos conventos franciscanos do Penedo e das Alagoas, primeiros núcleos de nossa formação mental. Do colégio jesuítico em Porto Real, fundado em meados do século XVII, não se poderia esperar muito visto que se dedicava principalmente à catequese do gentio. Os franciscanos são os nossos primeiros representantes do pensamento cultural nas Alagoas.
Nos fins do século XVIII outro núcleo, igualmente de fundo religioso, surge: o Seminário de Olinda. Data justamente de 1798 a consulta feita pelo rei às comarcas a respeito da taxação de 10 ou 20 reis por indivíduo livre, maior de 12 anos, para sustentação dos estudantes pobres do futuro seminário. Sendo pobre a Comarca, poucos os seus recursos, a Câmara das Alagoas opinou: pela taxa de 10 reis, embora — declara a decisão — o povo estivesse pronto a conformar-se com qualquer imposição de Sua Majestade.
Criado naquela época, tornou-se o Seminário de Olinda um núcleo de irradiação cultural. Do colégio dirigido pelo Bispo Azeredo Coutinho saíram grandes figuras da vida intelectual nordestina. Porque tinha o monopólio do ensino, era evidente que para ali acorressem os que queriam fazer sua formação intelectual, mesmo sem a necessária vocação religiosa. Na comarca, o próprio ensino primário era restrito, insuficiente, precário. Numa multidão analfabeta poucos haveriam de destacar-se; e os que conseguiam dispor de algum cabedal procuravam as universidades europeias, principalmente a de Coimbra. Os que alcançaram o Seminário; e dele saíram com preparação literária superior à da média local, aqui se fixaram perdendo sua ação na estreiteza dos limites provincianos.
Seria supérfluo, a esta altura, ressaltar o que foi o papel cultural do Seminário de Olinda; dali saíram as grandes cabeças da intelectualidade nordestina nos primórdios do século XIX; dali saíram mestres e sacerdotes que difundiram ideias e também, ideais; daí saíram os revolucionários de 1817 e de 1824 que, pregando a independência do Brasil, encontraram no Seminário do Bispo Azeredo Coutinho o ambiente em que se haveriam de impulsionar as sugestões autonômicas e de liberdade vindas de várias partes do mundo; em especial, da França, da América do Norte e das colônias espanholas na América do Sul. Foi o Seminário, o grande fermento de ideias: ideias culturais, ideias religiosas, ideias políticas, também ideias revolucionárias.
Das primeiras aulas públicas nas Alagoas, em 1799, ao desenvolvimento maior do ensino primário, o caminho foi longo e lento. Basta lembrar que, em 1830, já constituída Província independente, o Brasil país autônomo, possuíam as Alagoas apenas três pessoas formadas, duas em leis e uma em medicina. Dos conventos franciscanos, porém, continuavam a brotar os espíritos mais brilhantes fosse na Comarca, no século XVIII, fosse na Capitania, nos primeiros tempos do século XIX. Poucos, todavia, alcançaram repercussão fora de sua terra.
A esse respeito um nome deve gravar-se: o de Frei João de Santa Ângela, nascido em 1709, e que lecionou filosofia, retórica, teologia e matemática em diversos conventos franciscanos. Grande orador, poeta no gênero sacro, é apontado por Jaboatão, em seu Novo Orbe Seráfico, como grande figura por seu saber. Em 1754 teve sua obra publicada em Lisboa. É o nosso primeiro intelectual com nome fora da terra natal. Outros frades, portadores embora de saberes variados, não tiveram renome fora de sua província.
Frei José de Santa Engrácia, Frei Joaquim da Purificação, Frei José de Santa Margarida de Cortona Fiuza são nomes que se podem: apontar nesse caso; suas poesias, sua oratória, seus conhecimentos não ultrapassaram o ambiente da terra natal, onde, todavia, o povo os acolhia com simpatia, acompanhando-lhes a obra intelectual meritória.
Só no século XIX é que os nossos homens de letras, poetas ou professores, começam a ter seus nomes projetados além da província. Primeiro, os formados no Seminário de Olinda, sem desprezar os saídos dos conventos do Penedo e das Alagoas; depois, os que tiveram a sorte de frequentar os cursos jurídicos do Recife, a partir de 1827, ou que, possuindo alguns cabedais, puderam buscar seus títulos em Coimbra. Dos conventos saem os frades, poetas ou oradores, e entre eles há de destacar-se a figura de Frei João Capistrano de Mendonça, penedense, de quem Pedro Paulino recorda ter sido o melhor pregador de seu tempo. Era conhecido em Pernambuco como o “capelão dos cinco mil”, pois a tanto se calculava o número de pessoas que se deslocavam de uma igreja a outra, de uma cidade a outra, para ouvi-lo glosar os motes que lhe ofereciam.
Depois da emancipação, a atividade intelectual começa a alargar-se, e encontra na imprensa um novo elemento; o jornalista. Se bem que preferentemente político, o jornalismo da época abriga também expressões de atividade mental nas letras; na poesia e na prosa, surgem manifestações que vão formando o quadro intelectual das Alagoas, enriquecendo nosso patrimônio mental. O Iris Alagoense, de 1831, é o primeiro dos nossos jornais; depois, o Federalista Alagoense (1832), O Provinciano (1835), o Echo Alagoano (1937). Suas páginas recolhem as manifestações do pensamento da elite provinciana, alguns vindos de Olinda, ou da Bahia, outros oriundos do próprio ensino local. Muitos conservaram seu ineditismo nas páginas desses órgãos, pois a estes faltava a repercussão necessária, além fronteiras, para irradiar os nossos poetas e os nossos escritores.
O processo no campo espiritual, a esta época, desenvolve-se no mesmo sentido em que em outros campos a Província inicia seu crescimento. A imprensa recolhe o eco dos que pensavam, e traduz as aspirações de progresso da intelectualidade, e não apenas de vida econômica alagoana; das tribunas sacras continuam a irradiar-se as palavras de sacerdotes imbuídos de sentimentos religiosos e patrióticos, mas igualmente literários; a poesia, o romance, a campanha política são oportunidades para expansão dessas concepções criadoras. Da oratória sacra, do século XVIII, passamos à poesia e ao jornalismo, no século XIX, para igualmente abrir novas perspectivas, no campo do pensamento, aos que aqui nasciam, muitas vezes sem que lhes fosse oferecida a oportunidade de uma projeção maior, muito embora suficientemente a merecessem.
Aquietados os ânimos depois de 1817 e de 1824, estabelecido o equilíbrio político, incentivadas as fontes de produção, Alagoas começa a projetar os que nasceram em seu território. Assinalemos, como exemplo e por sua significação, o ano de 1839. Verifica-se a mudança da capital da velha vila das Alagoas para a ainda nova vila de Maceió. Procura-se um novo centro de equilíbrio para o progresso da província. Coincidentemente, neste mesmo ano, nascem duas figuras marcantes na paisagem cultural das Alagoas; na velha vila de Pioca vem ao mundo o menino Floriano, que haveria de ser o Consolidador da República; na velha capital nasce Aureliano Cândido, rebento dos Tavares Bastos, filho de magistrado, e que se tornaria, em plena mocidade, a maior figura do pensamento social e político do Brasil, e não apenas das Alagoas.
De um lado, a figura humanamente admirável do caboclo de engenho, criado na bagaceira do Itamaracá, que transformaria sua espada de pau dos brinquedos infantis, na espada do soldado — major, coronel, marechal — que na Guerra do Paraguai, e, mais tarde, na proclamação da República haveria de constituir-se o seu consolidador.
De outra parte, o menino nascido no burgo colonial das Alagoas, ouvindo os conselhos e as sentenças de juiz do Dr. José Tavares Bastos, e de cuja cabeça, ainda quase infantil, recolheria à cultura brasileira as admiráveis Cartas do Solitário e não apenas o pensamento político, em torno da organização do Império, contra a centralização excessiva que minava a expansão provincial, emanado de A Província. Aureliano Cândido Tavares Bastos é o primeiro momento, grande e imperecível, da presença das Alagoas na cultura nacional; é o nosso — nosso, não das Alagoas, mas do Brasil — primeiro pensador social e político; é o grande pensamento que haveria de fluir no Império, voltado para a realidade brasileira, esta vista como alguma coisa autêntica e não apenas imaginada; é a primeira manifestação de uma ideia ou de ideias, que se anteciparia a Joaquim Nabuco, ainda no Império, e a Alberto Torres, já na República, em torno da organização nacional e da realidade brasileira.
Tavares Bastos é a primeira grande contribuição das Alagoas à cultura nacional; não é um poeta, não é um romancista; é um pensador. E pensar no Brasil da segunda metade do século XIX é qualquer coisa de admirável; é, sobretudo, novidade. Desta forma, a contribuição das Alagoas, podemos dizer, é marcante. Pois dela sai o nosso primeiro pensador, o primeiro homem que pensou realisticamente no Brasil: Tavares Bastos.
Nunca partiu das Alagoas nenhum movimento cultural de repercussão nacional, como foi o caso da Escola Mineira ou da Escola Baiana, ou ainda da Escola do Recife; nem mesmo como, mais perto de nós, o movimento modernista de São Paulo ou o movimento regionalista do Recife. Movimentos como esses últimos tiveram, sem dúvida, eco nas Alagoas, e modernistas como regionalistas de lá saíram.
Alagoas está presente na cultura nacional através da participação individual de algumas figuras de relevo em diferentes campos de atividade intelectual. Três dessas presenças, possivelmente as mais significativas, vale recordar: a de Tavares Bastos, a de Graciliano Ramos, a de Jorge de Lima. São nomes que marcaram sua posição na literatura político-social, no romance, na poesia. O que não exclui outros nomes, que de igual modo, se bem que não com a mesma ampla e significativa repercussão, merecem o nosso apreço pela projeção que tiveram. O caso, por exemplo, de Goulart de Andrade; o de Costa Rêgo no jornalismo; ainda o de Guimarães Passos na poesia e na vida boêmia; também o de Elísio de Carvalho, de José Oiticica, de Carlos Pontes; e mais antigos, os casos de Melo Morais e de Ladislau Neto.
De Ladislau de Souza Melo Neto se deve falar com o respeito que merece um sábio; e outra coisa ele não foi, se considerarmos a obra que realizou, as pesquisas que empreendeu, a contribuição que deu aos estudos botânicos no Brasil. Em Paris sua obra mereceu a mais ampla acolhida. Daí foi que partiu a consagração de seu nome, dado a uma nova espécie de planta, o que representava a melhor homenagem a seu saber. Quem abre os velhos números dos Arquivos do Museu Nacional, ali encontra a presença de sua operosidade científica; trabalhos da maior importância estão recolhidos nas páginas daquela publicação científica. Que influência terá exercido Ladislau Neto? É claro que alguma, em seu tempo, graças à repercussão que seu nome teve, sobretudo nos meios científicos europeus. Hoje, talvez já não se o recorde mais com as mesmas homenagens de admiração a que seu saber tem direito.
Outro cuja obra anda meio apagada, não raro discutida, e até negada, foi Melo Moraes — Alexandre José de Melo Morais, historiador de vasta obra, pesquisador incansável, médico, jornalista, um verdadeiro autodidata, o que não era de estranhar em seu tempo, em Melo Morais se encontra a mais autêntica vocação de procurar os verdadeiros documentos para escrever a História do Brasil, se bem lhe faltassem certas precisões técnicas, apuradas e refinadas em nosso tempo, é certo, mas indispensavelmente exigíveis, já então, para maior precisão do que revelou com seus achados. Numa época em que historiadores do maior porte, como Accioly na Bahia, Fernandes Gama em Pernambuco, Diogo de Vasconcelos nas Minas Gerais, publicaram suas histórias regionais sem a indicação de uma fonte, sem citar um documento, muito embora não se duvidasse de sua honestidade científica, Melo Morais embrenhava-se nos arquivos para revelar documentos. E foi o que fez na maioria dos livros que publicou, sobretudo em O Brasil Histórico.
Outros nomes, coevos de Ladislau e de Melo Morais, saíram das Alagoas para projeção de suas inteligências; o caso de Fernandes Barros, o do Barão do Penedo, o do Visconde de Sinimbu, e ainda o de João Severiano da Fonseca, cujos dois volumes da Viagem ao Redor do Brasil estão repletos de observações científicas do mais alto valor. Só os Fonsecas teriam todo um quadro a ser desdobrado de figuras ilustres em vários campos, sobretudo no militar e, com Pedro Paulino, na pesquisa histórica, procurando fontes e origens de nossa formação. Outros se deixaram ficar na Província, e ali distribuíram prodigamente os valores de sua inteligência, que não encontraram maior ressonância, mas que tinham todas as condições para uma projeção nacional, ou mais que nacional; lembremos, a esse respeito, um Dias Cabral, um José Alexandre Passos, um Inácio Passos Júnior, um padre Amâncio, um cônego Machado. Mas lembremos — para nos atermos ao tema sugerido — aqueles que saindo das Alagoas levaram além de nossas fronteiras a projeção de seus nomes, através da contribuição intelectual que legaram.
Comecemos, para exemplificar, com o nome do Barão do Penedo, cuja atividade diplomática foi das mais profícuas, sobretudo por ocasião da Questão Religiosa, quando lhe coube dirigir, com perícia e habilidade, as negociações por parte do Governo Brasileiro. A Carvalho Mendonça se deve, em grande parte, o êxito final a que chegou a questão, graças à maneira com que conduziu os entendimentos. Tornou-se, no quadro da diplomacia brasileira, um nome padrão.
O mesmo se pode dizer, já agora no campo da vida política, do Visconde de Sinimbu. João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, nome em que se resume todo um passado de lutas gloriosas, heróis seus pais — o capitão Manuel Nunes Vieira e Ana Lins — sua figura de homem de Estado está evocada na obra que lhe dedicou Craveiro Costa, por sua vez o nosso historiador mais profundo, pelas pesquisas a que se dedicou, pelo conhecimento de nosso passado, pela interpretação autêntica que soube dar aos fatos da História alagoana, sobretudo em sua pequenina, mas monumental, História das Alagoas.
Outro alagoano, cujo nome merece nossa evocação, é o de Leite e Oiticica; em 1925, aos 72 anos, escreveu para o Livro do Centenário do Diário de Pernambuco o mais completo e interessante estudo sobre a renda de bilros no Nordeste. Entretanto, já era celebrado como financista, cuja honestidade de conhecimentos o levou a recusar a pasta das Finanças no Governo Prudente de Moraes por não coincidirem seus pontos de vista financeiros com os do Presidente.
De Guimarães Passos não se pode esquecer o nome, nem a obra que deixou, quando menos o “Este teu lenço que possuo e aperto” dos recitativos em saraus familiares; tão comum como “O Melro”, de Guerra Junqueiro, ou o “Ouvir Estrelas”, de Bilac, a poesia de Guimarães era expressão constante no recitativo de declamadoras, muitas das quais não se projetaram se não dentro dos restritos salões em que se fizeram ouvir.
Sua grande presença, na atividade cultural, contudo, se marcou pela vida boêmia, no companheirismo de Bilac, Emilio de Meneses, Coelho Neto, geração que criou um instante da inteligência brasileira, tão rica de seus versos e igualmente de suas piadas, anedotário que deles ficou, talvez tão farto como o que se atribuía a Bocage ou a Camões; e possivelmente talvez mais conhecido que sua própria obra literária.
Guimarães Passos não foi apenas poeta; procurou ensinar os outros a ser poeta também, através de seu tratado mais conhecido hoje pelo trocadilho feito com seu título que mesmo pelo que seus alunos nele aprenderam, se é que alguém se tornou poeta pelo ensinamento do Tratado de Versificação. Poeta de cimento armado, construído pelas normas do tratado de Guimarães Passos, tal como se ensina a obstetrícia ou a farmacopeia, evidentemente haveria de ser um fracasso. Não se conhece nenhum poeta que, segundo as normas e os ensinos do Guima, se tenha tornado célebre; ou, quando menos, conhecido.
Goulart de Andrade foi o segundo alagoano — Guimarães Passos o primeiro — a integrar o quadro da imortalidade acadêmica. Talvez a sua grande glória, de âmbito nacional. Sua poesia está hoje esquecida; quase diria que se trata de uma poesia de circunstância, não no autêntico sentido que se pode dar a essa expressão, mas pelo fato de ter usado estilos e formas de um momento poético, já então pouco usado, e hoje inteiramente superado, e não apenas esquecido. Donde se deduz, que, apesar de se ter tornado um nome nacional, Goulart de Andrade teve uma glória precária. Nem mesmo marcou-se pela vida boêmia; ou pela graça de um anedotário popular. Posterior a Guimarães Passos é, sem dúvida, muito menos conhecido que o poeta de “Guarda e Passa”.
Político, mas sobretudo jornalista, orador de raros dotes, em Costa Rêgo conjugaram-se, em determinado momento, qualidades que o tornaram um nome nacional. Foi após a revolução de 30, de regresso da Europa, assinando um artigo diário no Correio da Manhã, que o nome de Costa Rêgo teve larga projeção como jornalista. Seu estilo leve, preciso, de bom gosto literário, sob a influência dos melhores escritores franceses de seu tempo, versava cada dia um assunto oportuno, em geral de natureza política, do momento pós-revolucionário. Tais artigos tinham uma ampla repercussão. Talvez pela graça com que escrevia, pela leveza com que dizia as coisas mais sérias, foi possível a Costa Rêgo criticar a revolução, marcando com seus artigos os erros do movimento de 30. No Recife, como aqui mesmo em Maceió, vi muitas vezes como era disputado um número do Correio da Manhã, passando de mão em mão para conhecimento do que Costa Rêgo escrevera.
Foi sem dúvida um dos maiores jornalistas brasileiros. Dispersos na página de jornal diários, alguns estão recolhidos em Águas Passadas, onde ainda se pode saboreá-los, tal a atualidade de que se revestem. E quando se alongava a ensaios mais amplos, não perdia Costa Rêgo aquela mesma vivacidade jornalística, tornando-se um dos nossos mais primorosos escritores.
Misto de historiador e de ensaísta, conhecendo como poucos a história política do Brasil, muito se poderia esperar de Carlos Pontes se seu espírito boêmio não dispersasse nas conversas o melhor de sua inteligência. Seu livro de ensaios como seu estudo sobre Tavares Bastos documentam suas qualidades de cultura, de erudição, e de escritor. Elísio de Carvalho com seus estudos históricos, sobretudo no campo social, evocando nossos brasões e o espírito da sociedade, foi outro nome que se projetou para citar-se em livros de história literária pelo que representa sua obra no campo da literatura brasileira. No campo da filologia ninguém ignora a contribuição com que aparece o nome de José Oiticica entre nossos mais autorizados pesquisadores da língua portuguesa. Devesse-lhe contribuição valiosa aos estudos filológicos.
Outros nomes poderiam ser agregados a esse quadro, que a muitos poderá parecer lacunoso; não devemos, porém, esquecer que muitos dos nossos homens de letras, saídos da província para a conquista de horizontes mais largos, nem sempre puderam encontrar o necessário eco para suas atividades. Daí o esquecimento em que muitos caíram sem que sua obra, sem dúvida meritória, pudesse projetar-se e tornar-se mais amplamente, já não direi seguida, mas ao menos conhecida. Isto não impede que encontremos ainda mais fortes razões para expressar não apenas nossa participação, mas ainda nossa presença no quadro cultural do País, em diferentes atividades, sempre com um destaque que, revelando o mérito dessa contribuição, quase sempre também se vai envolvida nas auras de uma modéstia que apaga e esconde o que poderia ser profícuo e animador.
De uma pequena província como a nossa nem sempre é possível exigir que seus filhos possam dar mais do que têm dado. Em primeiro lugar, a própria carência dos meios de difusão internos é um entrave à projeção intelectual; e depois, o retumbar dos tambores nos grandes meios, o ecoar dos clarins, tornam impossível aos simples soldados aparecerem no tumulto das multidões. O que sucedeu, sem dúvida, para que faltasse aos nossos meios culturais uma maior projeção de suas figuras mais importantes.
A estreiteza dos horizontes provincianos, a carência da repercussão do que se fazia na terra, a falta de comunicação para o mundo intelectual da metrópole, de certo, se tornaram responsáveis por que não se projetassem além do nosso território alguns dos nomes que enriquecem nosso patrimônio cultural. Quantos nascidos nas Alagoas e aí tendo realizado sua vida literária, mesclada com as atividades indispensáveis do ganha-pão diário, não tinham condições para fazer repercutir sua obra além de nossas fronteiras? Quantos não poderiam ocupar posições de relevo nas histórias literárias ou nas antologias, se outra tivesse sido a difusão de sua obra?
Um geógrafo como Espíndola ou um historiador como Craveiro Costa, poeta como Aristeu de Andrade ou contista como Carlos Paurilio, um irrequieto Aloisio Branco ou um escritor como Aurino Maciel tinham todas as condições para terem seu nome projetado em qualquer círculo intelectual, em qualquer meio de cultura, se não lhes faltassem nas paredes da província os próprios ecos de seu pensamento para levá-lo até mais longe. No campo da educação como no da experiência agrária saíram das Alagoas iniciativas pioneiras.
Como também dali saiu, em 1900, a reação contra a comemoração do quarto centenário da Descoberta de 3 de maio, na defesa do 22 de abril como data autenticamente comprovada, através de argumentação histórica, geográfica, cronológica e documentada, esta utilizando a própria carta de Pero Vaz de Caminha, com que Manoel Balthazar Pereira Diégues Júnior mostrou os erros da comemoração oficialmente programada para o dia da Santa Cruz. Argumentação que mereceu a atenção do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e que, aliás, foi por este reconhecida não apenas na época, mas ainda recentemente, em 1949, ao ensejo do Congresso de História Nacional.
Craveiro Costa, que já referimos como historiador, foi quem melhor projetou, no âmbito nacional, com sua obra, primeiro publicada em Maceió e depois na coleção “Brasiliana”, o problema acreano, em livro hoje consagrado pela crítica histórica; e sua História das Alagoas ou a biografia do Visconde de Sinimbu são livros modelares como pesquisa histórica e como interpretação.
Muito do que se pensou, se escreveu e se criou nas Alagoas infelizmente se perdeu, sem eco nacional, dentro do próprio território. A grandeza da inteligência não pôde vencer os limites geográficos; faltaram as repercussões que poderiam comprovar que, dentro da estreiteza dos limites territoriais, não tem limites o horizonte da mentalidade, como foi dito em discurso no Instituto Histórico das Alagoas. O horizonte da mentalidade não encontrou expansão, porém.
Daqueles, entretanto que tiveram e ainda têm, em nossos dias, repercussão de sua obra fora do nosso território, em todo o Brasil, e não raro fora do Brasil mesmo, há dois nomes que não prescindem de um destaque especial: Jorge de Lima na poesia; Graciliano Ramos no romance. Embebido da inspiração que a própria terra lhe deu, versando os mais diferentes estilos poéticos, Jorge de Lima haveria de consagrar-se o maior poeta brasileiro de seu tempo. Do parnasianismo ao modernismo, sua trajetória é toda ela de vitórias. Consagrado com o “Acendedor de Lampeões”, não menor seria a consagração com o “Mundo do Menino Impossível”, com os poemas religiosos e, sobretudo, com o universalmente aplaudido “Essa Nêga Fulô”. Seria possível estudar-se aqui Jorge de Lima, quando os críticos, os poetas, os intérpretes já o estudaram, e o aclamaram na Invenção de Orfeu, não apenas o seu momento culminante, mas um dos momentos mais culminantes da poesia brasileira em todos os tempos?
Perguntaria eu o mesmo em relação a Graciliano Ramos. Que de novo poderíamos acrescentar para justificar a consagração já hoje universal de seu nome? O romancista de Angustia ou o novelista de Vidas Secas, o contador de histórias para as crianças, o narrador de sua vivência nas Alagoas são aspectos de sua obra que se consagraram por ela mesma, aplaudida pelos leitores e críticos no Brasil e pelos que, em variadas traduções, o têm lido em outras línguas.
Jorge de Lima e Graciliano Ramos não sintetizam, mas simbolizam e expressam, de maneira mais significativa, a presença cultural das Alagoas de nosso tempo. Esses dois nomes completam com o de Tavares Bastos a grande trilogia alagoana no pensamento cultural brasileiro. A eles, um outro há a acrescentar, representativo da contribuição das Alagoas no campo das ciências humanas: o de Arthur Ramos. Não se trata de um nome apenas alagoano ou nacional; é um nome que alcançou repercussão internacional. Ao falecer, em Paris em 1949, ocupava o posto de Diretor do Departamento de Ciências Sociais da UNESCO onde estava realizando um programa realmente notável. Iniciativa sua foi a reunião chamada dos oito sábios, em que cientistas sociais especializados em vários setores estudaram os problemas da guerra e da paz à luz das ciências sociais; como também a da reunião de que resultou a declaração sobre raça e os preconceitos raciais. No campo da Psiquiatria, do Folclore, da Antropologia Cultural, sua contribuição, a de Arthur Ramos, foi realmente notável; sua obra monumental Introdução à Antropologia Brasileira, embora publicados em 1943 o primeiro volume, e em 1946 o segundo, é fonte ainda hoje indispensável para conhecimento da formação étnica e cultural do Brasil, seus grupos humanos, suas características sociais, seus processos transculturativos, não apenas pela análise histórica e interpretativa que realiza, mas ainda pela imensa bibliografia que sobre cada grupo étnico reuniu, talvez a mais completa até então conhecida.
Louvá-los, louvar a estes grandes nomes de Tavares Bastos, Graciliano Ramos, Jorge de Lima e Arthur Ramos, seria inútil, pois louvados eles estão pela consagração nacional de sua obra, pelo conhecimento de seus nomes, pela aclamação que lhes dá a consciência intelectual do país.
Se nos detemos, nesta análise no campo das atividades propriamente literárias ou escritas, é porque não tivemos, em outros campos culturais, nomes de tão larga irradiação, sem prejuízo, é claro, de muitos que nos poderiam honrar onde quer que aparecessem. Não podemos alinhar, como presença alagoana na cultura nacional, nomes de artistas (músicos, pintores, arquitetos, etc.). Malgrado o mérito de sua obra, musicistas ou pintores não tiveram oportunidade de levar seus nomes além de nossas fronteiras. E, no entanto, a obra de Rosalvo Ribeiro o consagraria em qualquer ambiente artístico, pois o vigor de seu talento nos legou notáveis quadros, dentro da temática de assuntos de guerra. Sem prejuízo, talvez poucos o saibam, de algumas miniaturas de temas paisagísticos alagoanos, arrolados entre seus trabalhos quando da exposição de suas obras, na Escola de Belas Artes, do Rio de Janeiro, em 1945.
Musicistas como Benedito Raymundo da Silva e Misael Domingues, para não citarmos outros nomes que às vezes nem mesmo dentro da província tiveram o reconhecimento necessário de seus méritos — e lembro, por exemplo, a figura de meu notável mestre João Ulisses Moreira – tinham condições para uma projeção maior que infelizmente o momento em que viveram não lhes proporcionou; sua obra musical, explorando estilos da época, poderia ter repercussão meritória em qualquer parte, evidenciando no seu gênio a inspiração artística de que eram dotados.
E no caso da escultura, mal começara a projetar-se nacionalmente, Deus chamou este jovem de talento criador que foi Leonardo Viana; há dois anos passados, justamente numa melancólica manhã de 16 de setembro, restituímos-lhe o corpo ao barro da terra que ele tantas vezes modelara talentosamente com suas mãos inspiradas pelo seu espírito realizador.
E que mais poderíamos lembrar? E que mais teríamos a evocar?
Além dos nomes de alagoanos que nas letras, nas artes, no pensamento, projetaram-se além de nossos limites geográficos, poderíamos evocar a presença das Alagoas na obra de algum outro escritor, não alagoano. Realmente, o há; não apenas recordações de viagens — e lembremos, como exemplo, as impressões de Agassiz, no século XIX – lembranças de estada pelas Alagoas, que encontramos em viajantes ou cronistas. Mas há também os que se demoraram nas Alagoas, mesmo por instantes, como é o caso do sábio Júlio Pires Porto Carrero que deixou páginas interessantíssimas sobre sua passagem, na primeira década deste século, por Maceió; relembrou a convivência com famílias de Bebedouro e registrou o que viu do coco, então dançado nos melhores salões alagoanos. Recordo com profunda emoção outro que, vivendo anos seguidos nas Alagoas, dedicou um de seus romances a uma de nossas praias: José Lins do Rêgo. Riacho Doce tem cenário maceioense, com a praia onde se movimentam seus personagens. Quem mais? Não esqueçamos José Geraldo Vieira, o grande romancista paulista, cuja obra tem hoje repercussão nacional. Em A Mulher que fugiu de Sodoma, um personagem evoca a nossa querida terra alagoana, se não depreciativamente ao menos desinteressadamente; fala ele nas Alagoas, “essa coisa geograficamente vaga”.
Se como dizia Bergson, aquele que realiza uma obra viável e durável não se importará mais com elogios, sentindo-se além da glória, não devemos dar maior importância a essa coisa dita por José Geraldo Vieira; experimentemos a alegria que o mesmo Bergson diria divina, ao proclamar pequenina geograficamente a nossa província. Queiramos Alagoas assim: pequenina embora nos limites de seu território, grande porém na expressão da cultura de seus filhos. Porque somente assim ela poderá caber, toda inteira, inteirinha, como queremos, em nossos corações.
Achei interessante uma coisa: SÓ HOMENS! NESSE ARTIGO A ALAGOANIDADE TEM A CARACTERÍSTICA DE HOMENS TRANSAREM E PARIREM HOMENS. OU SERIAM FAGOCITAREM ? QUE INTERESSANTE ESTE ESTADO DE ALAGOAS NÃO EXISTIREM MULHERES! DEVE SER O ÚNICO LUGAR DO MUNDO INTEIRO NDE HOMENS FICAM GRÁVIDOS DE JACTANCIOSOS E PUJANTES INTELECTUAIS.
Nos anais e livros sobre a metrologia do Brasil com ponto negativo para Tavares Bastos pois o mesmo trabalho no congresso nacional contra a introdução do Sistema Métrico Decimal. produto democrático da Revolução Francesa,