A Rua Barão de Anadia de Araújo Costa

Trem cruzando a Rua Barão de Anadia

Por De Araújo Costa

A rua Barão de Anadia, onde eu morava, era muito barulhenta. Naquele tempo as carroças faziam um barulho dos diabos no calçamento a paralelepípedos. Não eram, como hoje, de pneus. Era a roda de ferro, batendo nas pedras, tirando fogo.

A nossa casa, que ficava no lado esquerdo da Estação Central, sofria toda espécie de poluição sonora. Era o ruído constante das máquinas de trens fazendo manobras, apitos ensurdecedores, pregões de rua, estalidos dos relhos dos carroceiros. Um inferno.

E, para cúmulo de tudo isso, um italiano, nosso vizinho, de nome Ponzzi, tinha uma caldeiraria e passava todo o dia martelando bronze, fabricando caldeiras, azucrinando, assim, os nossos ouvidos.

Isso sem contar com a barulheira que faziam os desconchavados bondes da Cia. Força e Luz Nordeste do Brasil. Uma lástima. Felizmente a nossa casa tinha um sótão, onde dormíamos, e era lá que eu fazia, pelo dia ou pela noite, as minhas leituras.

Palácio Episcopal nos 50

Defronte, moravam o sr. Durval Guimarães, comerciante de ferragens na rua do Comércio; Rodrigues Cardoso, dona Menita Brandão, esposa de um alto funcionário do Banco do Brasil; Álvaro Braga, representante de firmas comerciais de Penedo; José Alves Pinto, dono de uma mercearia na rua da Praia, Júlio Ferreira e Creusa Lins, cujas casas ficavam lá no fim da rua, perto do riacho Salgadinho.

Puxando em direção da Praça dos Palmares, havia o Hotel Avenida, situado na esquina da rua das Verduras, de propriedade de Euclides Gonçalves, muito amigo de meu tio José Lôla.

Moravam, também, na rua Barão de Anadia, o dr. Mariano Teixeira, o dr. Pedro Reys, o dr. Paulo Neto, o deputado Augusto Machado, o Cel. José Lucena de Albuquerque Maranhão, que tinha dois filhos, Wilson e Itabira, o dr. Freitas Cavalcanti e Dom Santino Coutinho, Arcebispo de Maceió. Gente ilustre, não há dúvida.

O dr. Freitas Cavalcanti, que era diretor da Imprensa Oficial, gozava da fama de ser um dos grandes oradores de Alagoas. E era mesmo. Várias vezes o ouvi discursar. Muito brilhante e, sobretudo, muito eloquente. Foi, por essa época, eleito Deputado Estadual, tendo, naquela Casa da Lei, deixado a marca indelével da sua eloquência e da sua cultura.

Aliás, Alagoas sempre foi muito fértil em oradores. Demócrito e Inácio Brandão Gracindo, Guedes Miranda, Rui Palmeira, Hildebrando Falcão, Emilio de Maia, Antonio Santos, Lyourgo Chaves, Armando Wucherer e Ciridião Durval, fizeram época.

Mas, a meu ver, nenhum se igualou a Rodrigues de Melo. Foi ele o orador da minha juventude, o que me empolgou, o que me arrebatou. Na tribuna do Júri foi um verdadeiro gigante. Ninguém o superou. Assisti a diversos júris, nos quais ele funcionava como Promotor Público.

O timbre de sua voz e a palavra candente eletrizavam as multidões, que, sem resistirem à sua eloquência, o aplaudiam delirantemente, não obstante a constante advertência do Presidente do Conselho de Sentença, de que a assistência não podia se manifestar.

Lembro-me, como se fora hoje, do sensacional júri do Coronel Lucena Maranhão, que atraiu uma massa compacta de espectadores, ansiosa por ouvir a palavra do maior tribuno de Alagoas. Do júri da Ivone, a gaúcha, que matou o seu jovem namorado na Praça da Catedral, e de outros que ficaram na História do Tribunal do Júri alagoano.

Rua Barão de Anadia e a Estação Central

Recordo-me do júri de um jovem estudante de Direito que, por causa de sua garota, dominado pelo ciúme, cometera um crime que abalou a sociedade em peso, provocando verdadeiro sensacionalismo na imprensa local. Nesse Júri, lançaram, contra a Promotoria Pública, cinco advogados, inclusive um médico. A família do acusado era rica, de tradição, e podia, muito bem, gastar com advogados.

Parece que estou vendo Rodrigues de Melo, socado num terno branco, que ainda mais realçava a sua cor, na tribuna do Júri. Começou, assim, o seu libelo acusatório: “Senhor Presidente do Conselho de Sentença. Minhas Senhoras e meus senhores: o crime deste jovem é tão monstruoso, tão revoltante, que, contra a Promotoria Pública, lançam, de uma só vez, cinco advogados, inclusive um médico, fato inédito na história do júri das Alagoas”…

Rodrigues de Melo, pela sua eloquência, pelo seu valor, pela sua cultura, poderia ser cognominado de o “Demostenes Negro das Alagoas“. É pena que nunca tenha podido eleger-se para a Câmara Federal. Era pobre e parece que, em torno do seu nome, havia um certo preconceito de cor, que muito concorreu para prejudicá-lo.

Lá na Câmara Federal, ele iria elevar, muito alto, o nome da terra dos Marechais. Foi uma pena.

***

*Publicado originalmente com o título Minha Rua no livro Poeira do Meu Caminho, de 1980.

 

6 Comments on A Rua Barão de Anadia de Araújo Costa

  1. joao batista // 12 de outubro de 2021 em 10:32 //

    onde posso encontrar o livro “Poiera do Meu Caminho”?

  2. João Batista, tente os Sebos (Alfarrábios) atrás da Assembleia.

  3. Fernando Silva Caldas // 14 de outubro de 2021 em 00:15 //

    As histórias do escritor De Araújo Costa, são muito atrativas, além de nos trazer memórias muito interessante.

  4. Anagisa de Araujo Costa // 14 de outubro de 2021 em 00:32 //

    Eu passei muitos livros da biblioteca do meu pai, para esse Sebo. E varios livros q separei pra mim, numa estante, foram levados e não consegui recuperá-los.

  5. José Agrício da Silva // 14 de outubro de 2021 em 22:41 //

    Maceió antigo,era mais bonito do que hoje,quem concorda comigo?!.

  6. carlos costa // 28 de outubro de 2021 em 08:00 //

    Sim, Agrício, mais bonito também em quesitos como civilidade, festejos populares, segurança pública, escolas públicas, relacionamentos pessoais, solidariedade – e por aí vai…

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