As festas de outrora
Recordações das festas natalinas do início do século XX em Maceió, quando cantava-se e dançava-se o coco até amanhecer o dia
Abelardo Duarte
(Publicado originalmente no Diário de Pernambuco de 20 de janeiro de 1957)
Maceió, Janeiro — Do Natal de 1912 e dos primeiros anos do século XX, em Maceió, pouca coisa se pode reconstituir através do depoimento dos jornais. As festas não figuravam no noticiário da imprensa com a frequência e a extensão que hoje se observam.
Sabe-se, todavia, que foram de muita animação os festejos e as reuniões familiares por essa época. Uma visão retrospectiva da vida social e, em suma, da vida do maceioense naqueles anos nos mostrará, certamente, uma população pacata e ordeira entregue as celebrações religiosas e familiares do grande acontecimento cristão e, igualmente, às de cunho popular e profano, em menor escala.
Porque, em verdade a comemoração do Natal, no início do século, possuía um caráter por excelência religioso e familiar (no sentido de, em parte, realizada no recesso dos lares) que propriamente mundano.
Mas, não se pode negar o caráter popular dessas comemorações, mesmo naqueles anos. O extravasamento para a rua, para os pátios das igrejas, para os logradouros ocorrera da mesma forma, se bem que em menores proporções, óbvio é, que nos dias atuais.
O povo sempre procurou divertir-se na rua, acompanhando os folguedos ou conjuntos, fazendo hora para ouvir a missa, nos “serenos” dos cocos ou assistindo às cheganças e outros folguedos, que se exibiam ao ar livre, folguedos de criação popular. A participação do povo é, pois, evidente ontem como hoje, nas festas, ou seja, no Natal.
A população de Maceió em 1900, não ultrapassava a cifra de quarenta mil almas. As rendas municipais eram parcas, pouco excedendo a receita orçada de cem contos de réis (ou cem mil cruzeiros), não havendo mesmo a arrecadação, no exercício de 1900, coberto aquela cifra, ficando na casa dos setenta.
O poder aquisitivo da moeda dava, porém, ensanchas ao maceioense apresentar-se decentemente vestido nos atos religiosos do Natal, comprando fazendas, calçados e chapéus nas lojas da cidade, a preços baixos, e a comparecer às reuniões de família, “quebrando a tigela”, como se dizia, ou seja, de roupa nova. Podia também dar-se ao prazer de presentear os amigos com vinhos finos estrangeiro, licores e até Champagne.
Não tinha a cidade foros de nobreza e, por isso mesmo, tudo se resolvia sem grande aparato, na modéstia de suas posses, porém, não faltava contentamento.
O Natal do fim do século XIX e do começo deste [XX] resumia-se na alegria que invadia os lares que o celebravam festivamente, com reuniões, os cocos ou com os bailes, pastoris, e na observância dos atos religiosos, inclusive a missa do Natal, celebrada à meia-noite, quase sempre campal, em altar armado na entrada do templo.
Os folguedos populares (reisados e cheganças, quilombos, cavalhadas, etc.) figuravam nas comemorações natalinas da época como contribuição das mais apreciáveis e que perdura ainda.
No princípio do século, J. P. Pôrto-Carrero, em celebrada crônica, aludiu a esse aspecto do Natal alagoano. Natal que consistia pois, no lado social, nas animadas reuniões familiares que se realizavam na noite de 24, a chamada véspera, e nas subsequentes noites de 25 e 31 de dezembro, 1, 5 e 6 de Janeiro, datas maiores, pois durante o mês de dezembro não faltavam as reuniões improvisadas, além daquelas cujo entusiasmo excedia as demais.
Eram os bairros os pontos prediletos das noitadas natalinas. Entre os que mereciam as preferências das famílias mais abastadas estavam Bebedouro, Levada, Poço e Pajuçara. Notadamente, Bebedouro cuja celebridade, no tocante aos festejos de Natal, ultrapassou as nossas fronteiras estaduais.
Foram, em verdade, as reuniões familiares naquele bairro as que lograram sempre a maior repercussão.
Além das famílias que nele residiam, outras tomavam casa de aluguel com antecedência de meses até, de modo que, em dezembro, Bebedouro se apresentava com uma vida social vibrante, sucedendo-se as reuniões festivas. Rara era noite em que não havia um encontro familiar.
As residências dos festeiros tinham as fachadas iluminadas com lanternas e balões multicores, dando a impressão mais agradável ao local e convidando os forasteiros a compartilharem das alegrias que os animavam naquelas inesquecíveis noites de Natal, Ano Bom e Reis.
Um cronista que fixasse os detalhes daqueles encontros da época de Natal certamente teria concorrido para feitura de um dos capítulos mais interessantes de nossa história social. De uma época cujos costumes já parecem tão em desuso. Costumes que iam da comunicabilidade entre as famílias, que todas se davam, como se dizia, até a simplicidade no trato, nas maneiras e relações.
Bebedouro guardou até hoje maior soma de admiradores, e a imprensa, em todas as épocas, a ele se refere sempre com maiores e melhores comentários.
Não houve, porém, na crônica social da época, o propósito de descrever aqueles encontros de maneira constituírem hoje valioso subsídio para o estudo da nossa evolução social. A imprensa registra apenas fatos esparsos, com parcimônia até, algumas vezes.
Não se ignora, entretanto, que as reuniões familiares, tanto em Bebedouro, Pajuçara ou Levada, no Natal, possuíam suas características, pela originalidade de sua organização, pelas particularizações nelas introduzidas. Reuniões que se afastavam do comum, que primavam mesmo pela singularidade. Tudo isso deveria ter sido traduzido em letra de forma. Tudo isso devia ter sido fixado pela crônica social.
Entre nós, como em outros recantos do Nordeste, mas principalmente em terras alagoanas, o costume de reunirem-se, em grupos, as famílias para as diversões natalinas não desapareceu de todo, ante a avalanche do modernismo que ameaça tragar as mais caras tradições.
Dando preferência aos recantos mais bucólicos, aos sítios e locais afastados da cidade, passavam então as famílias a quadra das festas num ambiente de mais completa comunhão social.
As noites eram todas dedicadas aos passatempos e ao nosso tradicional coco, a dança que por dilatados anos imperou nas Alagoas, cujo salões, ricos ou pobres, o acolheu sofregamente.
Não se podia compreender a quadra festiva do Natal sem o coco. E a dança, originariamente alagoana, era a maior atração de moços e velhos.
Cantava-se e dançava-se o coco, noite adentro.
Nos dias maiores, desde cedo, como acontecia em Bebedouro, nas residências dos veranistas e festeiros, começavam os apressos, que se resumiam ou se dividiam entre a sala e a cozinha: decorações daquelas com correntes de papel de seda colorido e preparo de quitutes regionais, nesta.
À noite, com os festejos à porta, o largo iluminado e cheio de gente, que os morosos bondes de tração animal iam despejando, com intervalo de horas, crescia o entusiasmo, no seio das famílias, dos rapazes e moçoilas.
Foi esse ambiente que J. P. Pôrto-Carrero encontrou no Maceió, dos primeiros anos do século atual. Maceió, que encerrava a sua vida social nos clubes dançantes elegantes e vinha participar dos velhos costumes, para só resgatá-la no carnaval, em verdade.
Deixavam as famílias maceioenses o consolo das residências ricas e transportavam-se para casas humildes e acanhadas dos bairros. Nelas se instalavam como se estivessem nas suas próprias casas, nos seus “chalets” confortáveis. Uma alegria salutar as reunia e animava.
Mas se assim acontecia em Bebedouro, também se verificava em outros pontos da cidade. E, mesmo fora de Maceió, à margem das lagoas, dos canais.
Levada, Poço, Pajuçara recebiam igualmente ádvenas durante o período do Natal e a mesma alegria comunicativa dominava os espíritos.
Os lares alagoanos, como bons lares nordestinos, seguiam o costume que outras gerações lhes haviam transmitido. Abriram-se os salões e as salas, enchiam-se de moças e rapazes, troavam-se as palmas, soavam os ganzás, e o coco rompia vigoroso, dentro da noite cheia de estrelas, enchendo os jovens pares das ilusões da idade.
Meu barco é veleiro
nas ondas do mar.
O ruído das palmas e do sapateado se misturavam aos sons arrancados do ganzá de folha de flandres.
Cocos e emboladas eram entoados pelos dançarinos até madrugada alta.
Essa dança alagoana, nascida e batizada aqui, constituía a nota mais popular da festiva quadra. E ainda hoje, quando o coco desapareceu dos salões maceioenses, recorda-se com saudades (será mesmo?) o tempo em que, fosse nas residências abastadas ou humildes, no centro da cidade ou nos bairros, era a dança preferida, por todos.
As rodas de coco enchiam com sua alacridade os salões e as salas de Maceió quase inteira, nessa quadra feliz do Natal de Jesus, há mais de cinquenta anos. Era assim o Natal do ano da Graça de mil novecentos.
As festas de final do ano Natal, Ano Novo e Reis estão na minha memória, que na década de 70 ainda era presente em Bebedouro, e na Levada, praça do Pirulito e depois praça da Faculdade faculdade no Prado.
Recordo com saudade dos festejos natalinos na praça da faculdade