Dr. Afrânio Jorge e o histórico conflito com os filhos do governador Fernandes Lima
Tiros e sangue na Rua do Comércio em 1922
No final da tarde de 6 de junho de 1922, uma terça-feira, o médico Afrânio Augusto de Araújo Jorge estava em um bonde voltando de Bebedouro, quando foi abordado na Praça dos Martírios por alguns amigos, que lhe colocaram a par das ameaças dirigidas a ele pelos filhos do governador Fernandes Lima, poucas horas antes no Centro de Maceió.
Resultado dos embates políticos entre o dr. Afrânio Jorge e o governador, três dos filhos do mandatário — Fernandes Lima Filho, Waldemar Lima e Abel — resolveram tomar as dores do pai. Foram ao comércio da capital e anunciaram que estavam comprando bengalas para dar uma lição no renomado médico de 41 anos de idade.
“Alardeavam, com a mais desbocada fanfarronice, que me haviam de chibatear, no primeiro encontro”, relatou o médico dias depois.
Se postaram no trecho mais movimentado de Maceió, a parte da rua do Comércio compreendida entre o Cinema Floriano e o Hotel Grande Ponto, e ficaram aguardando a passagem da vítima.
Cercado pelos amigos para evitar o encontro, o médico foi conduzido até a sua casa na Rua Nova, nº 12, atual Rua Barão de Penedo, sob protesto, pois dizia não temer seus agressores.
Assim que este grupo se afastou da residência do médico, foi parado pela Guarda Civil, que revistou a todos sob a orientação pessoal do próprio inspetor, sem que houvesse nenhuma designação oficial para esta atitude.
O dr. Afrânio Jorge sabia que o esquema montado para o desmoralizar publicamente contava com o apoio da Guarda Civil e de alguns capangas do governador.
Aquela instituição, cujo quartel ficava a poucos metros do Cinema Floriano, havia recebido dois contos e quatrocentos mil réis de rifles dias antes, sob a justificativa de que se preparava uma “diligência policial”. As armas foram adquiridas aos srs. Simons Sobrinho.
Dois dias depois, em 8 de junho, o dr. Afrânio Jorge deixou o Aprendizado Agrícola de Satuba próximo das 18 horas, onde trabalhava interinamente desde 15 de abril daquele ano.
Sempre utilizava o trem interestadual para voltar para casa em Maceió, mas imaginou que seus desafetos poderiam estar esperando-o na estação de Maceió e optou por sair de Satuba utilizando outros meios de transporte.
Foi até Fernão Velho utilizando o carrinho do Aprendizado e lá recusou o convite para jantar com o colega dr. Arthur Machado, mas pediu a ele que viabilizasse o seu deslocamento até Bebedouro por automóvel, onde saltou na residência do dr. Hermann Soares, seu amigo e com quem já estivera na manhã daquele dia para tratar de sua esposa e filho.
Às 17h50 tomou o bonde para o centro da cidade, sentando-se no último banco ao lado do dr. Anthenor Cahet, que saltou na Praça dos Martírios.
Permaneceu no bonde ao lado do dr. Affonso Lyra. À sua direita sentava o jovem (de 18 anos de idade) Antônio Mendonça, filho do desembargador Jacintho Mendonça.
Quando o veículo parou defronte ao Cinema Floriano, o dr. Afrânio Jorge foi surpreendido e atingido pelas costas por uma paulada que lhe arrebentou os óculos.
Levantou-se rapidamente e viu que o agressor, ainda com uma bengala na mão, era José Fernandes de Barros Lima Filho.
Consciente que a morte o aguardava, saltou do bonde para revidar a agressão no momento em que o seu amigo, coronel Ezequiel Pereira — que estava com os filhos do governador —, continha o agressor tentando impedir um novo ataque. Nesse mesmo instante, viu Waldemar Lima sacando uma arma.
Em “legitima defesa”, como alegou mais tarde, e no “desagravo dos seus brios”, empunhou a arma que trazia e atirou em direção a o outro filho do governador, a quem se referiu posteriormente em entrevista como “um desequilibrado, (já tentou suicidar-se, perdendo um olho na experiência)”.
Lembrou mais tarde que ao atirar teve “a tripla preocupação de não feri-lo, de não atingir alguma das pessoas que fugiam e de me pôr em guarda contra os seus apaniguados, que não se fizeram esperar, despejando sobre mim as suas pistolas e os seus revólveres, em disparos cujo número não foi inferior a cinquenta”.
Milagrosamente sem ser ferido por nenhum dos projéteis, percebeu que o Ponto Chic estava fechando suas portas diante do tumulto criado na rua. Correu em sua direção para buscar proteção no estabelecimento de propriedade do coronel João Ramos.
Chegou a tempo de entrar antes que a última porta fosse fechada e lá pediu que o dr. Gonçalves Ferreira usasse a saída dos fundos, para o Beco da Lama, e procurasse sua família para comunicá-la que ele estava bem.
Pretendo entregar-se a uma autoridade, solicitou ao coronel João Ramos que procurasse alguém de confiança. “Não o pôde fazer! Os rifles da ‘diligência policial’ haviam chegado e despejavam-se continuamente contra as portas fechadas do Ponto Chic e do Cinema Floriano”, relatou o médico posteriormente em entrevista.
A solução foi passar para a casa vizinha, do sr. Raul Monte. Foi ele quem conseguiu falar com o secretário do Interior, dr. Augusto Galvão, que acompanhou o médico em segurança à 1ª Delegacia (no prédio da Guarda Civil), onde foi ouvido e depois conduzido à Detenção.
Em seu depoimento, declarou, entre outras coisas, que vivia do seu trabalho honrado e que era pai de numerosa prole e que não desejaria nunca dar o menor dissabor a sua companheira.
Disse ainda que lamentava a triste ocorrência e que poderia ter sido evitada. Justificou seu ato violento como a reação de um homem de vergonha, que não se deixa desfeitear.
Foi acusado de ter ferido gravemente, à bala, Fernandes Lima Filho, contra quem não havia disparado um único tiro.
Posteriormente soube-se que o autor do disparo fora o próprio irmão, Waldemar Lima, que vendo o dr. Afrânio Jorge se dirigindo, em fuga, ao Ponto Chic, atirou em sua direção e terminou por ferir seu irmão, que corria no encalço do inimigo. Waldemar enxergava por somente um olho e usava óculos escuros, mesmo à noite.
Ao cair no chão, gravemente ferido, Fernandes Lima Filho teria exclamado, segundo testemunhas: — Meu irmão, você me matou…
Com o filho do governador entre a vida e a morte no hospital, estabeleceu-se a perseguição aos amigos do médico, supostamente responsável pela tentativa de assassinato.
O dr. Afrânio Jorge descreveu o ambiente de tensão em que a cidade se transformou:
“Logo após a minha reclusão, deram, os da polícia e guarda civil, vasa à sua sanha e efetuaram prisões absolutamente injustas; cercaram casas de amigos e a minha própria; tentaram desarmar o dr. Juiz de Direito da 2ª Vara da Capital; intimaram, para o mesmo fim, de rifle sobre o peito, o senador Salvador Costa; disparavam armas para o ar e contra transeuntes, que “botavam para correr”, etc”.
“Pela madrugada arrombaram a minha residência e os vizinhos viram policiais e guardas civis no dormitório de minha família (que felizmente não estava lá), dormitório que é um primeiro andar colocado aos fundos da casa, e facilmente fiscalizável. Soube que nada roubaram”.
Quatro dias depois foi posto em liberdade por habeas corpus (dia 12, às 16h40), que foi concedido com base no seguinte argumento: o auto de flagrante havia sido lavrado sem a formalidade das testemunhas prestarem compromisso legal de dizerem a verdade, cuja inexistência o Supremo Tribunal considera nulidade substancial.
Saiu da Detenção para sua casa na Rua Nova nº 12, cujo fundo ficava para a Praça da Cadeia onde estavam situados o quartel do Batalhão Policial e a Cadeia. Não permaneceu lá por orientação dos amigos. Ele, a esposa e sete filhos foram para a casa do dr. Afrânio Lages, deputado estadual governista que morava na mesma rua.
Não demorou e a residência do deputado também foi cercada pela “polícia, guarda civis e capangas, fiscalizados pelo inspetor da Guarda, à paisana”. Afrânio Lages procurou o comissário de Polícia e lhe disse: “Pode mandar recuar aquela palhaçada, porque se houvesse cangaceiro aqui, ali não teria mais nenhum soldado vivo”.
Na manhã do dia 13 de junho, o dr. Afrânio Jorge e família partiram de trem para Recife e de lá até a Bahia, onde a esposa e os filhos desembarcaram do Itagiba no dia 22. O médico foi para o Rio de Janeiro, onde se estabeleceu e depois recebeu a família.
O processo contra o dr. Afrânio Jorge prosseguiu e em agosto ainda não havia elementos para a pronúncia. E assim permaneceu.
No tempo que ficou no Rio de Janeiro — até 19 de março de 1926 —, o dr. Afrânio Jorge atendeu na Rua de São José, nº 100.
José Fernandes Lima Filho não morreu e em dezembro de 1926 foi acusado de ser o mandante da tentativa do assassinato do governador Costa Rego, episódio que entrou para história por causa dos gansos que salvaram a vida do governante.
Um dos envolvidos na contratação do criminoso, Jonas Feitosa da Cunha Lima, que vinha sendo procurado pela polícia, trancou-se no banheiro da residência de Waldemar Lima, irmão de José Fernandes Lima Filho e lá suicidou-se com um tiro de revólver.
Dias depois, José Fernandes Lima Filho fugiu para o Rio de Janeiro e não mais voltou a Alagoas. Teria falecido no Rio de Janeiro em 7 de agosto de 1949. Há também informações, não confirmadas, que teria falecido, anos depois, na Argentina.
Waldemar faleceu no Rio de Janeiro em 12 de junho de 1981.
Origem do conflito com Fernandes Lima
Em fins de junho de 1921, o dr. Afrânio Jorge, assumindo a presidência da Associação Médico-Cirúrgica de Alagoas, recebeu naquela instituição o dr. Seixa Barros e no discurso de saudação criticou o local escolhido pelo governador Fernandes Lima para instalar o cemitério, que depois viria a ser conhecido como de São José. Argumentou que mesmo tendo conhecimento dos vários conselhos sanitários contrários, o governador manteve sua escolha.
Nos dias seguintes, o Jornal de Alagoas, vinculado ao governo, passou a agredi-lo e a injuriá-lo. O dr. Afrânio Jorge rebateu com firmeza e desafiou o governador a responder algumas das suas acusações, algo que “seria atendido por qualquer homem de brio e de vergonha”. Fernandes Lima não respondeu.
Meses depois, em fevereiro de 1922, o jornal voltou a provocá-lo, comentando que o governador havia “tapado a boca dos caluniadores”. O médico respondeu dizendo que não era caluniador e que nem estava calado. Argumentava que enquanto o repto ao governador não fosse atendido, “era como se ele estivesse falando”.
Em abril, o Jornal do Commercio publicou um artigo assinado por seu diretor, dr. Guedes de Miranda, intitulado “Eu acuso”, pedindo explicações ao governo sobre o esbanjamento dos recursos públicos.
Afrânio Jorge aproveitou e publicou carta no mesmo jornal duvidando que Fernandes Lima iria dar alguma resposta e citou o seu desafio como exemplo.
Voltou então a ser atacado pelos jornais governistas, inclusive sendo responsabilizado pelo famoso “Empréstimo Francês” de 1906, contraído por Wanderley de Mendonça em nome do Estado e cercado de irregularidades. (Veja mais sobre o Empréstimo Francês AQUI).
Foi dito pelo jornal que Wanderley de Mendonça, que passou a viver na Europa, visitou Alagoas no período em que Afrânio foi secretário da Fazenda e que teria remetido dinheiro para o Estado, colocando-o como suspeito de alguma negociata com o engenheiro.
Dr. Afrânio Jorge devolveu a acusação dizendo que Wanderley de Mendonça não esteve na capital, mas como filho da região Norte, “conhece essa região, onde fica a Ilha Bella [propriedade de Fernandes Lima]. Este senhor [Fernandes Lima] era o vice-governador, estava frequentemente em sua propriedade e esteve no governo grande parte do primeiro semestre de 1915, último do governo de Clodoaldo”.
Continuou: “Quem, pois, podia fornecer documentos legais a Wanderley e onde? O sr. Fernandes Lima, na Ilha Bella? Quem recebe esses dinheiros remetidos em 1915, e não entrados no Tesouro, senão Fernandes Lima, junto a quem, provavelmente, Wanderley efetuou outros atos de representante? Pedi que o governador publicasse a resposta que dera ao Ministro do Exterior e não o fez… Por quê? Não publicou o telegrama do ministro? Publicasse a resposta!…”.
O último artigo publicado no jornal pelo dr. Afrânio Jorge foi em 6 de junho, quando passou a ser ameaçado de levar bengaladas. Se despediu da polêmica, mas relacionou os atos maus do governador, “não todos, nem os mais graves. Nem mesmo me referi à tragédia do engenho Pontes, onde a polícia matou seu cunhado que ali fora com intuitos conciliatórios”, esclareceu depois.
Em paralelo ao debate público, o dr. Afrânio Jorge e o dr. Guedes Miranda faziam devassa no Tesouro Estadual a pedido da Assembleia Legislativa, que havia instalado uma Comissão de Inquérito.
Dias depois, Afrânio Jorge explicou que no início de junho haviam chegado aos papéis de 31 de dezembro de 1918, “tempo em que o governador delinquia de boa-fé…”.
Assim revelou que havia um esquema montado para eliminar a ele e ao dr. Guedes Miranda: “Era preciso que não fôssemos adiante; cumpria que fôssemos eliminados, antes que chegássemos ao exame dos tempos em que ele tinha consciência dos seus crimes! Nesse dia (6), três dos seus filhos — Fernandes Lima Filho, Waldemar Lima e Abel — sob a alegação de que, despedido eu do pai, precisavam despedir-se de mim, propalaram que me agrediriam e, para isso, compraram bengalas, acintosamente”.
Quem foi o dr. Afrânio Jorge?
Afrânio Augusto de Araújo Jorge nasceu no dia 1º de dezembro de 1880 em Maceió. Era filho do conceituado professor Adriano Augusto de Araújo Jorge (26 de maio de 1846 — 3 de abril de 1901) e de Aristhéa Maria de Araújo Jorge (faleceu em março de 1911).
O professor Adriano, por sua vez, era filho do desembargador Silvério Fernandes de Araújo Jorge (20 de junho de 1817 – 20 de junho de 1893) e de Maria Victória de Pontes Araújo Jorge.
Aristhéa Maria era filha do prof. Camilo de Lelis Pereira da Costa.
Adriano e Aristhéa, que foram pais de pelo menos 12 filhos, tiveram vidas dedicadas ao ensino e à educação em Maceió. Além de professores, foram diretores e proprietários do histórico Colégio 8 de Janeiro e do São José, ou Colégio do Adriano.
Em 1870, o professor Adriano conquistou a cadeira de Inglês do Liceu Alagoano por concurso. Em 1879 migrou os alunos do Colégio Adriano para o Colégio Bom Jesus do professor Francisco Domingues.
Além de Afrânio Jorge, esta pesquisa conseguiu identificar mais dez dos 12 filhos do casal: Paulina, Maria Aristhéa (faleceu em setembro de 1946), Maria Victória, Maria Theresa, Agesilau, Antônio Augusto, Argemiro, Antônio Jorge, Florentino e Adriano.
Com pais professores e proprietários de colégios, Afrânio e os irmãos tiveram acesso a uma boa formação educacional.
Após concluir o preparatório no Liceu Alagoano, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, de onde saiu como médico em 1905, após defender a tese A puberdade na mulher. Foi telegrafista durante o período em que esteve na Bahia.
No mesmo ano em que conquistou o diploma, o já dr. Afrânio Jorge assumiu interinamente a Inspetoria de Higiene de Alagoas (entre 3 de julho e 30 de setembro de 1905). Substituiu o titular, dr. Sylvio Moeda.
Em agosto de 1906, casou-se, na Bahia, com a professora Lydia Nuno de Barros Pereira (30 de julho de ???? – 17 de outubro de 1952), diplomada no Instituto Normal da Bahia em setembro de 1903 e filha do engenheiro agrônomo José Nuno de Barros Pereira (faleceu em 1897) e Jardilina de Barros Pereira.
Maria Emília, a primeira filha do casal, nasceu em 27 de agosto de 1908. A pesquisa identificou ainda os seguintes filhos: dr. Alberto Augusto (nasceu em 27 de outubro de 1913 em Maceió e casou-se em 1943 com Marta Borges Magalhães em Uberlândia, MG), Ascânio, Zaira (faleceu em 3 de abril de 1934 em Salvador onde estudava Belas Artes), Afrânio Filho, Cyro, Flora e José Nuno.
Em 6 de julho de 1924, perdeu sua filha Léa, de 17 meses de idade. Caiu em um tanque no quintal da sua casa na “Rua Miguel Ângelo, 497”. Provavelmente, Rua Ângelo Neto.
Em Maceió, onde passou a clinicar após a diplomação, dr. Afrânio Jorge se anunciava nos jornais como especialista em “moléstias de crianças e dos aparelhos circulatório e respiratório”.
O médico Afrânio Jorge
Pelas inúmeras vezes que o seu nome foi citado como envolvido em cirurgias na Santa Casa de Maceió ou no Hospital de Mendicidade, pode-se supor que teve algum vínculo profissional com estas instituições.
Era muito elogiado pelos jornais em notas de agradecimento dos familiares dos seus pacientes, que tornavam público a gratidão a ele por seu envolvimento e dedicação durante os tratamentos.
Mesmo se anunciando como médico das “moléstias de crianças e dos aparelhos circulatório e respiratório”, em algum momento de sua carreira profissional, passou a ser obstetra.
Segundo o depoimento do seu neto, Carlos Augusto de Araújo Jorge, ele “era um obstetra das antigas que se alegrava em ser chamado de “parteiro”, costumava dizer: “os olhos dos parteiros estão nos dedos”. Fazia referência ao recato e ao pudor da época, que impediam que o médico olhasse para as “partes íntimas” das pacientes.
Um episódio que revela o quanto dr. Afrânio Jorge dominava sua profissão, ficou registrado por um dos maiores escritores brasileiros.
Graciliano Ramos descreve, em Memórias do Cárcere, uma cirurgia a que se submeteu em Maceió (provavelmente em 1932) e a discussão entre os médicos José Carneiro, Clemente Magalhães e Afrânio Jorge sobre um determinado procedimento cirúrgico:
“Clemente afirmava, dr. José Carneiro negava, queria, chateado, coser aquilo e mandar-me logo para o necrotério. Afrânio Jorge me segurava a cabeça e não consentia o homicídio”.
— Porque não cortam logo isto, dr. Afrânio? Porque me rasgam à unha? — perguntou o escritor.
— É que a artéria femoral está descoberta, meu filho. Se metessem o canivete, você era um homem perdido — respondeu-lhe o dr. Afrânio Jorge.
E completou: “Horrível saber anatomia. Se Afrânio não tivesse dito aquilo, deixar-me-ia tranquilamente operar, morreria ou viveria, confiado na ciência. Não morrera”.
Um dos seus pacientes mais famosos foi o arquiteto Luiz Lucariny, que faleceu em 14 de julho de 1907. Ainda um médico iniciante, dr. Afrânio Jorge o acompanhou até os seus últimos momentos de vida.
Em 17 de julho de 1915 foi nomeado pelo Ministério da Agricultura para o cargo de veterinário do Serviço de Indústria Pastoril da Inspetoria do 3º Distrito. No início de abril de 1916, foi exonerado por abandono de emprego.
Seus conhecimentos levaram-no também a ser aceito como sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (a partir de 14 de julho de 1914) e a ser professor de química e física do Colégio São João, inaugurado em 1º de março de 1917. Pertencia ao Cônego Machado e ao Padre Cícero de Vasconcellos.
Em 15 de abril de 1922, foi nomeado médico do Aprendizado Agrícola de Satuba. Cargo que ocupou até se envolver no trágico episódio em frente ao Cinema Floriano.
Quando da estruturação do quadro de professores da Escola de Agronomia de Alagoas, em julho de 1933, Afrânio Jorge era o professor da disciplina de Higiene e Arte do Veterinário. Não se conseguiu maiores informações sobre esta instituição de ensino superior.
A Escola de Farmácia e Odontologia de Alagoas foi fundada em 20 de janeiro de 1935 como Academia de Farmácia e Odontologia de Alagoas. O dr. Afrânio Jorge foi seu primeiro diretor. Houve desentendimento com o corpo discente e nove meses depois ele pediu de exoneração. Assumiu o dr. Albino Magalhães.
No início da década de 1940, seu consultório ficava na Av. Nilo Peçanha (Av. Moreira Lima), nº 1º andar. O telefone era o 366.
Na política
No final de janeiro de 1912, os grupos oposicionistas liderados por Fernandes Lima e outros apoiadores da candidatura do coronel Clodoaldo da Fonseca ao governo fustigavam Euclides Malta, que estava no poder há 12 anos.
O clima nas ruas era tenso e se sucediam os conflitos entre os partidários das duas correntes oligárquicas.
Uma das últimas tentativas para evitar o enfrentamento armado partiu de um grupo formado por personalidades do Estado, que procurou Euclides Malta para convencê-lo a se afastar do governo.
O dr. Afrânio Jorge foi um dos membros desse grupo, que não teve êxito em seu propósito.
Com o Palácio dos Martírios ameaçado de ser invadido por homens armados, Euclides Malta fugiu de Alagoas. Quem assumiu o poder no dia 28 de janeiro foi o coronel Macário Lessa, presidente do Congresso Estadual.
Nesse governo interino, o dr. Afrânio Jorge ocupou por poucos dias a Secretaria do Interior. Foi nomeado no dia 30 de janeiro de 1912. Assim aconteceu o seu primeiro envolvimento com a política. Tinha 32 anos de idade.
Clodoaldo da Fonseca foi eleito governador em 12 de março de 1912. Seu vice era Fernandes Lima. Quando desembarcou em Maceió para tomar posse no governo, Clodoaldo estava acompanhado de Fernandes Lima, Manoel Clementino do Monte, Coronel Luiz Barbedo, Helvécio Limoeiro, dr. Afrânio Jorge e Américo Lelé.
Motivado, em 7 de outubro de 1912 concorreu ao mandato de Conselheiro Municipal de Maceió, obtendo 329 votos. Foi o 11º mais votado. Firmino Vasconcellos foi eleito Intendente.
Filiou-se ao Partido Republicano Conservador no início de 1913. Até então não tinha ligação partidária alguma. Cinco anos depois foi eleito deputado estadual para a legislatura 1917-18. Exerceu com destaque seu mandato.
Nas eleições de 1º de novembro de 1920, não foi candidato, mas recebeu muitos votos dos amigos.
Com a Revolução de 1930, voltou a desenvolver mais destacadamente papel político, incluindo a ocupação de cargo público.
Era um dos integrantes da Comissão de Inquérito instalada em março de 1931 para apurar as irregularidades cometidas pelas administrações anteriores no município de Maceió. Com ele estavam o capitão João Palmeira e o dr. Manoel Onofre.
Em maio de 1931, foi nomeado Chefe do Departamento de Saúde Pública pelo interventor Freitas Melro. Permaneceu até os últimos dias de dezembro, quando pediu exoneração ao interventor Tasso de Oliveira Tinoco.
Quando Freitas Melro começou a sofrer desgastes na interventoria, alguns nomes foram especulados pelos jornais para substituí-lo. Os mais lembrados eram Armando Sampaio e o dr. Afrânio Jorge.
Quem assumiu em 9 de agosto de 1931 foi o futuro general Luís de França Albuquerque, que ficou menos de três meses no cargo. Foi substituído em 31 de outubro de 1931 por Tasso de Oliveira Tinoco.
Seu nome estava na relação dos candidatos a deputado estadual constituinte nas eleições ocorridas em 14 de outubro de 1934. Não foi eleito. Obteve 426 votos, mas foi o mais votado entre os candidatos avulsos.
Em 1937, era um dos líderes em Alagoas da campanha de Armando Salles de Oliveira à presidência da República pela União Democrática Brasileira (UDB). O outro líder era Fernandes Lima, que dirigia uma seção distinta, evitando a convivência entre adversários locais.
Lançou um manifesto em 13 de março convocando o povo a prestigiar “o novo partido em organização, destinado à defesa dos ideais democráticos, da garantia das liberdades públicas e do respeito à autoridade constituída”. Assinaram com ele Hildebrando Falcão, Salustiano Lessa e Luiz Mendonça.
Nesta função, esteve no Rio de Janeiro entre 24 e 30 de julho. Conversou com Armando Salles e fez pronunciamento na Rádio Tupy, com a presença do deputado Dario de Almeida Magalhães, jornalista Arnon de Melo e o industrial Joaquim Inojosa.
Essa eleição, não aconteceu. Ainda em 1937, Getúlio Vargas decretou o Estado Novo e implantou uma ditadura.
A partir de novembro de 1941, dr. Afrânio Jorge foi nomeado em mandatos consecutivos membro do Conselho Administrativo do Estado de Alagoas. Era órgão auxiliar de governo ao lado da Interventoria Federal nos Estados.
Estes Conselhos foram criados pelo Decreto-Lei nº. 1.202, de 8 de abril de 1939, um em cada unidade federativa. Tinham entre quatro a dez integrantes, todos indicados pelo presidente da República.
Examinava, aprovando ou rejeitando, todos os atos dos prefeitos municipais e do Interventor Federal, inclusive o orçamento estadual, que também tinha sua execução fiscalizada.
O que Getúlio Vargas pretendia mesmo era substituir o papel exercido pelas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Funcionavam também como “tribunais de contas”.
Dr. Afrânio Jorge permaneceu no Conselho até 11 de abril de 1947, quando pediu exoneração. Com ele também saiu o industrial Tércio Wanderley.
Disputou novamente um mandato de deputado estadual, pelo PRP, em 1945. Consegui 1.251 votos, insuficientes para sua eleição.
Quando Silvestre Péricles tomou posse no governo de Alagoas, em 29 de março de 1947, convidou o dr. Afrânio Jorge para assumir a partir de 1º de abril a Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda e Produção. Era então filiado ao PSD.
Em 13 de maio do mesmo ano pediu exoneração. Explicou à Agência Meridional a causa: “Senti que não posso ser secretário do governador Silvestre Péricles, de quem, no entanto, continuo amigo”.
Foi ainda presidente da Legião Brasileira de Assistência (LBA) em Alagoas.
Concorreu sua última eleição em 3 de outubro de 1951. Candidato a deputado estadual pelo Partido Social Democrático – PSD, consegui somente 134 votos.
O dr. Afrânio Jorge faleceu em Maceió no dia 29 de junho de 1952. Tinha 71 anos de idade.
Em homenagem ao ilustre médico, o prefeito Abelardo Pontes Lima aprovou a Lei nº 248, de 20 de outubro de 1952, denominando a Praça do Quartel (já tinha sido Praça Calabar e Siqueira Campos) de Praça Afrânio Jorge.
Com a instalação da Faculdade de Medicina no antigo prédio do Quartel do 20° BC em 1952, a praça foi, aos poucos, sendo conhecida como Praça da Faculdade.
Na gestão do prefeito Guilherme Palmeira foi aprovada a Lei nº 4.047, de 11 de julho de 1991, denominando a praça de Parque Municipal Dr. Afrânio Jorge, com a pretensão de cercar a área e permitir o acesso ao público de terça-feira até o domingo, de 7h às 20h.
Três meses depois a Lei nº 4.067, de 29 de outubro de 1991, denominou o logradouro de Praça da Faculdade.
No texto deste ato legislativo há um erro ao pretender devolver o nome original anulando a Lei nº 248, de 20 de outubro de 1952, que a denominou de Praça Afrânio Jorge.
Não era esse o nome original naquela data. A Faculdade de Medicina começou a funcionar em 1951 e naquele prédio somente no ano seguinte.
COISAS QUE EU NUNCA TINHA OUVIDO FALAR QUE TINHA ACONTECIDO EM ALAGOAS.
Q belo relato ! Parabéns! Dr. Afrânio Jorge atendeu a minha avó em trabalhos de parto da minha mãe em junho de 1930 , em Sta. Luzia do Norte. Meu avô veio a Maceió de canoa pela Lagoa mundaú até o centro de Maceió buscar Dr. Afrânio Jorge .
Para retirar a placenta de dentro de minha avó pois já fazia 24 horas q a mesma dera a luz e a mesma ñ saia por meios naturais enquanto minha avó esvaia-se em sangue numa hemorragia q parecia ñ ter fim. Dr. Afrânio salvou a vida de minha avó .
Dr. Afrânio Augusto de Araujo Jorge, ou simplesmente.Dr. Afrânio Jorge, meu avô paterno, como médico não cobrava por suas consultas o que o fez talvez, o médico de maior número de afilhados.
Meu bisavô paterno. Orgulho desse homem de bem.