Asilo de Mendicidade de Maceió
A mendicância começou a ser tratada como crime ainda no tempo das Ordenações do Reino e continuou assim no primeiro Código Criminal próprio do Brasil, aprovado em 16 de dezembro de 1830.
Instituía os crimes de vadiagem no artigo 295 e de mendicância no artigo 296, agrupados no capítulo IV: “Vadios e Mendigos”.
O “vadio” era qualquer pessoa que não tivesse “uma ocupação honesta e útil” que lhe desse condições de subsistência. Se diante do Juiz de Paz não comprovasse renda suficiente para se manter ficava sujeito a ser penalizado com prisão e trabalho forçado por um período entre oito e vinte e quatro dias.
O “crime” de mendicância era identificado quando não existiam estabelecimentos públicos para mendigos ou mesmo tendo alguém se oferecido para sustentá-los; quando os que mendigavam estivessem em condições de trabalhar, mesmo que não existindo os ditos estabelecimentos; quando fingiam doenças; ou mesmo quando inválidos mendigavam em grupo com quatro ou mais indivíduos. Exceção para os agrupamentos de pai, filhos e mulheres que acompanhavam seus maridos. Os guias dos cegos também não contavam.
A pena para a mendicância variava da prisão simples à prisão com trabalhos forçados. Podia durar entre oito dias e um mês, dependendo do estado das forças do mendigo.
Essa ação repressiva do Estado, que criminalizava a ociosidade e a invalidez oriundas da pobreza, atravessou todo o século XIX e mesmo com o advento da República permaneceu no Código Penal de 11 de outubro de 1890, que aboliu a pena de morte e instalou o regime penitenciário de caráter correcional.
Mesmo com estes avanços importantes do Código Penal, a mendicância e a vadiagem, tratadas no capítulo “Dos mendigos e ébrios”, continuavam a ser criminalizadas.
“Art. 391. Mendigar, tendo saúde e aptidão para trabalhar: Pena – de prisão celular por oito a trinta dias.
Art. 392. Mendigar, sendo inábil para trabalhar, nos lugares onde existem hospícios e asilos para mendigos: Pena – de prisão celular por cinco a quinze dias.
Art. 393. Mendigar fingindo enfermidades, simulando motivo para armar à comiseração, ou usando de modo ameaçador e vexatório: Pena – de prisão celular por um a dois meses.
Art. 394. Mendigar aos bandos, ou em ajuntamento, não sendo pai ou mãe e seus filhos impúberes, marido e mulher, cego ou aleijado e seu condutor: Pena – de prisão celular por um a três meses.
Art. 395. Permitir que uma pessoa menor de 14 anos sujeita a seu poder, ou confiada à sua guarda e vigilância, ande a mendigar, tire ou não lucro para si ou para outrem: Pena – de prisão celular por um a três meses”.
A imposição da repressão à população mendicante era alimentada a partir do Rio de Janeiro, que se modernizou com mais intensidade na segunda metade do século XIX. A ação contra os mendigos partia da polícia, mas tinha apoio da opinião pública, que exigia pelos jornais uma ordem urbana sem mendigos nas ruas.
Somava-se a essa tendência, a cobrança feita por alguns médicos para que o Estado assumisse a plena responsabilidade sobre os alienados.
Nesse período, o país já dava os primeiros passos em uma ordem econômica excludente e ainda vivia os reflexos do processo abolicionista, que agudizou a miserabilidade destes excluídos.
Assim surgiram os asilos para mendigos em praticamente todo o país. O primeiro deles foi o do Rio de Janeiro, instalado provisoriamente num alpendre situado na praia de Santa Luzia. Foi transferido em 1879 para o edifício do futuro Asilo de Mendicidade, que ainda se encontrava em construção, na rua Visconde de Itaúna. Este prédio foi inaugurado em 10 de julho de 1879.
Mendicidade em Alagoas
Meses antes da inauguração do Asilo do Rio de Janeiro, surgiu também em Maceió a cobrança por um Asilo de Mendicidade. Foi em um editorial do jornal O Orbe de 16 de março de 1879. Exigia ações governamentais para impedir a “mendicidade pública e ostensiva, encorajada até, entre nós, pelo consentimento das autoridades policiais”.
“De há muito se sabe que sob os andrajos do mendigo se acobertam aqui muitos homens válidos, muitas mulheres de saúde, cuja moléstia, talvez incurável, não passa de uma indisposição pronunciada para o exercício de um trabalho qualquer”, acusava o jornal.
Bradava o periódico que a mendicância desabonava as aspirações de uma realidade com aperfeiçoamentos morais, “baseado nas garantias de trabalho livre, devidamente remunerado”.
Defendia a existência de asilos, a exemplo dos já existentes em outas lugares, mas não dispensava a ação da polícia para prender “os vagabundos que fogem daqueles estabelecimentos”. Era necessária a repressão das leis “para coibir a ostentação imoral dessa vergonhosa lepra”.
O jornal chegou ao ponto de insinuar que os recursos investidos anos antes em um Asilo de Órfãs, se referindo ao Asilo Bom Conselho inaugurado em 8 de dezembro de 1877, deveriam ter sido “aplicado na construção de um asilo de mendicidade, E era tão reconhecida a urgência dessa medida, que algumas pessoas distintas, de fortuna e posição, empregaram esforços para esse fim…”.
Por fim, o periódico conclamou a elaboração de listas de subscrições com o objetivo de arrecadar recursos para a construção de um Asilo de Mendigos na capital, e anunciou que abriria uma delas no próprio jornal. Dias depois, como ninguém apareceu para doar coisa alguma, retiraram a lista.
O Jornal do Penedo de 29 de agosto de 1879, ao informar da inauguração do Asilo de Mendicidade no Rio de Janeiro, que contou com a presença do Imperador, propôs que essa iniciativa fosse reproduzida nas demais províncias, criando-se instituições semelhantes “em que os verdadeiros pobres tenham trabalho constante, comida regular e tudo mais preciso; e então assim poderemos talvez ufanar-nos de haver curado em todo o Império a úlcera cancerosa do Pauperismo”.
Loteria
Em Alagoas, a cobrança por um Asilo de Mendicidade aumentou quando o provedor da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, major Manoel Martins de Miranda, passou a apoiar tal reivindicação.
Morador de um sobrado na Praça dos Martírios, dirigiu aquela instituição por vários mandatos. Tinha expressiva influência política por já ter sido deputado provincial e estar, à época, exercendo a vereança em Maceió.
Industrial bem-sucedido, era um dos diretores da Companhia Industrial União Mercantil e irmão de outro político proeminente à época, Joaquim Pontes de Miranda.
Foi Manoel Martins de Miranda quem deu o primeiro grande impulso para a construção do Asilo ao conseguir apoio na Assembleia Provincial para aprovar a Lei nº 846, de 16 de junho de 1880, que isentou de imposto Geral e autorizou a “Primeira Loteria da Província de Alagoas”, cujos recursos seriam aplicados na construção do Asilo de Mendicidade.
Como naquela época os recursos públicos eram sempre limitados para as grandes obras, era comum a utilização em várias províncias de Loterias para viabilizar as construções dos equipamentos de interesse público.
Quem sucedeu a Manoel Martins de Miranda na Santa Casa, a partir de 5 de julho de 1881, foi o dr. Cândido Augusto Pereira Franco. Não se tem notícias do seu envolvimento com a busca de recursos para o Asilo.
Foi somente com a posse do major José Virginio Teixeira de Araújo, em 15 de junho de 1882, que a Santa Casa conseguiu aprovar a Lei que autorizava o funcionamento do Asilo.
Além de provedor, José Virginio Teixeira de Araújo era também deputado provincial. Ele chegou a pedir demissão da provedoria no início de janeiro de 1883. O presidente da Província não aceitou, reconhecendo seus relevantes serviços.
Foi reeleito deputado em outubro de 1883 e em 15 de junho do mesmo ano foi reconduzido à direção da Santa Casa, permanecendo até 19 de julho de 1884, quando assumiu a nova diretoria.
Como deputado, em 1883, José Virginio Teixeira de Araújo apresentou o projeto de Lei que criou o Asilo e conseguiu a sua aprovação em 21 de junho.
Esta Lei Provincial ganhou o nº 906. Determinava também que o prédio da Província situado na Rua da Cambona seria destinado a receber o Asilo, dirigido pela Confraria da Santa Casa de Misericórdia de Maceió.
A mesma Lei estabeleceu que a mobília e demais utensílios seriam conseguidos com a renda de um ano do imposto criado para manter o Asilo.
Dias depois da aprovação da Lei, os jornais anunciavam a realização da Loteria, que rendeu 600$000. Ocorreram 10 sorteios, com o último em 1883.
Entretanto, mesmo com a obtenção de recursos, a Lei aprovada pela Assembleia ainda não tinha sido sancionada pelo presidente da Província e nem promulgada pelo poder legislativo. O Asilo da Mendicidade continuava a não existir legalmente.
No início de 1884, a Assembleia Provincial, que tinha agendado a promulgação da Lei para a sessão legislativa seguinte, começou a receber pedidos para que não desse prosseguimento à tramitação. Essa solicitação partia de representantes da sociedade que estavam insatisfeitos com as delongas que impediam a construção do Asilo.
Diante desta ameaça, o presidente do Conselho Municipal e também provedor da Santa Casa, capitão Antônio Pereira Caldas procurou o presidente da Província, Henrique de Magalhães Salles, e lhe expôs que sem o Asilo construído teria que levar para a Santa Casa de Maceió “todos aqueles que fossem encontrados em estado de precisarem dos socorros da caridade pública” (O Orbe de 5 de setembro de 1884).
Para evitar isso, recomendava que o único meio de rapidamente resolver o problema era criar o quanto antes o Asilo de Mendicidade. O governante atendeu e sancionou a Lei naquele mesmo dia 1º de setembro de 1884. No dia seguinte, a pedra fundamental da obra foi lançada.
O governo havia desistido do prédio da Rua da Cambona e atendendo ao pedido do provedor da Santa Casa, deu início à construção do Asilo em um terreno ao lado do Quartel Geral e da Cadeia, recebido em doação. Tinha sido oferecido pelo capitalista Antonio da Silva Aboim.
O capitão José Adolpho e sua família também haviam colocado à disposição para a obra terrenos no alto do Farol, mas não foram aceitos por não ter água encanada naquela área do Jacutinga.
A indicação do Provedor de construir um novo prédio não foi bem aceita pela Mesa Administrativa da Santa Casa, que tornou pública essa discordância em 16 de setembro. As críticas a esta escolha consideravam que na Cambona o prédio já estava construído e em poucos dias o Asilo entraria em funcionamento com custo muito inferior.
Como o terreno doado era próximo à Santa Casa, pode-se supor que tenha sido essa a provável causa desta decisão.
Quando se iniciaram as obras, após o parecer do engenheiro da municipalidade ter sido aprovado em outubro de 1884, o provedor da Santa Casa já era o dr. Manoel José Duarte, que foi quem coordenou a construção.
Na madrugada de 29 de agosto de 1886, o indivíduo Antônio Alves da Silva foi preso “conduzindo material das obras do Asylo de Mendicidade”, publicou um jornal. Sinal de que a construção ainda estava em andamento naquela data.
O provedor da Santa Casa em 1886 era Joaquim Pedro Salgado.
Inaugurado em 1887
Em 28 de maio de 1887, o Gutenberg anunciou que no dia seguinte, “por volta das 10 horas do dia, depois da missa será bento o prédio em que deve funcionar aquela filantrópica instituição”, referindo-se à inauguração do Asilo de Mendicidade.
Funcionava “sob a direção e fiscalização da mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia”. Informou o presidente da Província, José Cesário de Miranda Monteiro de Barros, em sua mensagem à Assembleia Provincial em 6 de outubro de 1888.
Detalhou ainda que a instituição tinha acomodação para até 300 pacientes, que eram abrigados em 22 grandes salões de um prédio de três pavilhões com áreas intercaladas.
O Asilo pretendia oferecer aos mendigos, além da assistência médica e hospitalar, abrigo, alimentação, roupas e capacitação para o trabalho.
Os recursos para sua construção foram disponibilizados diretamente pelo Estado ou por meio de loterias. Os donativos particulares foram inexpressivos. A obra custou 120 contos de réis. Estes dados foram revelados pelo Orbe de em 23 de abril de 1897.
Em 1887, ano em que começou a funcionar, recebeu 220 indigentes, sendo 135 homens. Destes faleceram 52, se recuperaram 89 e 70 permaneceram internados. Dois foram expulsos por insubordinação, cinco fugiram e outros dois foram transferidos para o asilo de alienados.
Segundo estudos do dr. Fernando Gomes e da dra. Márcia Monteiro, no livro A saúde em Alagoas no Brasil Império — caminhos e descaminhos, “os indigentes chegavam em estado de miséria absoluta e doentes, sendo a sífilis e o alcoolismo as principais causas de mortalidade entre eles. Conforme registros, nessa instituição realizavam-se vários tipos de cirurgias, incluindo-se amputações de membros, ressecções e urethemia interna”.
Ainda no ano da sua inauguração, em outubro, o Ministério do Exército consultou o presidente da Província para saber da viabilidade de se realizar o tratamento dos praças no Asilo de Mendicidade.
A Enfermaria Militar era mantida com custos elevados. Foi selado o acordo e o Asilo reservou uma de suas alas para os militares e na última década do século XIX foi criada no mesmo prédio uma enfermaria especializada para pacientes oriundos do Batalhão Policial. Naquele período, o médico contratado era o dr. Pedro Soares de Albuquerque.
Asilo x Hospital
O Gutenberg de 17 de junho de 1887 noticiou que dois dias antes foi flagrado um mendigo fugindo do Asilo, “pulando o muro que dá para o sítio do dr. José Ângelo”. O fugitivo revelou que tinha dado entrada no Asilo por estar doente e não por ser mendigo e que escapara porque “não queriam dar-lhe a liberdade de modo algum; acrescentando que a alimentação ali não é regular”.
O jornal cobrava a fiscalização do dr. Manoel Duarte e explicava que “efetivamente aquilo não é prisão, é um asilo. A mendicidade como crime só é punida nas casas de correção, depois do competente processo”.
E argumentava: “O que cumpre fazer acerca da mendicidade é proibi-la, asilando os que dela fizerem ofício; desde porém que o vadio explorador da caridade pública declara emendar-se e afirma ir entregar-se a ocupação decente, que ninguém pode mais detê-lo, seja por pretexto for; — fazê-lo é praticar violência”.
Essas observações do Gutenberg revelavam que o Asilo teria dificuldades em funcionar como se desejava desde o princípio, retirando os mendigos da rua à força.
Como hospital para os mais desassistidos, também já apresentava problemas no seu primeiro ano, a exemplo do caso relatado abaixo.
No dia 28 de agosto, o mesmo Gutenberg denunciou a morte de um mendigo “debaixo de um tamarineiro, à Praça Tavares Bastos”. Ficava ao lado do Mercado Modelo e onde depois foi construído o Colégio Estadual de Alagoas.
“Um fato desta natureza em uma cidade onde tem um Hospital de Caridade e um Asilo de Mendicidade, é incrível; mas é verdade”, protestava o jornal ao tempo que se referia ao moribundo como uma “vítima de filantropia bastarda e ilusória”.
Dois dias depois, o jornal informava que já sabia quem era o indivíduo que faleceu na Praça Tavares Bastos: “era um desgraçado escravizado, cujo senhor depois de haurir-lhe toda a vida no trabalho, aos carinhos do bacalhau, atirou sua carcaça inútil à face desta sociedade, que não sente acerejarem-se-lhe [ruborizar] as faces diante do insulto, para terem ainda complacências com escravagistas!”.
Explicava a razão dele não ter sido recolhido ao Hospital de Caridade por esta ter no seu regimento interno a proibição do recebimento de escravos, “a menos que seja como pensionista, a custa do seu senhor”.
“Para o Asilo de Mendicidade devia-o remeter a polícia, que não o fez, como lhe cumpria, por ocupada, quem sabe, na honrosa e nobilitante missão de pegar fugitivos!!!”, opinou o jornal.
Em pouco tempo, essa alteração dos objetivos ficou evidente.
Um relatório da Santa Casa de Misericórdia de Maceió publicado no Gutenberg de 4 de maio de 1895 reconhece que o Asilo de Mendicidade estava “convertido num outro hospital a cargo da Santa Casa de Misericórdia” e que prestava grande auxílio ao Hospital de Caridade, que transferia seus pacientes para o Asilo quando não havia mais leitos disponíveis.
Esse mesmo relatório indicava que a Receita oriunda do imposto criado para a manutenção do Asilo superava as despesas. Atendeu em 1894 a 360 pacientes.
O espaço reservado para os praças do Batalhão Policial e Força Municipal da capital recebeu 226 pacientes. Segundo o provedor, o pagamento para o tratamento dos praças foi deficitário.
Uma nota publicada no jornal O Orbe de 13 de novembro de 1896 revelava que os mendigos continuavam nas ruas. “É enorme a mendicidade: uns pedem por necessidade e outros por especulação. Entretanto temos um asilo, para o qual concorremos, um hospital de caridade e ainda a benemérita Sociedade S. Vicente de Paulo, cujos serviços à pobreza desvalida são incontestáveis. Urge providenciar”.
Em 14 de julho de 1897, o Orbe voltou a criticar: “Continua infestada a cidade pelo passeio quotidiano dos esmoleres, em procura de pão par completo conforto. Já teria sido extinto o Asilo de Mendicidade ou foi proibida a entrada dos mendigos nesse estabelecimento?”.
Em relatório apresentado à Assembleia Legislativa em 15 de abril de 1901, o governador Euclides Malta confirma: “O Asilo de Mendicidade, destinado ao recolhimento dos mendigos que infestam as ruas da capital, acha-se convertido em hospital, pois todos os seus asilados são verdadeiros enfermos”.
“Hospital” de Mendicidade
Um dos problemas apresentados para o melhor funcionamento do Asilo era a sua fonte de recursos, uma das faces com mais desentendimentos entre a Santa Casa e o governo, principalmente após a proclamação da República, quando o Estado laico se impôs.
Para sua manutenção foi criado um imposto de 2%, “cobrado pela Recebedoria da capital sobre as importâncias arrecadadas dos contribuintes dos demais impostos”, registrou o Gutenberg de 10 de janeiro de 1896.
Com esse imposto, pretendia-se evitar as soluções casuísticas, como a existente em janeiro de 1890, quando era proibida a criação de porcos na capital e em seus subúrbios. Os animais encontrados eram sacrificados e “seu produto líquido” revertido em benefício do Asilo de Mendicidade.
Entretanto, os desencontros continuaram e em 29 de maio 1896 foi sancionada a Lei nº 126 autorizando o governador a intervir “nos negócios das instituições pias subvencionadas pelo Estado, nomeando o provedor, vice-provedor, tesoureiro e mais pessoal administrativo e também o médico”.
A medida estabeleceu ainda que os três principais cargos na Santa Casa de Maceió e na de Penedo não seriam remunerados. A mesma medida desligou o Asilo de Mendicidade do controle da Santa Casa, passando-o à administração do Estado, que também definiria o seu regulamento.
Isso aconteceu no dia 3 de novembro de 1896, quando o governador do Estado, o Barão de Traipu, publicou o Decreto nº 131 estabelecendo o novo código.
No seu Art. 4º, a norma estabelecia o pessoal lotado no Asilo: “um diretor, um médico, um farmacêutico, um capelão, um escriturário, um zelador que será porteiro do estabelecimento, cozinheira, três serventes, dois do sexo masculino e um do feminino”.
As atribuições do médico foram definidas no Art. 7º. Entre elas a obrigação do profissional de “visitar todos os dias o estabelecimento, das 8 às 10 horas da manhã, e a qualquer hora do dia ou da noite em caso de urgência cientificada pelo zelador”, o mesmo funcionário que no Art. 4º foi também foi incumbido da portaria.
Um relatório referente ao ano de 1896, mas publicado em 11 de abril de 1897 no Orbe, revela que naquele ano 349 pacientes estiveram em suas enfermarias. Destes, 205 tiveram alta, 81 faleceram e 63 permaneciam em atendimento no dia 1º de janeiro de 1897.
Dois anos depois existiam internados no Asilo 94 indigentes e 3 praças. Em 1905, 164 indigentes deram entrada no hospital. Foram “curados” 71 deles, “melhorados”, 32. Faleceram 28.
Havia, ano a ano, uma redução do número de atendidos, mas os mendigos continuavam nas ruas de Maceió provocando a reação do Gutenberg, que publicou em 29 de janeiro de 1905 a proposta de se instituir uma “Bolsa dos Pobres” como forma de evitar a mendicidade em vias públicas.
O jornal comemorava a aceitação da sua proposta pela Polícia, que tinha como coordenador desta ação o major José Pedro de Farias, subcomissário da capital.
A “Bolsa dos Pobres” funcionava a partir de recursos recolhidos do comércio, que enviaria semanalmente “a importância que costuma dar em esmolas”. Esse dinheiro seria distribuído aos sábados com mendigos no Asilo de Mendicidade ou em ouro local acertado.
A partir de então, “a polícia proibirá a mendicidade nas ruas, prendendo correcionalmente os transgressores desta medida”.
O montante dos recursos recolhidos à Polícia seria divulgado semanalmente no jornal. A primeira arrecadação foi distribuída no dia 5 de fevereiro e o jornal avaliou que precisava de mais “espórtulas”.
Os registros de funcionamento da “Bolsa dos Pobres” foram publicados nos jornais até o final de 1905.
Em março de 1912 tomou posse o coronel Clodoaldo da Fonseca, que tinha como vice-governador José Fernandes de Barros Lima. Um movimento liderado por Fernandes Lima tinha deposto do governado Euclides Malta no final de janeiro daquele mesmo ano.
Foi este governo que devolveu a Santa Casa de Misericórdia de Maceió e o Asilo de Mendicidade para o controle da Irmandade de São Vicente de Paulo. O ato foi normatizado pelo Decreto nº 605 de 18 de novembro de 1912, que também manteve a subvenção que já era de 3%.
Em 1929, três de suas enfermarias foram adaptadas para o serviço hospitalar da Força Pública. Passaram a ser denominadas São João, Santa Carolina e São Pedro. “Os resultados dessa medida têm sido ótimos para oficiais, sargentos e praças, sempre que têm necessidade de baixar ao hospital”, comemorou o governador Álvaro Correia Pais.
O fim e o recomeço
Após Getúlio Vargas assumir o poder com o Golpe de Estado desencadeado a 3 de outubro de 1930, as relações do Estado com as instituições pias voltaram a sofrer alterações.
O primeiro sinal desse afastamento ocorreu em outubro de 1933, quando o interventor Affonso de Carvalho reduziu as verbas destinadas as obras de reforma da Santa Casa e do Asilo de Mendicidade.
O Asilo de Mendicidade, que vinha ano após ano se transformando numa unidade de saúde esvaziada e com suas instalações sendo gradualmente ocupadas pela Polícia Militar de Alagoas, que tinha o seu Quartel Geral a poucos metros, foi definitivamente incorporado àquela instituição.
No final de janeiro de 1935 os jornais locais informavam das alterações físicas que o prédio do “antigo Asilo de Mendicidade” estava recebendo, indicando que já não mais existia como tal.
O serviço de adaptação, naquela data, atingia a parte da frente e ala esquerda, que estavam sendo preparadas para alojar a sede do Departamento de Saúde Pública. A obra envolvia ainda oito grandes salões, duas salas destinadas ao laboratório e farmácia, gabinetes sanitários e outras acomodações. Mais tarde, o local ficou conhecido como Hospital da Polícia Militar.
Outros espaços do edifício foram ocupados pelo Corpo de Bombeiros e pelo Comando do Policiamento da Capital.
Segundo Félix Lima Júnior, no livro Pequena História da Polícia Militar de Alagoas, em outra parte do prédio “foi preparado salão especialmente para conferências e exibições cinematográficas”.
Surgia o Cine Teatro Floriano Peixoto, que foi inaugurado em 24 de maio de 1938 e permaneceu em funcionamento até 1998, quando os custos com aluguel de filmes inviabilizaram a existência daquela sala de exibição.
No início de 2014, parte do prédio do antigo Asilo de Mendicidade foi ocupado pela estrutura do 1º Centro de Saúde da Capital, que deixou de funcionar em seu endereço tradicional na Praça das Graças.
O convênio entre a Secretaria Estadual de Saúde e a Polícia Militar de Alagoas permitiu a utilização do prédio do Hospital da PMAL e do cinema tendo como retribuição a oferta de serviços médicos e ambulatoriais para os policiais militares e seus familiares.
Ironicamente, com estas mudanças parte do edifício recuperou a sua destinação inicial: oferecer serviços médicos e ambulatoriais.
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