Antônio Hugo da Silva, o boêmio maestro Antônio Paurílio

Rua do Comércio e o Cinema Floriano na década de 1920

Antônio “Paurílio” nasceu em Maceió no dia 29 de abril de 1906 (Gutenberg de 3 de maio de 1906 e de 28 de abril de 1907). Foi batizado como Antônio Hugo da Silva, filho de Antônia Malheiros da Silva e do músico (violinista), empresário e despachante federal Hipólito Paurílio da Silva.

Cinema Floriano, na Rua do Comércio, foi construído em 1913

Entre seus 11 irmãos, dois se destacaram: Carlos Paurílio, o famoso poeta, Eloi Paurílio, que foi publicitário e depois tabelião, e Olga Paurílio, também excelente pianista e professora deste instrumento, além de mãe de Ronaldo, Rivaldo e Renilde.

Hipólito Paurílio

Seu pai, Hipólito Paurílio da Silva, nasceu em 20 de dezembro de um ano próximo a 1880. Era filho de Hypólito Silva e em 1895 cursava o 3º ano de Escrituração Mercantil no Lyceu Alagoano.

Não se tem informações sobre onde trabalhou como Escriturário, mas sabe-se que estudou música e tornou-se um exímio violinista. Em 26 de julho de 1905, fazia apresentações públicas, como a que ocorreu no Theatro Polytheama.

Nesse mesmo período seu nome surge nos jornais como Despachante Geral (Federal) e passou a ser tratado como professor. Morava na Rua da Alegria, nº 102.

Em meados da década de 1910, Hipólito é citado nos jornais como o proprietário do Cinema Odeon, na Rua do Comércio próximo à Porta do Sol. Era uma sala estreita e comprida onde depois se instalou a Padaria Três Coroas e a Loja Super Decorações.

Como violinista aclamado, também tocava na orquestra do seu cinema, ao lado de João Ulysses, Manoel Lopes, José Abreu e Manoel Mattos. O regente era Tavares de Figueiredo.

Os bons resultados do Odeon estimularam Hipólito a adquirir, em 30 de janeiro de 1917, o Cinema Floriano, que havia fechado alguns dias antes. Em sociedade com Raul Brito, reabriu a casa de espetáculos duas semanas depois.

No final da década de 1920, a firma Silva & Cia. (Hipólito Paurílio da Silva e sócios) controlava os cinemas Floriano e Odeon.

Antônio Paurílio

Segundo pesquisa de Billy Magno, os músicos da Attraction Jazz Band do Cine Floriano são os seguintes: João Salles (sax soprano), Américo Castro Barbosa (1903/1967, violino), Manoel Passinha (1908/1993, trombone), Antônio Paurilio (1906-1972, piano) e Manoel Araujo (bateria). A foto é de 5 de fevereiro de 1925.

Antônio Hugo da Silva somente incorporou o sobrenome do pai após percorrer uma longa caminhada pela música.

Começou como pianista do Odeon e do Floriano. Muito jovem já tocava piano para a plateia do então cinema mudo. As orquestras destas casas de espetáculos cumpriam um papel fundamental na atração de público.

Como ensaiavam para o cinema, estes mesmos músicos faziam apresentações nas festas da cidade. Nos jornais era comum encontrar notas informando que a Orquestra do Odeon estaria animando um baile na residência de alguém.

Assim surgiu a Attraction Jazz Band do Cine Floriano. Há um registro fotográfico deste conjunto em que aparece o futuro maestro Passinha ao trombone e Antônio Paurílio no piano. Como Passinha, após deixar Pão de Açúcar, somente chegou a Maceió em 1925, pode se estabelecer que a foto foi tirada entre este ano e 1930.

Nos anos 30 surgiu um conjunto denominado os Irmão Paurílios, que também era muito requisitado nas festas e bailes. Nesta formação, Antônio Paurílio era o músico mais reconhecido entre os filhos de Hipólito.

É de amargar

Em 15 de janeiro de 1934, a Companhia Argentina de Bailados Típicos apresentou no Teatro Deodoro, Centro de Maceió, a revista Tangos e Canciones com dois atos e 19 quadros. “Foram cantadas com grande sucesso a marcha carnavalesca do Diário de Pernambuco “É de Amargar” [de Capiba] e a valsa “Nasci”, que dizem ser de autoria do maestro diretor e concertador da Companhia, Jerônimo Cabral, admiravelmente interpretada pela estrela Anita Bobasso” (Diário de Pernambuco de 18 de janeiro de 1934).

Na noite de 19 de janeiro, o Deodoro voltou a lotar para assistir a mesma Companhia encenar um espetáculo que incluía a apresentação pela primeira ao público da marcha carnavalesca alagoana “Sururu da Nêga”, de Aristóbulo Cardoso (música) e Pedro Nunes Vieira (letra). Foi cantada por Anita Bobasso em coro por todos os cantores da companhia argentina, e a pedido do público, foi repetida várias vezes.

No final do espetáculo, parte da assistência exigiu que a marcha carnavalesca “É de amargar”, que fazia o maior sucesso em Alagoas, também voltasse a ser cantada. O maestro alagoano Jerônimo Cabral não quis executá-la e abandonou o piano, levando com ele seus músicos.

Antônio Paurílio nasceu em Maceió

Os espectadores reagiram e conduziram Antônio Paurílio até o piano onde tocou o frevo de Capiba. Quando concluiu sua execução, Paurílio foi carregado pela multidão entusiasmada até a Praça Deodoro.

Jerônimo Cabral teve que deixar o teatro com a ajuda da Polícia e do dr. Ciridião Durval, 2º delegado auxiliar (Diário de Pernambuco de 24 de janeiro de 1934).

Ao mesmo Diário de Pernambuco, mas em 25 de janeiro, o maestro explicou que tivera “o intuito de regionalizar o mais possível a noitada do dia 19, quando, ao executar a peça local Sururu da Nêga, a plateia exaltada pediu a marcha pernambucana É de Amargar”.

Informou ainda que “ao terminar a nossa marcha carnavalesca, e que por esse motivo ele queria prestigiá-la melhor, já alguns assistentes o vaiavam intensamente. Atordoado levantou-se para pedir instruções à diretoria, encontrando no piano, de volta, o maestro conterrâneo Antônio Paurílio a executar a marcha exigida, nada mais podendo fazer”.

Naquele ano de 1934, É de Amargar e Sururu da Nega foram as músicas mais executadas no carnaval pelas orquestras e as mais pedidas pelos foliões em Maceió.

No rádio pernambucano

Não se sabe o que levou Antônio Paurílio a se transferir para Recife, mas há uma enorme possibilidade de ter procurado a capital pernambucana em busca de maior divulgação para sua música.

Na Rádio Clube de Pernambuco, Antônio Paurílio, Claudius Jucá e Nelson Ferreira

Isso pode ser constatado ainda em outubro de 1934, quando publicou pela Casa Ribas a letra e música Nós dois, um fox-canção, que fez grande sucesso em Recife, graças ao radialista Heribaldo Alcoforado da Rádio Clube de Pernambuco.

Não se sabe a data exata em que começou a tocar nos programas de rádio, mas em fevereiro de 1938 estava na Rádio Clube de Pernambuco ao piano do programa “Hora Azul das Senhoritas”, apresentado por Nelson Ferreira.

Passou também a fazer apresentações como pianista nos espaços musicais da mesma rádio denominados “Quarto de Hora”. Em agosto de 1938 já dirigia a “Jazz da PRA-8”.

No início de 1939, sua música “Branca de Neve” era uma das mais aplaudidas pelos ouvintes da emissora. Em 29 de março estava entre os músicos que apresentaram o show “Azes em Desfile” no palco do Cinema Encruzilhada, em Recife.

Em agosto lançou “Senhora” e no final daquele mês estava musicando “Divina Espera”, dele e de Patrício Saraiva. Era citado pelos críticos como o “Bamba do Teclado”.

Ganhou fama entre os calouros que disputavam os concursos da Rádio Clube pelo esforço que fazia para aproveitar o que havia de melhor em cada um deles. Chegava a modificar o tom e andamento em plena execução para se adaptar as desafinações dos principiantes. Tinha enorme paciência com eles.

O bolero “Ansiedade”, de Antônio Paurílio, fez muito sucesso após ser gravado por Alcides Gerardi. No vídeo é executada pelo também alagoano Coletivo Gafieira Caprichosa. Lima Neto é o cantor.

Em meados de abril de 1950 esteve em Maceió acompanhando, com mais dois músicos de Pernambuco, o cantor Orlando Silva, que realizou uma temporada na Rádio Difusora de Alagoas, a ZYO-4, então dirigida artisticamente por Aldemar Paiva e tendo Lima Filho na direção geral.

Em agosto de 1950 musicou a peça infantil de Waldemar Mendonça, Céu do Meu Brasil. Com este mesmo parceiro também musicou, em fevereiro de 1951, outra peça infantil: Quem será o Palhaço?

A partir de setembro de 1952, quando Alcides Gerardi gravou pela Odeon seu bolero Ansiedade, Antônio Paurílio passou a ser conhecido nacionalmente. A música estourou nas paradas de sucesso da época e por décadas permaneceu como uma das mais executadas nas rádios, principalmente de Pernambuco e Alagoas.

Em dezembro de 1952, era responsável pela parte musical das audições do Pastoril da Rádio Tamandaré em Recife.

De volta a Maceió

Formação do Conjunto Horizonte da Rádio Difusora de Alagoas em 1958. Em pé estão Antônio Paurilio, piano; Bié, contra-baixo; Mário Costa, baterista; Ascendino Santos, maracás; Cláudio Xavier, sanfona; Bráulio, piston e Juracy Alves no violão

Em julho de 1953, Lima Filho, diretor da Rádio Difusora de Alagoas, anunciou na Revista do Rádio que tinha contratado Antônio Paurílio, “pianista alagoano que integrou por vários anos o elenco da Rádio Clube de Pernambuco e que até alguns dias atuava na Rádio Tamandaré”.

Passou a ser o pianista da emissora no Regional dos Professores e no Conjunto Horizonte. A Difusora tinha sido inaugurada em 16 de setembro de 1948.

Mesmo em Maceió, não abandonou seus vínculos musicais com Recife e, em fevereiro de 1955, voltou a fazer parceria com Waldemar Mendonça na peça infantil Reminiscência.

Em setembro de 1956 lançou, com Severino Barbosa, o samba canção Mentiras de Amor, gravado por Odete Cahú.

Novamente em parceria com Waldemar Mendonça, em agosto de 1957 musicou a peça Meu Sertão, apresentado pelo Grupo Infantil de Comédias de Recife.

Em 1962, com Nelson Ferreira, lançou Tua Boca, gravada por Joaquim Gonçalves.

Para as eliminatórias do I Festival Nordestino da Música Popular, uma realização da TV Rádio Clube em junho de 1969, inscreveu e classificou a canção Caminheiro.

Antônio Paurílio faleceu em Maceió nos primeiros dias de novembro de 1972. Tinha 66 anos de idade e morava na Rua Francisco de Menezes na Cambona.

Da esquerda para direita, dr. Raimundo Campos, cantora Dóris Monteiro, violonista Mirandinha, empresário da cantora, pianista Antônio Paurílio e o pianista e multinstrumentista Nélson Almeida

Um texto publicado no Diário de Pernambuco de 5 de maio de 1950, assinado por J, contava um pouco da trajetória de Antônio Paurílio em Recife até aquela data. Destacava também a sua importância para o Rádio pernambucano.

O jornalista o identificou como um “boêmio inveterado”, que participava por noites seguidas de farras e serenatas ruidosas: “Quanto mais ébrio, quanto mais farrista, mais seu talento se revela; mais é pianista, mais compositor de uma sensibilidade notável”.

“Quando um dia se tiver de escrever a história do rádio pernambucano, o nome de Antônio Paurílio não poderá esquecer-se de modo nenhum; a menos que se cometa uma grande injustiça, uma inominável injustiça. Porque, transferindo-se de Alagoas para Pernambuco, deu e está dando tudo quanto possui de intelecto e de alma para a grandeza de nosso rádio”, concluiu J em sua coluna Rádio.

A sua passagem pela Rádio Difusora de Alagoas também é lembrada com carinho pelos que conviveram com ele.

Em Maceió, uma praça no bairro do Pinheiro foi denominada, em 7 de fevereiro de 1983, como Praça Maestro Antônio Paurílio.

10 Comments on Antônio Hugo da Silva, o boêmio maestro Antônio Paurílio

  1. Alaim Paurilio de Lucena // 14 de julho de 2020 em 03:30 //

    Meu saudoso tio, Antonio Paurilio

  2. Plácido Ferreira do Amaral Júnior // 14 de julho de 2020 em 05:09 //

    Meu avô materno. Deixou um acervo de mais de trezentas composições (letra, música e partitura) inéditas, num baú, em que um temporal causador de uma enchente em Maceió, destruiu. Uma pena…
    Um nome dourado da época de ouro do rádio nordestino e nacional que não teve o devido reconhecimento em vida e principalmente depois dela. Nada porém que impeça o grande orgulho que todos da família temos em relação ao seu nome, sua vida e sua obra.

  3. ELZO JUVÊNCIO DE Araújo Júnior // 14 de julho de 2020 em 14:06 //

    Muito bom trabalho de resgate da nossa história parabéns

  4. Myrna Nunes // 14 de julho de 2020 em 14:21 //

    Meu saudoso vizinho, eu ficava pendurada na janela de sua casa ouvindo-o tocar piano.

  5. ROLAND BITAR BENAMOR // 19 de julho de 2020 em 01:47 //

    Antônio Paurílio era o pianista que, na Rádio Tamandaré do Recife, participava em minha companhia (LOCUTOR e ANIMADOR do programa transmitido diretamente do prédio do Diário de Pernambuco, no centro do Recife, das 12 às 14 horas e não diretamente dos estudios no bairro da BOA VISTA.

  6. KARLA CARDOSO // 9 de maio de 2021 em 23:24 //

    Antônio Paurílio, meu tio avô, irmão de minha avó materna Olga Paurílio, também uma excelente pianista, q dava aula de piano nas casas de seus alunos, para sustentar seus três filhos, Ronaldo, Rivaldo e Renilde (minha mãe), todos já desencarnados. Sinto muito orgulho das minhas raízes. Família rodeada de talentos.

  7. Ticianeli // 10 de maio de 2021 em 08:00 //

    Karla Cardoso, acrescentei suas informações ao texto. Obrigado pela colaboração.

  8. Maria Norma // 13 de julho de 2021 em 14:44 //

    Dona Olga Paurílio foi minha professora de piano. Criatura maravilhosa, excelente pianista e inesquecível para mim. Sempre toco com reverência e saudade a composição Ansiedade de seu querido irmão Antônio Paurílio.

  9. Tio Toinho. Visitava ele com meus pais. Francisca paurilio e lucena No apartamento na jatiúca. Via ele sentado no piano com várias partituras. Sempre animado e alegre. Era moreninho e baixinho .

  10. Antônio Hugo Paurilio Pinheiro // 30 de julho de 2023 em 20:17 //

    Sou neto de Antônio Paurilio, filho de Tereza Dea Paurilio Pinheiro, moro em Brasília e me orgulho muito do meu avô

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