Os antigos blocos carnavalescos de Maceió

Publicado no Diário de Pernambuco de 15 de fevereiro de 1953

Banda que animou o Carnaval de 1929 em Maceió

Félix Lima Júnior

MACEIÓ, fevereiro — Jamais deixaram de aparecer no carnaval maceioense clubes e grupos carnavalescos, alguns antigos, com mais de 50 anos, outros mais novos, todos porém, animados e compostos de verdadeiros foliões, dispostos a festejar e honrar o deus Momo.

Bloco Carmélias e Japoneses, da Cambona, em 1906, foto de Luiz Lavenére

Clubes das Pás, do Sururu, dos Morcegos, Vassourinhas, Vulcão (dos soldados da Polícia Militar), Tromba D’água, Botafora, Cara Dura, o grande herói fundado em 1900, ao findar o século XIX, Ciganinhas do Major (o Major era Bonifácio Magalhães da Silveira, presidente perpétuo da República da Alegria, em Bebedouro), Dobradiças, Fechadura (de praças do 20º Batalhão de Caçadores), Lenhadores, Ciganas, Abanadores, Garças Brancas, Cambinda de Ouro, Ciscadores, Estrela D’alva, Cavalheiros dos Montes (sic), dirigido pelo Rás Gonguila, Mosquitinhos, Maracatus do Dão, do Diogo e outros mais.

O Clube das Feras, que saiu na primeira década deste século [XX], foi organizado pelo major Lobo, administrador da Casa de Detenção. Certo ano nele exibiu Chico Barbeiro conduzindo enorme dragão; no outro carnaval apareceu novamente com um sapo enorme, feio, repulsivo, preso por uma corrente e guardado por dois homens fantasiados e armados de lanças. Esse clube saía da rua do Jogo, hoje Voluntários da Pátria, sendo sempre bem recebido e muito aplaudido.

Além desses clubes formavam-se grupos familiares que assaltavam as casas dos amigos. Uma das mais visitadas era a do dr. Luiz Eugenio da Silveira Leite, um velho sobrado da rua da Boa Vista, junto do prédio ao prédio onde está presentemente a Delegacia dos Comerciários. Máscaras antigas e outros símbolos carnavalescos enfeitavam a sala de visitas onde se dançava até de madrugada.

Bebia-se, brincava-se, sendo figura infalível o professor Agnelo Barbosa, que nessa época do ano nem parecia aquele severo mestre do 15 de Março… A meia-noite serviam filhoses com mel, massapão, sonhos, bolo de bacia, café, vinho do Porto ou de jenipapo, licor de leite ou de tangerina.

Os foliões saiam lambendo os beiços, lembrando-se dos filhoses, somente preparados pelo carnaval. Nos dias que correm poucos se servem de filhoses, preparados em 4 ou 5 casas somente. [Filhoses são bolinhos de origem portuguesa].

Creio que foi em 1915 que surgiu o Clube das Óperas, dançando em residências familiares e na Fênix. Fundado na casa de D. Mocinha Moeda, se compunha de elementos destacados da sociedade alagoana. Lá estavam Ceci e Peri, Fausto e Margarida e outras figuras conhecidas.

Jessie Lavenère, Edith Lavenère e Ruth Guimarães do Clube das Japonesas no carnaval de 1910. O Malho. Foto de Luiz Lavenère

Vindos de Bebedouro ou do Bom Parto, do Farol ou do Trapiche, da Pajuçara ou do Pontal da Barra, em bondes da CATU ou a pés, acompanhados de grande número de entusiastas, os clubes entravam na praça dos Martírios, no domingo gordo, entre 4 e 6 da tarde. Paravam em frente ao Palácio do Governo, obrigatoriamente, para a clássica meia lua em homenagem à mais alta autoridade do Estado. Depois, puxados pelas orquestras, saiam a percorrer as principais ruas, parando na porta das casas dos sócios honorários.

Quando se encontravam dois clubes cruzavam os estandartes. Se eram rivais, porém, esses encontros e cruzamentos geravam conflitos, alguns bens graves, com intervenção da polícia, indo alguns foliões terminar na Santa Casa de Misericórdia, nas grades da Detenção, ou no cemitério. Foi o que aconteceu, certo ano, com os Morcegos e os Caraduras.

Cada clube tinha seu porta-estandarte bem fantasiado, que fazia passos e requebros; morcegos com apitos e enormes asas; dois balizas, com seus bastões fazendo piruetas incríveis; quatro ou cinco tocheiros conduzindo enormes mexeriqueiros de folhas de flandres, presos em pontas de varas, os quais só se acendiam nas ruas não iluminadas; dois cordões de homens e mulheres, em fila indiana, além do Rei, da Rainha, do papai velho, com barba branca e um cortejo a orquestra, com maior ou menor número de músicos dependendo do que fora apurado no comércio e entre os admiradores e sócios mais abonados; e o acompanhamento de partidários, admiradores e curiosos.

Alguns clubes, além do estandarte do ano, exibiam os dos períodos anteriores, todos ou quase todos de finíssimo tecido, seda ou gorgorão bordado a ouro e lantejoulas.

Em março de 1916, à tardinha do domingo, desfilou o clube Sururu, cantando uma canção, letra do dr. Virgílio Guedes e música do maestro Benedito Silva, Benedito Pistom, como era conhecido.

Lavador

Rapaziada,
Tão animada.
Vinde comigo Lavar
O nosso amigo,
Sururu!

Coro

Força no braço,
Muita firmeza
Muita destreza,
Desembaraço!

Não precisa se aprender
Nem se cansar
É só mexer
E remexer
Até lavar!

Sururu

Vou embora pra lagoa,
Vou cair no lamaçal,
Levando oculto na casca
Saudades do carnaval!

O Sururu, do qual era presidente o sr. Joaquim Moreno, funcionário postal, era composto quase que de colegas do presidente: João Aristides da Silva, Henrique Brederodes Reis Lisboa, Francisco Rezendo Veloso, que era o tesoureiro e ainda vive [em 1953], aposentado, no Rio de Janeiro. Entre os poucos estranhos aos Correios figurava Luiz de Carvalho, comerciante proprietário da Tipografia Alagoana.

Para musicar suas canções, o Sururu pagou ao Benedito Silva a quantia de 50$000, uma pequena fortuna para a época.

O Botafora apareceu, pela primeira vez, inesperadamente, sem qualquer aviso ou reclame, num domingo de carnaval, às 9 da manhã. Era um arranjo e pegou. Foram sócios fundadores José Pereira Caldas, Waldemar Loureiro Bernardes, Eurico Coelho da Paz, funcionário da Recebedoria Central, em Jaraguá; João Câncio Melo, negociante, e Nelson da Silva Jucá, funcionário estadual.

Arranjaram mais uns companheiros mascarados, enfiados em roupas velhas e estragadas, e saíram sem orquestra, batendo em latas, gritando, fazendo algazarra, cada um conduzindo um urinol velho na mão direita.

O porta bandeira levava o estandarte feito de pano branco, ordinário, no qual fora escrito o nome do novo clube. Foi um sucesso! Por onde ia passando aderiam os irmãos da opa e os mais destacados oficiais do glorioso 44 Espada D’água.

Entravam em todos os bares e grande foi o consumo da branquinha, cerveja. Depois de meio dia, bem chumbados, alguns cantavam como nos áureos tempos de Pedro II, no Rio de Janeiro, segundo certo cronista carioca:

Viva o Zépereira
Que ninguém faz mal!
Viva a bebedeira
Nos dias do carnaval!

Enquanto outros berravam, como sempre ouvi em Maceió:

Viva o Zépereira
Viva o carnavá!
Viva o Zépereira
Que saiu a passeá!

Nos anos seguintes o Botafora foi melhorando até que nele ingressou notável folião e bom músico, Durval de Freitas. Arranjou-se então a vibrante marcha Vou botá fora, que se tornou o hino oficial do clube.

Nos domingos de carnaval quando ele surgia, às 10 horas, na rua do Livramento, vindo da sede no parque Rodolfo Lins, passando pelo Comércio, qual era o folião que ficava em casa? No relógio oficial o frevo, o passo, a loucura não eram deste mundo…

Debaixo de um Sol senegalesco, calor de rachar, suados, sujos, fedorentos alguns, outros puxando 90 quilômetros a hora, todos ou quase todos de braços dados a morenas e loiras, pretas e mulatas, altas e baixas, gordas e magras, feias e bonitas, sem preconceito de classes, numa verdadeira democracia, filhos de usineiros e operários, comerciários e bancários, ricos e pobres se divertiam como só se pode fazer pelo carnaval!

Foi o Botafora, sem favor, o mais popular clube de Maceió, em 1930 a 1945, quando — podemos dizer: — havia carnaval animado na capital alagoana.

*Publicado no Diário de Pernambuco de 15 de fevereiro de 1953. O título é da editoria do História de Alagoas.

…..

Maurício Malta, em um comentário desta postagem, oferece contribuição importante para o texto de Félix Lima Júnior, reproduzindo a letra do frevo “Vou botá fora”, de Olavo de Campos Mendonça com música de Américo de Castro.

Viva a suprema folia
Tristeza que vá embora
O que não for alegria
vou botar fora, vou botar fora.

A dor, a fome, a tristeza
Todo o mal que se deplora
da vida a torpe aspereza
vou botar fora, vou botar fora.

O carnaval nos encanta
O carnaval está na hora
Porque no frevo se canta
Vou botar fota, vou botar fora.

Acerta o passo, morena.
Acerta e vamos embora
Vamos acabar, ai sem pena
No Botar Fora, no Botar Fora

7 Comments on Os antigos blocos carnavalescos de Maceió

  1. maria aparecida // 3 de fevereiro de 2020 em 21:53 //

    Esse material é uma relíquia!Parabéns!!

  2. Já conhecia esse texto, mas ficou mais interessante pelas fotos.
    Grande trabalho!

  3. Octavio Menezes // 4 de fevereiro de 2020 em 18:08 //

    Meu avô era músico, inclusive existe um LP de 1979 (ALAFREVO 1979), onde no mesmo tem uma composição dele, maestro tocava na PORTUGUESA. Conhecido a época como “Mestre Octavio”.

  4. FERNANDO THEODOMIROO LIMA // 6 de fevereiro de 2020 em 15:38 //

    Excelente presente. De parabéns o “historiador” que nos brindou com essa viagem de retorno ao passado que não volta mais. Abraços mil Ticianeli.

  5. Mauricio Malta // 8 de fevereiro de 2020 em 21:11 //

    Editei junto com uma prima Malta da Mata Grande ( Regina de Campos Mendonça Morais) o livro de poesias de Olavo de Campos Mendonça com o titulo de “Vou Botar Fora”. O livro descreve o modos de vida do autor da letra do frevo “Vou botá fora”, que aqui transcrevo: “Viva a suprema folia/Tristeza que vá embora/ O que não for alegria/vou botar fora, vou botar fora.- A dor, a fome, a tristeza/ Todo o mal que se deplora/ da vida a torpe aspereza/ vou botar fora, vou botar fora. – O carnaval nos encanta/ O carnaval está na hora/ Porque no frevo se canta/ Vou botar fota, vou botar fora.- Acerta o passo, morena./Acerta e vamos embora/ Vamos acabar, ai sem pena / No Botar Fora, no Botar Fora – Musica de Américo de Castro e letra de Olavo de Campos.

  6. Caro Maurício, tomei a liberdade de acrescentar suas informações no final do texto de Félix Lima Júnior.

  7. humberto firmo // 13 de fevereiro de 2021 em 10:06 //

    Ótimo resgate textual. Ticianeli, parabéns!

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