O pai de Deodoro, revolucionário
Publicado na revista Vamos Ler! de 15 de setembro de 1938

Por Romeu de Avelar

Escritor Romeu de Avelar
Ainda estava vivo, como uma brasa, mal dormida sob as cinzas, o ressentimento dos patriotas alagoanos escapos ao decreto sinistro do Conde dos Arcos que afogou em sangue a bandeira emancipadora e o lar inocente dos campeões da nossa liberdade política.
Estamos já em 1822, cinco anos depois do tremendo martirológio de 17, e a ideia mater nacionalista não se extinguira nas províncias do norte. Em Pernambuco como que se havia cristalizado no ar as últimas palavras quentes e concitadoras dos seus grandes mártires.
Na pequenina província das Alagoas, já então desligada da histórica e valente capitania pelo decreto especioso de D. João VI, a onda subterrânea de um movimento perigosamente nacionalista toma vulto, cria raízes nos espíritos reacionários por natureza.
É a abdicação de D. Pedro I e, por conseguinte, a desobediência às cortes de Lisboa que faz esse tumulto. Mas o governador Melo Povoas, como português que é, não pensa assim. Faz as câmaras e o funcionalismo reiterarem a sua submissão a Portugal.
A corrente revolucionária, então, distende os seus elos poderosos. O sentimento popular incendeia-se, exalta-se em pruridos quase desvairados. Alagoas é a primeira província que se rebela contra a metrópole. Quer um governo puramente brasileiro e que sejam demitidos sumariamente todos os funcionários portugueses, civis e militares, e embarcados para Portugal.
A junta é radicalista: manda ainda um emissário ao Rio para atestar a D. Pedro os sentimentos de fidelidade da terra das Alagoas, reconhecendo-o como único representante do poder executivo da Nação Brasileira. Entretanto, a vassalagem portuguesa, recebendo ordens secretas de Portugal, procura minar a nossa soberania.
São Miguel dos Campos, a humilde e valorosa vila das Alagoas, revolta-se contra o procedimento dos militares lusos.
É quando surge à frente do movimento revolucionário uma figura inconfundível de alagoano brioso, que leva por diante o fogo sagrado da revolução. Chama-se Manoel Mendes da Fonseca e é capitão de 1ª companhia do batalhão de caçadores aquartelado em Maceió. O pai de Deodoro da Fonseca, do grande marechal que 67 anos mais tarde seria proclamador da República, foi o primeiro alagoano que deu o primeiro grito de independência na sua terra natal.

Marechal Deodoro, antiga alagoas, em foto do início do século XX
Manoel Mendes da Fonseca é o varão de uma família humilde e honrada, um homem de fibra. Os seus conterrâneos, conhecendo-lhe a probidade e o valor, seguem-no magnetizados, esquecidos do espetro medonho que encheu de luto em 17 as duas províncias.
A abdicação de Pedro I fermentava cada vez mais o ódio nos lusófobos. Já estava no governo o Visconde da Praia Grande, que faz uma proclamação aos alagoanos, avisando-os de que o Imperador do Brasil é D. Pedro II. Mas o povo quer que o Conselho Geral limpe o funcionalismo e o exército de todo elemento português. E é Manoel Mendes da Fonseca o conselheiro.
Alagoas inteira espera ansiosa a deliberação do grave soldado. Ao outro dia, 2 de maio, o Conselho delibera as demissões do comandante das armas Samuel Furtado de Mendonça, do comandante do 4º corpo de artilharia montada, João Eduardo, e dos tenentes-coronéis Joaquim Antonio de Almeida Pinto e José Dias da Costa, respectivamente comandantes do batalhão nº 50 de 2ª linha e da bateria de São Pedro; e que os juízes de paz exerçam toda a vigilância sobre os empregados portugueses civis, militares e eclesiásticos, assim como os europeus que chegassem de fora.
Manoel Mendes da Fonseca foi, pois, quem, em Alagoas, incitou a aclamação do regente do Brasil D. Pedro II, concorrendo, assim, para a mudança do nosso estado colonial para o de nação livre.
Mas não fica aqui somente a atividade patriótica do forte tronco da bela e frondosa árvore dos Fonseca.
Estamos agora em 1839, Silva Neves é o presidente da província de Alagoas e prepara a transferência da antiga capital alagoana para Maceió. A ordem imperial vem da corte para que o presidente ponha o cumpra-se. Cento e seis pessoas fazem uma representação a Silva Neves para que não cumpra a ordem do governo geral. Mas o presidente não transige e fez a mudança da Tesouraria da Fazenda para Maceió.
Surgem os oradores de praça pública que chamam o presidente de inimigo do povo. Logo a multidão invade os quartéis e mune-se de armas. O presidente faz prisões e demite funcionários. Isso, porém, acirra ainda mais os ânimos.
Manoel Mendes da Fonseca é agora major e exerce o cargo de juiz de direito.
O povo continua exaltado. Falta somente um homem para acender aquele estopim. Na manhã de 29, quando o presidente Neves abre a janela do palácio, vê o major da tropa de linha, Manoel Mendes da Fonseca, falando aos soldados e concitando-os para que o sigam.
Neves não compreende, de improviso, a situação, e pergunta ao destemeroso militar o que deseja. Este, porém, não lhe presta ouvidos. E quando o presidente lhe pede que venha falar-lhe, Manoel Mendes da Fonseca ergue as vistas para a janela do palácio e diz-lhe arrogantemente que já não era mais tempo de falas, e com todo o sangue frio, lembra-lhe que deve expor-se tão abertamente ao povo. E, ato contínuo, o pai de Deodoro declara o presidente preso em palácio.
Manoel Mendes da Fonseca, embora não tenha sido vitorioso nessa empresa, ficou entretanto com o sentimento do povo. A sedição fracassou porque não teve o apoio das vilas centrais.
O prestigioso militar foi demitido das funções de juiz municipal e enviado preso para a fortaleza de Santa Cruz, no Rio. Mas não foi sozinho; acompanharam-no a sua destemida e patriótica esposa Rosa da Fonseca e os seus filhos gloriosos.
Finalmente um conselho de guerra o absolveu. Reformado em tenente-coronel, ainda sobreviveu vinte anos, cercado do respeito e admiração dos seus conterrâneos, legando ao Brasil um punhado de autênticos heróis.
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