Giovanni Puzzi, o engraxate italiano matador de catenga
Félix Lima Júnior e os tipos populares de Maceió. Publicado no Boletim da Comissão Catarinense de Folclore, nº 23 e 24 de 1957 e 58, mas escrito em maio de 1956, em Maceió.
Félix Lima Júnior
Era um engraxate italiano que viveu em Maceió no fim do século passado, mais ou menos. Naquela época muitos engraxates e a maioria dos sapateiros eram patrícios de Vittorio Emanuele.
Dominavam o comércio de calçados, sendo o grupo principal o da família Gazzaneo, da qual resta ainda o Luizinho, gordo como ele só.
Giovanni era pau d’água de primeira classe, bebendo sem conta, vivendo sempre embriagado, dando de quando em quando formidáveis surras na esposa, que gritava como uma desesperada, forçando a intervenção dos vizinhos.
Certo dia ouviram gritos na casa, que estava trancada. Era o sapateiro:
— Eu mato! Mato esta danada!
Juntou gente. Os vizinhos correram. De certo o italiano, que bebera demais alguma “azuladinha” especial, fabricada em Coruripe, tinha batido na mulher e estava se preparando para matá-la.
Uns queriam ir chamar a Polícia; outros, céticos, diziam que a polícia não chegaria e se chegasse, demorando mais do que os carabineiros de Offenbach, a pobre senhora já estaria prestando contas a Deus dos seus pecados na terra.
E enquanto discutiam o Giovanni, dentro do casebre, gritava cada vez mais forte:
— Mato! Mato esta danada!
Resolveram, afinal, arrombar a porta. Dois ou três homens, dos mais fortes e dispostos, jogaram a porta para dentro, porta que, felizmente, era velha e mal pregada.
Entraram mas na sala de visitas, nos dois quartos e na sala de jantar, nada encontraram. Na cozinha, afinal, deram com o italiano, bêbedo como ele só, de pé, grande e afiada faca de sapateiro na mão direita, enquanto a esquerda mantinha presa, pela cauda, na parede, uma enorme lagartixa. E gritava:
— Mato esta danada ! Mato!
Saíram todos às gargalhadas…
Não encontraram a esposa do ébrio. Ela, ao ver o marido bêbedo, já muito “tocado”, pegar numa faca e gritar que matava, não quis saber de quem se tratava e deu às de villa Diogo, por segurança… Só apareceu no outro dia, depois de ter ele curtido a carraspana.
Sobre o Giovanni o padre Júlio de Albuquerque, vigário de São Miguel dos Campos e meu distinto amigo, escreveu-me carta datada de 22 de outubro de 1953 (eu incluíra o engraxate italiano entre os tipos focalizados num artigo publicado, no Jornal de Alagoas, de 18 daquele mês), contando o seguinte episódio:
Giovanni, irmão da opa, de longa data, tomou um dia uma das suas formidáveis carraspanas e caiu no largo dos Martírios, em frente à igreja, entre as jurubebas e mussambês que o enfeitavam.
Caiu perto de um mastro que fora colocado para se hastear a bandeira da festa de Bom Jesus dos Martírios, ainda hoje falada.
No largo, além de galinhas e porcos à solta, muito mato e muita lama. Por ocasião da festa é que o limpavam, cobriam a lama com areia da praia, enfeitavam com bandeiras.
Armavam-se os palanques onde iriam tocar as músicas dos Artistas e da Minerva, numa rivalidade somente depois sobrepujada pelo foot-ball, quando CRB e CSA jogavam na atual praça General Góes Monteiro [Praça do Centenário]. Nessa ocasião viam-se o Cosmorama, o cavalinho do Petronilo, tomava-se gengibirra da “Casa Inglesa”.
Giovanni, depois de ter curtido a carraspana, despertou ainda meio desorientado, julgou estar perdido numa selva selvagem, na “jungle“, e apavorado, gritou chamando o velho Martins Ferreira, português que explorava uma padaria no princípio da rua do Comércio, bem perto do templo:
— Martin, me cuda! Me cuda, Martin, que eu tá perdita!
Pessoas que iam passando tiveram pena do devoto de Baco e o levantaram conduzindo-o, enlameado, ainda gingando por efeito da caninha, até sua residência. No largo ficaram, porém, a caixa de engraxar, as escovas, o pano de lustrar…
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