Beato Francisco de Jesus, o Antônio Conselheiro de Matriz de Camaragibe

Uma década após Antônio Conselheiro e Canudos serem derrotados pelo Exército brasileiro, surgiu em Matriz de Camaragibe, Alagoas, um beato que passou a preocupar os proprietários de terra da região.

Uma carta assinada por “M. de L.” endereçada ao jornal Gutenberg e publicada na edição de 22 de março de 1908, chama a atenção das autoridades para uma “gravíssima” ameaça.

Eis o seu conteúdo:

Srs. Redatores do Gutenberg. — As minhas saudações. Somente um assunto gravíssimo, como é este de que vou tratar, me traria perante vos; mas como trata-se da segurança de uma zona por excelência trabalhadora e, conseguintemente, merecedora de proteção, o faço satisfeito.

A umas vinte léguas daqui, no lugar denominado Ferrinha, uma légua de Matriz de Camaragibe, surgiu há uns três meses, vindo não sei de onde, um “enviado de Deus” que dizia chamar-se Francisco de Jesus.

Ao começo, pareceu que o pobre diabo visava apenas conseguir alguns nickeis com que pudesse ir atravessando as agruras da crise atual.

Infelizmente assim não sucedeu: Francisco de Jesus, apesar de sua pouca idade (uns vinte e cinco anos, apenas) e de sua ignorância, pois é um individuo rude, tem conseguido mais do que imaginava.

Não podeis avaliar, srs. Redatores, o temor que se apodera atualmente do numeroso grupo de agricultores que residem naquela zona, pois Francisco de Jesus, à frente de mais de mil e quinhentas pessoas de ambos os sexos e de todas as idades, tem conseguido fanatizá-las com prédicas e sermões em que diz ser apóstolo de Jesus, em que pede castigos, etc.

O seu programa, fora disto, é incerto. Pretende fazer um cemitério, um cruzeiro, para o que arrecada diariamente entre os pobres fanáticos que o cercam. Compreendeis que a ausência destes dois ou três mil braços trabalhadores da faina agrícola, que é a única fonte real daquela zona, tem trazido consequências pouco desejáveis.

Na Matriz de Camaragibe a feira semanal, aliás concorrida, como testemunhei várias vezes, é atualmente uma ficção: os matutos poucas vezes aparecem e, nestas condições começou a subida do preço da farinha, do feijão, do milho e outros gêneros alimentícios, porque bem sabeis srs, Redatores, a falta dos artigos traz inevitavelmente a sua carestia.

Quase que desapareceu dita feira; trata-se agora de explicar-vos o motivo que deu lugar a este grave acontecimento: compreendeis que ela se compõe dos produtos expostos a venda pelas classes pobres e trabalhadoras da zona; retiradas, porém estas e levadas pelo fanatismo para o convívio de Francisco de Jesus, desaparece esta exposição e, inevitavelmente, há desaparecido a feira.

Francisco de Jesus, o beato, a quem os pobres fanáticos (entre os quais se notam pessoas da melhor sociedade camaragibana) chamam ingenuamente — meu padrinho — é um desses tipos em quem se nota, logo a primeira vista, a rudeza de braços dados com a perspicácia — é um homem perigoso.

Infelizmente, srs. Redatores, já não se torna tão fácil a dissolução dos inúmeros fanáticos, dispostos como estão a dar a última gota do próprio sangue pelo sossego e bem-estar do santo homem, e com pesar vos afirmo, ela não se fará sem sangue: um pequeno contingente de 200 ou 300 praças não levará a efeito tal ideia! O que vos posso afirmar é que toda a zona camaragibana se acha aflita, na iminência de uma desgraça inevitável — uma segunda edição da questão do caudilho Manoel Isidoro de Jacuípe que ainda está na lembrança dos pobres camaragibanos, em quem recaíram as consequências do terrível fato.

Urge, pois, uma severa e bem pensada providência da parte dos poderes competentes, que certo a darão se o sr. Secretário do Interior desejar as minhas informações pessoais as darei com o maior prazer pois estou certo de que presto um ótimo serviço à zona agrícola de Camaragibe — composta de homens trabalhadores que precisam mias de sossego e proteção do que de guerras.

Isto que aí fica ordenou-me dizer a minha consciência e os pedidos de diversos amigos meus, proprietários na dita zona, onde ultimamente andei a passeio e cujos nomes poderei declarar, se necessário for. Estou às vossas ordens a ao dispor das altas autoridades do Estado. Sem mais, vosso criado e amigo. — M. de L.

Nos jornais pesquisados no mesmo período, não há mais nenhuma citação sobre tal beato e notícias referentes aos desdobramentos da denúncia.

1 Comentário on Beato Francisco de Jesus, o Antônio Conselheiro de Matriz de Camaragibe

  1. Edmilson Manoel Lins dos // 13 de janeiro de 2020 em 22:16 //

    Excelente!

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