Um crime original
Episódio ocorrido na cidade de Alagoas (atual Marechal Deodoro) no ano de 1875, envolvendo o Padre Getúlio Vespasiano Augusto da Costa e o vereador Joaquim Amâncio da Costa Rêgo
Aminadab Valente
A política insidiosa e má procura sempre afastar homens prestigiosos e, momentos há, em que se digladiam no campo da intriga violenta.
No tempo da Monarquia, os partidos Liberal e Conservador viviam em lutas e antagonismos frequentes, aumentados sempre que um deles estava no poder.
Descortinando o belo panorama da lagoa e do canal com sua vegetação de um colorido agradável, pontilhado das velas pandas das canoas, os amigos procuravam uma conversação variada, não esquecendo os acontecimentos políticos relativos à última eleição. As opiniões por vezes divergentes, traziam em foco nomes de eleitores e de políticos derrotados ou vencedores.
O Padre Getúlio ouvia as palestras e se interessava pelo assunto.
— Ontem, na venda do José Sotéro, o Joaquim Amâncio disse horrores de Sua Reverendíssima…
José Luciano, bom músico, conhecido mestre de capela, interessou-se pelo assunto. O Padre Getúlio, entretanto muito calmo, ao ouvir as acusações replicou:
— Eu não “ligo” o que diz de mim aquele cachaceiro!
A palestra animou-se e o Padre repetiu o qualificativo degradante.
Terminada a missa, Joaquim Amâncio era sabedor do ocorrido e esbravejava:
— Vou processar o Padre por ter-me injuriado. Eu não sou cachaceiro!
Sem demora foi à casa dos presentes àquela conversa certificar-se do que já toda a cidade sabia e procurar testemunhas do corrido.
Estes não podiam negar, porque as palavras do Padre foram ditas sem reservas e irritação.
No dia seguinte, perante o Juiz de Direito, Dr. Francisco Luiz Correia de Araújo, foi apresentada queixa-crime esclarecida com pormenores e seguida de um rol de testemunhas, nomes de pessoas qualificadas da cidade. A petição foi assinada pelo próprio queixoso, na qualidade de Solicitador de Causas do Foro e com poderes para advogar.
A notícia do processo não foi bem recebida pelos paroquianos e pelos amigos das partes interessadas, que procuraram uma conciliação com a retirada do dito processo e uma explicação satisfatória.
Nada foi conseguido. O Sr. Joaquim Amâncio repetia:
— O Padre será processado!
E o vigário, por seu turno:
— Ele pagará as custas…
A velha cidade de Alagoas, no entanto, aguardava constrangida o dia da audiência.
Correu o processo, servindo como escrivão o Sr. Afonso de Albuquerque de Melo Pais, Primeiro Tabelião de Notas, do Cível e do Crime. As testemunhas prestaram o seu depoimento confirmativo, sendo depois marcado o dia da audiência, para ser tomado o depoimento do Padre Getúlio.
A sala das audiências estava repleta, nesse dia notando-se a presença do Sr. Promotor Público, Dr. Artur Henrique de Figueiredo Melo e pessoas de destaque.
Depois da qualificação exigida pela lei e de jurarem as testemunhas perante os Santos Evangelhos, foi iniciado o inquerimento do Vigário.
O Dr. Juiz de Direito, cheio da austeridade do seu cargo, perguntou ao acusado:
— O Senhor, na sacristia da Matriz, em presença de várias pessoas, antes da missa dominical, chamou o Sr. Joaquim Amâncio de cachaceiro?
— Chamei e chamo, pois ele é um dos afamados cachaceiros da cidade! — respondeu ainda muito calmo o Padre Getúlio.
— Que provas tem da afirmativa injuriosa?
— Injuriosa, não; comercial — emendou ele.
O Juiz pediu silêncio à assistência porque havia algazarra perturbadora.
— Preciso provar o que afirmo! — apressou-se a dizer o acusado.
De um embrulho retirou uma garrafa rotulada e mostrou-a à assistência.
— Está aqui a prova! Quem faz tamanco é tamanqueiro, quem faz sapato é sapateiro, quem faz chapéu é chapeleiro…
E apontando o lindo rótulo da garrafa que dizia: “Cachaça Especial — Fabricação Especial do Sr. Joaquim Amâncio — Rua de Baixo — Alagoas”, proclamou triunfante:
— É ele mesmo quem diz fabricar cachaça, logo, cachaceiro…
Dessa maneira, na verdade, não houvera intenção caluniosa da parte do Padre Getúlio.
“Publicado originalmente na Revista Mocidade, nº 6, de novembro e dezembro de 1946.
Nossa gostei muito de ler essa matéria, parece que estou lá no passado, já li inúmeras histórias aqui no história de Alagoas, obrigado meu caro Edberto Ticianeli.
Muito interessante Ticianeli, parece histórias de Ariano Suassuna.
É sempre uma viagem ler as matérias por ti publicadas Edberto Ticianele. Parabéns por nós proporcionar conhecimentos destes belos e bons momentos já esquecidos de nossa história. 👏🏼👏🏼👏🏼