Rubens Cerqueira de Araújo, o Caximbau do futebol alagoano

Rubens Cerqueira, Zé Novinho e Dirceu Arruda, antigos árbitros da Federação Alagoana de Futebol

Odilon Araújo Farias e Luiza Cerqueira de Araújo não gostavam de ver o filho na Av. Moreira e Silva a saltar poças d’água deixadas pelas chuvas. Mas era impossível conter o pequeno e inquieto Rubens.

Como era magro e rápido, os outros meninos passaram a compará-lo a um caximbau, um tipo de ziguezigue que também dava voos rasantes sobre a água.

Rubens Cerqueira, o Caximbau

Rubens não gostou da gozação e, com os tamancos nas mãos, correu para bater nos colegas. Foi pior. O apelido pegou e o acompanhou até o fim da vida.

Nascido no dia 7 de maio de 1927 em Maceió, Rubens Cerqueira de Araújo estudou na Escola Industrial de Maceió, hoje Instituto Federal de Alagoas e chegou a trabalhar como camelô no Centro da cidade.

Foi jornalista com passagem pelo Jornal de Alagoas, Correio de Maceió, Jornal de Hoje e Gazeta de Alagoas, onde destacou-se como repórter policial. Fez parte de algumas diretorias do sindicato da categoria.

Em 1963, com 36 anos de idade, escrevia uma coluna sobre as arbitragens de futebol na página de esportes do Jornal de Alagoas, quando foi convidado pelo diretor do Departamento de Árbitros da Federação Alagoana de Desportos, Osman Ramires, a comparecer a sede da entidade. A FAD ficava a poucos metros do jornal, na Rua Boa Vista, terceiro andar do prédio da Imprensa Oficial.

O diretor não tinha gostado de um comentário sobre as arbitragens do Departamento e querendo mostrar que Caximbau não tinha conhecimentos para criticar os árbitros, o desafiou para uma prova sobre as regras de futebol.

“Eu fui lá e me dei bem, errei apenas três perguntas de um total de 30 e o diretor me convidou para fazer parte do Departamento”, lembrou Caximbau.

Começou apitando partidas da Segunda Divisão do Campeonato Alagoano, que sempre ocorriam aos sábados, e alguns amistosos importantes, como ASA 3×2 Penedense, em Arapiraca no dia 1º de março de 1964; ASA 1×1 Propriá/SE, em Arapiraca no dia 24 de maio de 1964 e ASA 1×0 América/PE, amistoso em Arapiraca no dia 31 de maio de 1964, jogo que inaugurou alambrado, pista de corrida, banheiros e concentração do Fumeirão, Estádio Coaracy da Mata Fonseca.

Em 1965, apitou pelo campeonato alagoano Estivadores 1×0 ASA, jogo realizado na Pajuçara, no dia 12 de setembro de 1965. Atuou também como auxiliar (na época era bandeirinha) em vários outros jogos, ao mesmo tempo que cursava a turma inicial da primeira Escola de Árbitros da Federação Alagoana de Desportos, organizada por Cláudio Régis.

O Desastre

Márcio Canuto entrevista Caximbau numa fotomontagem que circula nas redes sociais

Em 17 de novembro de 1964 foi designado para apitar sua primeira partida entre times considerados grandes. Era uma rodada dupla noturna, numa terça-feira, no Mutange. Na partida preliminar o CRB venceu o Globo de Natal por 3×1.

Na principal, o CSA derrotou o Central de Caruaru por 2×0, gols de Jair e Canhoteiro. Rubens Cerqueira expulsou, por reclamação, o atacante Esquerdinha do Central aos 10 minutos do segundo tempo. O jogo foi marcado por muita pancadaria e a arbitragem de Rubens Cerqueira recebeu críticas pesadas.

Ele mesmo não gostou do seu desempenho e explicou que foi relacionado para aquela arbitragem poucas horas antes, quando estava na Gazeta de Alagoas às 17h30. “Ter aceitado aquilo foi a maior besteira da minha vida. Sem experiência e sem tarimba, eu transformei a minha estreia num grande desastre”, lamentou, confessando que no outro dia chegou a avaliar que não tinha capacidade para ser árbitro de futebol.

Cinco dias depois do jogo do Mutange, foi escalado por Orlando Gomes de Barros, para apitar o jogo ASA 5×0 Camaragibe em Arapiraca. Seus auxiliares foram Genésio Seixas e Benedito Loureiro.

Depois passou um tempo na “geladeira”, expressão futebolística indicando que o árbitro não foi mais escalado para apitar jogos.

Caximbau reconheceu que lhe faltava pulso para comandar partidas de futebol e passou a prestar atenção no comportamento de Armando Marques, “que era um juiz que todo mundo dizia que era homossexual, mas que era muito respeitado em campo”.

Depois de algum tempo, quando acumulou mais experiência, resolveu voltar a apitar grandes partidas, desta feita decidido a mostrar autoridade.

“A Lei do Cão”

Rubens Cerqueira sendo entrevistado por Jorge Vilar

Nesse período, para compensar a sua pouca estatura e peso — pesava apenas 47 kg — resolveu cuidar da condição física e passou a correr todos os dias do Farol, onde morava na Av. Moreira e Silva, até o Pontal da Barra.

Esse condicionamento lhe permitiu acompanhar de perto os lances. Mas ficou conhecido mesmo como um juiz durão e rígido. “Eu era a lei do cão, quando sentia que o jogador entrava deslealmente no outro, manda logo pra fora”, confirmou.

A partida que o reinseriu entre os grandes árbitros do futebol alagoano aconteceu no dia 19 de maio de 1968 no Estádio Manoel Moreira, em Capela. Terminou com a vitória do Capelense por 2×0 sobre o CSA.

O jogo era decisivo para as duas equipes e os atletas começaram a exagerar na força. Caximbau expulsou Aranha e Geofonso, do Capelense, e Zé Carlos e Alderico, do CSA. Botou ordem na partida.

No intervalo do jogo, quando o CSA já perdia por 1×0, Caximbau e seus auxiliares resolveram permanecer no centro do campo.

Percebendo que era uma chance de pressionar publicamente o árbitro, o cel. Nilo Floriano Peixoto, presidente do CSA e também comandante da Polícia Militar e Secretário de Segurança do Estado de Alagoas, entrou em campo e se dirigiu ao trio, elogiando o árbitro, mas dizendo que o Capelense estava jogando com um jogador a mais e apontou para um dos auxiliares que estaria marcando impedimentos contra o seu time

“Coronel, se o senhor está chamando o auxiliar de desonesto, o senhor também está me atingindo, porque sou eu quem confirma a marcação da infração. Outra coisa, coronel, o senhor está errado em estar no centro do campo e se insistir em importunar a mim e a meus auxiliares, chamarei a sua própria polícia para retirá-lo do campo”, respondeu Caximbau, acrescentando que a autoridade franziu a testa demonstrando desagrado, mas voltou para a área reservada ao CSA.

No dia seguinte, Nilo Floriano Peixoto tratou de elogiá-lo em um encontro casual na sede da FAD. Aproveitando a oportunidade, também quis saber se o árbitro chamaria mesmo a polícia pra retirá-lo. Caximbau disse que chamaria sim e que se a Polícia Militar não executasse sua ordem, encerraria a partida por falta de segurança.

Reconhecido pelo seu bom desempenho em campo, Rubens Cerqueira voltou a ser escalado para grandes partidas e ainda no campeonato de 1968 dirigiu CSE 3×0 CSA, no Edson Amaro em Palmeira dos Índios no dia 2 de junho; CRB 2 x 1 CSA, na Pajuçara no dia 9 de junho; e CSA 2×3 CRB, no Mutange no dia 1º de setembro.

A bandeirada

Élio Lessa ou Lauthenay Perdigão (pífe), Reinaldo Cavalcante (zabumba), Ailton Villanova, Caximbau, Florêncio Teixeira, Ramos Teixeira (pífe), Esdras Gomes (tarol), Lima Neto e Ronaldo Oliveira na festa de inauguração dos transmissores da Rádio Gazeta em 1963

Não foram raros os momentos do futebol alagoano em que uma “autoridade” insatisfeita com o andamento da partida agrediu o árbitro. Isso exigia destes profissionais determinação e coragem para não serem influenciados por ameaças. Surpreendentemente, era o que não faltava nos “47 quilos” de Rubens Cerqueira.

O jogo era CSA x Canavieiro, time que passou a representar, a partir de 1972, o município de Capela, graças a iniciativa do ex-jogador Zé Cláudio.

A partida, que fazia parte de uma rodada dupla no Trapichão, deveria acontecer no domingo, 12 de junho de 1977, mas foi antecipada para o sábado (11) por causa de um jogo da seleção brasileira. Depois sofreu nova alteração sendo transferida para a quinta-feira (9). O motivo: a utilização da capela do estádio para um casamento naquele sábado.

Apitava Juarez Inácio e o CSA perdia por 3×1, quando o atacante Zequinha, do time do Mutange, foi expulso. Dagoberto Calheiros, que era vice-presidente de Futebol do clube e tinha assumido como técnico, invadiu o campo para agredir o árbitro.

No estádio, o público de 1.592 torcedores viu o auxiliar Rubens Cerqueira correr em socorro de Juarez Inácio. Segura de lá, segura de cá e as ameças continuavam, com o dirigente azulino dirigindo palavrões ao trio dirigente da partida.

Caximbau resolveu rebater as agressões e as devolveu a Dagoberto, que iniciou um movimento para agredi-lo fisicamente. A reação do auxiliar foi rápida: esquivou-se do golpe e aplicou uma “bandeirada” na orelha do mandatário azulino, provocando-lhe sangramento.

Caximbau participou ativamente do Sindjornal. Foto José Ronaldo

Mesmo ameaçado de morte pelo temido Dagoberto Calheiros, Caximbau compareceu à FAD na manhã seguinte para apresentar a súmula da partida. Mas tomou o cuidado de se armar com um revólver.

Percebendo a presença do agredido na sede da entidade, Caximbau resolveu ir embora e quando se aproximava do Volkswagen de um amigo foi abordado por Dagoberto, que de arma em punho o desafiava: “Vamos decidir de homem para homem”.

Mesmo segurando sua arma no bolso, Caximbau percebeu que não teria chance de reagir. Disse que não estava armado e que assim não enfrentaria o oponente. Dagoberto guardou a arma na cintura e nesse momento o árbitro pulou para trás do automóvel e sacou de seu revólver.

Dagoberto tentou segurá-lo e no movimento deixou cair sua arma. Quando se voltou para apanhá-la, ficou de costas para Caximbau, que somente não atirou por intervenção de um amigo. “Graças a Deus nessa hora apareceu o ‘Cabelinho’, Walfredo Oliveira, que disse ‘Caximbau, pense na sua família, vamos sair daqui’. Fui embora e nunca mais encontrei o Dagoberto”, disse Caximbau em depoimento a Lauthenay Perdigão.

Professor Caximbau

Após 22 anos atuando como árbitro de futebol, Caximbau “pendurou” o apito em 1985, mas continuou ligado à profissão, exercendo a função de professor da Escola de Árbitros da FAD por muitos anos.

Em suas aulas, lembrava das dificuldades que teve em “segurar” jogadores como Ditão (CSA) e Ademir (CRB), considerados por ele como os jogadores mais violentos que viu atuar. Ditão tentou agredi-lo no Trapichão após receber um cartão vermelho em uma partida em que o CSA enfrentava o São Domingos. Na corrida, Caximbau ganhou disparado do zagueiro azulino.

O inusitado desse episódio foi lembrado por Adriano Argolo, filho de outro árbitro famoso, Pelópidas Argolo. No dia seguinte à tentativa de agressão ao Caximbau, a radialista Odete Pacheco foi ao Mutange tomar satisfação com o Ditão. Na época havia o comentário que ela tinha ido armada para conversar com zagueiro valentão.

Família Cerqueira de Araújo

Em seu currículo, Caximbau exibia com orgulho o fato de ter sido o primeiro árbitro alagoano a dirigir uma partida no Trapichão. O jogo foi entre o ASA de Arapiraca, que se saiu vencedor por 1×0, e o CSA.

Era a partida preliminar do jogo entre Cruzeiro, de Belo Horizonte, 1 X 0 Botafogo, do Rio de Janeiro.

O amistoso ocorreu no dia 28 de outubro de 1970, uma quarta-feira, e serviu para inaugurar os refletores do Estádio Rei Pelé, três dias após a inauguração do estádio. O Botafogo recebeu Cr$ 58 mil e o Cruzeiro, Cr$ 60 mil.

Rubens Cerqueira de Araújo casou-se com Ismênia Oliveira de Araújo, com quem teve os seguintes filhos: Max, Robson, Heidelamar, Josete, Ronaldo, Roberto, Rubens e Ailton.

Caximbau faleceu em 5 de janeiro de 2005, aos 77 anos de idade. Deixou uma legião de admiradores e amigos.

6 Comments on Rubens Cerqueira de Araújo, o Caximbau do futebol alagoano

  1. Eliezer Setton // 25 de abril de 2019 em 20:32 //

    Maravilha, mais uma vez arrasando, Ticianeli.
    Viagem no tempo só de boas lembranças.

  2. ROBERTO THEODOSIO BRANDÃO // 26 de abril de 2019 em 09:46 //

    LEMBRO DO CAXIMBAU PERFEITAMENTE. MOREI PERTO DELE NA AVENIDA MOREIRA E SILVA NO BAIRRO DO FAROL. UM JUIZ POLÊMICO E BRABO.

  3. Katia CERQUEIRA // 27 de abril de 2019 em 09:19 //

    Meu tio era um homem de fibra, idoneo e um juiz de pulso forte. Que orgulho ser sobrinha legítima desse homem que deu tanto orgulho a sua terra Natal. Saudades!!!

  4. Vai virar no de Rua do Conj José da Silva Peixoto a Rua k – No projeto Rua Legal da Prefeitura

  5. Muito boa matéria, bons tempos

  6. Caximbau, grande árbitro de futebol, embora um pouco folclórico. Conheci através do amigo Aton, alguns de seus filhos, Airton e Rubens. Gente da melhor qualidade.

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