1892: o ano em que o carnaval carioca foi transferido para junho
Caiu como uma bomba entre os foliões a proposta da municipalidade carioca, apresentada em janeiro, de adiar o carnaval de 1892 para junho. Os festejos carnavalescos daquele ano deveriam ocorrer nos dias 28 e 29 de fevereiro e 1º de março.
A ideia não era nova. Em 1890 foi apresentada ao ministro do Interior de então, dr. Cesario Alvim, que não encampou a iniciativa.
Os defensores da proposta justificavam a mudança por “precaução higiênica”, considerando que o inverno era uma época mais apropriada aos folguedos “por sua natureza excessivas e provadamente inconvenientes durante a quadra calamitosa que constituem os meses de verão nesta capital [Rio de Janeiro]”, explicou o jornal O Paiz.
A proposta, que partiu do intendente municipal, major França Leite, foi aprovada no dia 28 de janeiro e encaminhada ao ministro do Interior do governo Federal para sanção, o que ocorreu no dia 1º de fevereiro:
“Atendendo: que nesta cidade a época do carnaval é no rigor da estação calmosa, e quando as epidemias maior números de vida arrebatam; que sempre depois do carnaval recrudescem extraordinariamente as epidemias reinantes; que assim sendo, é altamente inconveniente a realização dessa festa na época que lhe é designada no calendário pelo que deve ser absolutamente proibida: proponho que se designem para o carnaval os dias 26, 27 e 28 de junho, entre os dias de São João e São Pedro, que são na melhor época do ano, solicitando-se ao ministro do Interior imediata aprovação, publicando-se editais pela imprensa e oficiando-se ao Dr. Chefe de polícia, a fim de não dar licença para a saída de qualquer grupo carnavalesco — França Leite”.
No dia seguinte, alguém que se assinou “Folião”, respeitosamente rebateu os argumentos da autoridade municipal, questionando-o sobre qual a origem do estudo que constatou o crescimento da febre amarela depois do carnaval.
Argumentava o “Folião” que se a aglomeração de pessoas poderia facilitar a propagação de doenças, deveriam também proibir o funcionamento dos teatros, igrejas, academias, colégios e repartições públicas. Citou ainda que em São Paulo e na Bahia haveria carnaval em fevereiro sem problemas.
Ao rebater o argumento do major França Leite que justificava o “tempo frio” como melhor para o carnaval, “Folião” incorre no mesmo erro: “Esses folguedos, trazendo forçosamente a transpiração, no tempo frio, terão como resultado infalível a tísica, a pneumonia, os pleurises e as pleurisias”.
No Jornal do Commercio também houve reação: “É inútil a tal transferência de carnaval, porque este será feito nos salões das sociedades carnavalescas nos dias determinados do mês corrente”.
E completou: “Quem não quiser divertir-se na época marcada (há muitos anos) para o carnaval que não se divirta, mas obrigar-se um povo pacífico, da noite para o dia, a aceitar uma postura contrária aos seus costumes, indica tão somente falta do savoir-faire [falta de tato]”.
Em Maceió, uma pequena nota no jornal Cruzeiro do Norte repercutiu o acontecimento do Rio de Janeiro: “Em consequência do grande calor foram transferidas para junho as festas do carnaval”.
Enquanto o debate ocorria nos jornais e nas ruas do Rio de Janeiro, as sociedades carnavalescas continuavam a cumprir suas programações e no início de fevereiro já aconteciam os primeiros bailes. Os lojistas, que já tinham recebido estoque de mercadorias para este período, expunham nas vitrines as fantasias e demais acessórios para as festas momescas.
Em meio as discussões, a Intendência, que havia aprovado o projeto por unanimidade no dia 28 de janeiro, modificou os dias do carnaval em junho, passando o seu início para o terceiro domingo daquele mês, ou seja: em 1892 seria nos dias 19, 20 e 21.
No dia 6 de fevereiro circulou nos jornais a notícia dando conta que o chefe de polícia havia orientado os subdelegados que “não permitais que, nos dias 28 e 29 deste mês e 1º de março, no distrito sob vossa jurisdição, se exibam pelas ruas sociedades e grupos carnavalescos”. No dia seguinte, um aditamento determinava também a proibição “de máscaras avulsas e outros quaisquer do mesmo gênero”.
Durante o carnaval foi denunciado o “excesso de zelo” da polícia, que visitou as lojas de comércio e obrigou os seus proprietários a retirarem das vitrines as mercadorias ofertadas aos foliões.
As informações nos jornais indicavam que a “transferência” não afetou o carnaval carioca, mesmo não havendo carnaval de rua.
O jornal O Paiz de 29 de fevereiro (segunda-feira de carnaval) comentou que “ainda não se extinguiu o carnaval, apesar de transferido; é que ainda vive e se faz festejado internamente, já que não se pode apresentar à população, triste e sem calor, apesar de muito que proporciona o nosso clima e a nossa má higiene”.
Em meados de junho, dias antes do carnaval transferido, a polêmica sobre a medida continuava. Alguns até tentaram boicotar as festas carnavalescas no período junino.
Pela imprensa da época percebesse que o carnaval extemporâneo não funcionou. Aconteceram os bailes e alguns eventos de rua, mas o frio e a chuva desestimularam os foliões a experimentar a novidade.
No dia 6 de janeiro do ano seguinte, os jornais anunciavam que a próxima reunião ordinária do Conselho da intendência municipal analisaria o Projeto nº 25 visando restabelecer o carnaval em fevereiro. O projeto foi subscrito por 18 conselheiros, “além de outros que são favoráveis a anulação da postura que tão esdruxulamente transferiu o popular folguedo para o mês das coisas frias”, informou O Paiz.
Para alegria dos cariocas, e do carnaval brasileiro, o projeto foi aprovado por ampla maioria.
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