Pilar e a última execução judicial do Brasil
Segundo o historiador Félix Lima Júnior, em seu livro A última execução judicial do Brasil, foi em Pilar, no dia 28 de abril de 1876, que oficialmente se aplicou pela última vez a pena de morte no país.
O executado foi um escravo de nome Francisco, punido por assassinar o capitão João Evangelista de Lima e Josepha Marta de Lima, o casal de proprietários do Hotel Central.
Os crimes aconteceram no final da noite de 27 de abril de 1874 e na manhã do dia seguinte.
Francisco, que era escravo do médico, dr. Joaquim Telesphoro Ferreira Lopes Vianna, contou com a ajuda de outros dois escravos, Prudêncio e Vicente, estes de propriedade de João Evangelista.
O dr. Joaquim Telesphoro, que também seria assassinado, escapou por não ter se deslocado até o Sítio Bonga, para onde deveria ter ido para atender a solicitação de um dos escravos, que alegou falsamente estar Josepha Marta de Lima doente.
Francisco confessou que a primeira vítima foi João Evangelista. O Jornal do Pilar descreve que ele estava na estrebaria do hotel quando foi atingido por uma foiçada na cabeça e que os assassinos lá o aguardavam.
Depois de executarem o patrão, os três jovens negros se dirigiram até o Sítio Bonga, da família do empresário, onde nas primeiras horas da manhã seguinte trucidaram a pauladas Josepha Marta de Lima.
Félix Lima Júnior revela que ouviu do escritor alagoano Carlos Fontes a informação que Josepha Marta, parente de Carlos, “tratava os cativos com excessivo rigor“, e que o marido dela também maltratava os escravos, a ponto de, ao voltar para casa após o trabalho com eles, fazia-os caminhar à sua frente enquanto segurava uma pistola na mão. Felix Lima Júnior caracterizou os crimes como ajuste de contas.
Após os assassinatos, os escravos tentaram fugir, mas sem sucesso. Vicente foi detido em um sítio no município de Marechal Deodoro (AL), enquanto Francisco e Prudêncio escaparam para Pesqueira (PE), onde houve confronto com a polícia. Prudêncio morreu e Francisco foi capturado.
O Jornal do Pilar, de 17 de junho de 1974, ao registrar a tentativa de prisão dos assassinos em Pernambuco, revela que durante a perseguição o comandante da diligência, alferes da Guarda Nacional Manoel Vicente Ferreira Canuto, também foi assassinado por um dos criminosos em fuga.
O Diário de Pernambuco de 23 de maio de 1874 reproduz o informe da Secretaria de Polícia de Pernambuco de dois antes da publicação, confirmando detalhes deste enfrentamento que ocorreu no dia 12 de maio de 1874 num local de nome Cotia, no distrito Cimbres, em Pesqueira, Pernambuco.
Manoel Vicente Ferreira Canuto era o comandante do destacamento do termo de Cimbres e subdelegado daquela vila. Foi ele quem comandou o cerco.
Prudêncio opôs “tenaz resistência” e durante a tentativa de prisão “assassinou ao mencionado subdelegado e a um paisano, que servia de guia à escolta, e feriu a duas praças, sendo morto nessa luta”. Em outra edição do mesmo jornal, o paisano citado como morto surge na relação dos feridos.
“Foram apreendidos em poder de tais criminosos e recolhidos ao competente depósito dois cavalos e diversos objetos de ouro e prata”, noticia o Diário de Pernambuco.
O Diário do Rio de Janeiro de 30 de maio de 1874 também publicou detalhes do episódio.
Informou que no domingo, 10 de maio de 1874, o alferes Manoel Vicente Ferreira Canuto foi avisado por moradores de Pesqueira que dois indivíduos, cujos sinais físicos coincidiam com os dos assassinos do Pilar, haviam cruzado aquela vila em direção a Cimbres. Na passagem, negociaram algumas obras de ouro na casa onde pernoitaram.
Canuto enviou comunicado a Cimbres solicitando a prisão dos indivíduos. Na segunda-feira (11) recebeu a informação que “os criminosos estavam à vista e preparados para tenaz resistência” e que seria preciso reforçar o destacamento do lugar.
Quando chegou em Cimbres na madrugada de 12 de maio, com mais oito praças, Canuto já encontrou Francisco detido. Prudêncio estava cercado em um matagal.
Deslocaram-se imediatamente para o local e às 8h a força pública avistou Prudêncio, que portava uma faca de ponta e um canivete-punhal.
Ao perceber que seria detido, “atirou-se sobre um pobre rapaz que ia servindo de guia, crava-lhe o punhal e, lançando mão de uma espingarda de caça, de que não teve o rapaz tempo fazer uso, dispara-a sobre um guarda nacional que se aproxima, empregando-se a carga de chumbo desde o rosto até as virilhas e ferindo-o gravemente; fere ainda levemente com faca um outro guarda, e, emboscando-se atrás de uma árvore, carrega a espingarda e faz fogo sobre o infeliz subdelegado que se aproximara, erra o alvo, e parte de faca em punho sobre a vítima cobiçada”.
“O subdelegado lança mão do revólver, que não dispara, e é alcançado pela fera quando só tinha para defender-se uma pequena faca; mas ao lançar mão dela recebe a primeira punhalada sobre o peito; fere o monstro, porém recebe a vítima mais quatro, cada uma bastante, para cortar o fio da vida, e talvez o monstro lograsse evadir-se, se não fosse nesta ocasião atingido por um tiro da força que lhe esmigalhou o crânio”.
Toda essa ação não durou dois minutos. O Diário do Rio de Janeiro cita ainda que o confronto teve como resultado “três cadáveres e dois feridos”.
Enforcamento
No início de setembro de 1874 o júri do Pilar condenou à morte Vicente, incurso no art. 1º da Lei nº 4 de 10 de junho de 1835, “por ser escravo das vítimas quando cometeu o crime”, e Francisco, incurso no grau máximo do art. 271 do código criminal, por haver cometido o crime de morte para verificação de roubo”, informou o Diário de Pernambuco de 7 de setembro.
O enforcamento de Francisco aconteceu às 14h do dia 28 de abril de 1876, após ter o seu pedido de revisão de pena negado pelo imperador Dom Pedro II. A data era simbólica: dois anos após a chacina.
Segundo o Jornal de Penedo, o ato executório atraiu muita gente. Outro jornal, o do Pilar, informou que foram mais de 2.000 pessoas. Alguns moradores da cidade preferiram deixá-la naquele dia para não assistirem ao espetáculo macabro.
Francisco chegou à cadeia do Pilar quatro dias antes da execução. Foi transferido do Presídio de Maceió acompanhado de 32 praças comandados pelo tenente do Exército Hermes Correia de Moraes e de um galé (preso submetido a trabalhos forçados), que funcionaria como carrasco.
A forca foi erguida em frente à estrebaria do Sítio Bonga, onde houve o crime, e era formada por dois paus de 25 palmos de altura e de uma travessa.
Antes de ser enforcado, Francisco se dirigiu ao Juiz Municipal e declarou que a pena não fora a mais justa e que Vicente, até então também condenado á morte, era inocente. Este continuava preso em Maceió aguardando a confirmação de sua sentença de morte, o que não aconteceu.
Disse ainda que ia morrer, mas que ninguém devia se glorificar com a sua morte. Assumiu que havia sido um dos assassinos do capitão João de Lima, mas que o fato não se dera como se contava e que só ele e Deus sabiam da verdade.
Foi acompanhado até o local do enforcamento pelo juiz das Execuções, dr. Francisco José da Silva Porto, do respectivo escrivão e do oficial de Justiça.
“Chegado que foi ao topo da escada, dirigiu-se ao centro do patíbulo, torceu o laço, que estava colocado sobre a nuca, para a garganta, disse adeus ao povo acenando com o chapéu, que logo após deixou cair ao chão. Em seguida ajoelhou-se e principiou a acompanhar a um dos sacerdotes que fazia parte da execução, em rezar o credo; nesta ocasião o carrasco vendou-lhe os olhos, e chegado que foi as palavras, vida eterna, desprendeu-se do patíbulo ao simples movimento do carrasco para impeli-lo”, descreveu o Jornal do Pilar.
“Depois o carrasco descendo pela corda, apoiou os dois pés sobre os ombros do condenado, e forcejou por abreviar-lhe a morte, o que reproduziu-se por duas vezes, e foi o mais horrível da cena. Estava consumado o ato”, concluiu o jornal.
O cadáver do executado foi sepultado no cemitério público do Pilar.
Assim ocorreu a última execução oficial por pena capital no país. Vicente, o outro assassino, teve a pena comutada para prisão perpétua.
Fim da pena de morte
Mesmo com a continuação de condenações à morte após este episódio, o imperador Dom Pedro II passou a comutar todas as sentenças capitais, tanto de homens livres como de escravos.
A pena de morte no Brasil foi extinta após a Proclamação da República (1889) com a edição do Código Penal de 1890.
Alguns historiadores relatam que o imperador Dom Pedro II já não via com bons olhos a pena de morte desde o caso que ficou conhecido como a “Fera de Macabu”, quando, em 1852, no Rio de Janeiro, o fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro e sua mulher Úrsula das Virgens Cabral foram acusados pelo massacre de uma família de oito colonos que trabalhavam em suas propriedades rurais.
Coqueiro foi condenado à morte e D. Pedro II negou-lhe a graça imperial. A pena foi executada no dia 6 de março de 1855. Os estudos apontam que este foi o mais trágico erro judiciário da História do Brasil. Coqueiro foi levado à forca no dia 6 de março de 1855, em Macaé, jurando inocência.
Ele revelou para o padre, que ouviu a sua confissão, o nome do verdadeiro mandante do crime, que ele conhecia, mas prometera nunca revelar de público.
O caso da “Fera de Macabu”, de 1847, é citado como o episódio que influenciou o imperador a se posicionar contra a pena de morte.
Até este episódio, praticamente só escravos eram enforcados. Isso pode ter influído na mudança de postura do imperador, que também recebeu pressão dos militantes das causas liberais daquele período da nossa história.
Era crescente a mobilização contra a escravidão e em defesa da República. Os liberais identificavam a monarquia como um poder imprestável e dispendioso.
Prezado Ticianeli,
Mais uma vez, parabéns pela publicação de preciosidades da História de Alagoas.
Quando fui transferido, no final da década de 80 do século passado, da sede da PETROBRÁS no Rio de Janeiro para a sede da atual Bacia de Campos em Macaé foi que fiquei sabendo do que ocorrera com o fazendeiro Motta Coqueiro e os motivos que o conduziram ao enforcamento em Macaé, engendrado por um grupo de pessoas, dentre as quais um juiz da comarca. Ganhei um livro, que relata pormenorizadamente o infausto assassinato de Motta Coqueiro, motivo pelo qual levou o Imperador D. Pedro II, ao conhecer a armação e a verdade, não mais permitir a pena de morte em nossa Pátria. D. Pedro II era humanista, culto, solidário e fraterno, não gostava de ostentação e luxo, e mais democrata do que muitos dos governantes republicanos.
Cordialmente,
Claudio Ribeiro – Casimiro de Abreu, RJ.
Alagoano de Fernão Velho
Parabéns Ediberto ! Mais uma vez viajei na história.
Descobrindo esse espaço agora, e já virei fã do conteúdo, e até da maioria dos comentários, que acrescentam detalhes que enriqueçem o relato.
Caro Ticianele, assisti por alguns anos a réplica do último enforcamento na cidade do Pilar. Ainda hoje, tal espetáculo é relembrado.
Fazenda Hortelã , na cidade de Marechal Deodoro onde o escravo Vicente foi detido.