Costa Rego no folclore alagoano
José Aloísio Vilela
Na vida pública de Costa Rego, há de encontrar sempre o mais severo observador, marcas indeléveis de uma personalidade excepcional.
O exemplo de sua vida será ainda, para muitas gerações de alagoanos, motivo de estímulo e de admiração. É que o jovem pilarense, que muito cedo emigrara para o Rio, havia de se tornar em pouco tempo uma das figuras marcantes do jornalismo brasileiro. Vencera pela audácia e pela inteligência, pela agilidade e pela maneira perspicaz com que encarava os fatos da atualidade.
À escola jornalística a que se filiou e à agremiação política a que se dedicara foram as armas simbólicas de sua luta e de sua vitória.
Secretário da Agricultura do governador Clodoaldo da Fonseca, apesar da inexperiência de seus vinte e três anos, não foi somente o homem que escandalizou os compatriotas tentando fabricar borracha com leite de jaca, conforme a blague de Humberto de Campos.
Por seus trabalhos e méritos, três anos depois, seria eleito Deputado Federal por Alagoas.
A vida parlamentar de Costa Rego havia de ser longa e produtiva e havia de levá-lo, mais tarde, ao cargo de governador do Estado. E sua passagem pelo governo de Alagoas notabilizou-se por uma série de realizações que ainda hoje são discutidas e relembradas.
Mas a verdade é que seu governo, denominado de revolucionário para a época, implantou em Alagoas uma nova ordem de coisa graças a certas medidas drásticas postas em evidência.
O Estado, naquela época, atravessava uma situação das mais calamitosas. Ao lado das precariedades financeiras o descalabro moral e político atingia os mais vastos limites.
A administração pública era difícil de ser equilibrada em vista de embaraços de toda ordem.
Os chefes políticos, cercados de um perigoso exército de cabras criminosos, praticavam absurdos e arbitrariedades O jogo e o furto campeavam em toda linha. Os ladrões de cavalos, então, organizados em coitos poderosos, agiam em plena luz do dia. Cavalo não tinha valor, mas cabresto dava muito dinheiro, como diz o ditado popular.
Para resolver uma situação desta ordem, só fazendo o que Costa Rego fez: meteu alguns chefes políticos na cadeia, prendeu os criminosos que infestavam certas propriedades, perseguiu os ladrões de cavalos e deu fim ao jogo.
Não deixou de praticar algumas violências para realizar esta obra saneadora, mas violências feitas neste sentido não deixam de ser louváveis e justas.
Costa Rego normalizou a situação do Estado e pôde, enfim, executar os grandes empreendimentos de sua administração.
E quem assim governou, só poderia deixar na memória do povo a mais grata das lembranças. Lembranças que haviam de ser recordadas e perpetuadas através de fatos que se fixaram na rocha viva do folclore nativo.
O nome de Costa Rego ficou nas manifestações da poesia popular, aparecendo em quadras, repentes de cantadores de viola, amarrações de cocos, cantigas de Reisado, etc.
Os maiorais do coco não dispensavam o assunto e o famoso Manoel Catuaba assim cantou em Viçosa:
— Viva o nosso
— Governadô
O seu doutõ Costa Rego
É homem de opinião.
Acabou o jogo do bicho.
Botou gente na prisão.
Fês uma limpeza boa
Em criminoso e ladrão
— Viva o nosso
— Governadô
O seu doutô Costa Rego
É homem de cara feia,
Pegou ladrão de cavalo
Botou tudo na cadeia.
Bom ensino pra quem veve
A pegá nas coisa alheia.
— Viva o nosso
— Governadô.
E os Reisados, pelas festas do Natal, intercalavam em suas representações peças que falavam no governador que impressionara por suas atitudes decisivas. E carregavam nas cores fazendo comentários assim:
Com Costa Rego a volta é crué,
Não tem coroné
Tudo vai á madeira,
Em Maceió não é caçuada,
Chega de madrugada
Vai á geladeira.
Seu Costa Rego é quem se garante,
Só dá purgante
À cabra de peia.
Agora mesmo levou de capricho,
Quem jogar no bicho
Morre na cadeia.
A luta de Costa Rego para acabar com o jogo em Alagoas foi das mais duras e das mais violentas. E foi mesmo depois de umas tantas medidas enérgicas que os contraventores se convenceram de que o negócio era sério mesmo. Quando os trens do horário passavam pelas cidades do interior, era grande a curiosidade em ir olhar os jogadores que desciam presos com cartas de baralhos pregadas na testa…
Depois que Costa Rego conseguiu extinguir o jogo esteve em Palmeira dos índios, em casa do Prefeito, e conta-se então um fato pitoresco desta sua viagem. O governador ouvira falar, com muitos elogios, de um poeta popular da cidade, o repentista Francisco Nunes Brasil, apelidado o Rouxinol de Palmeira. Como mostrasse desejo de conhecer o poeta, foi este chamado e fez muitas glosas em louvor de Costa Rego.
Mas Chico Nunes tinha uma grande queixa do governador que acabara com o jogo do bicho. É que ele era um dos cambistas de Palmeira e ficara agora sem meio de vida.
Quem conheceu Chico Nunes bem sabe que ele era um verdadeiro Bocage caboclo, possuidor de muito espírito e autor de inúmeros versos satíricos e fesceninos. O poeta não perdeu a ocasião para fazer uma das suas. Sabia da fama de brabo do governador, mas como ele nesta hora estava de boa maré, rindo-se muito e achando graça em suas rimas, pediu licença para dizer uma glosa, mas antes dizendo que era uma brincadeira e que sua excelência não fosse ficar com raiva Costa Rego deu a licença e Chico Nunes despejou:
Existe um governadô
Que se chama Costa Rego,
Que tomou o meu emprego
Porque o jogo acabou,
Isso me desmantelou,
Pois o destino assim quis.
A sorte me contradiz.
Eu fiquei desmantelado.
Largue de ser desgraçado
Seu Costa Rego infeliz
Uma gargalhada geral coroou a glosa de Chico Nunes. E o governador, sorrindo ainda, contemplou com cem mil reis, que na época era muito dinheiro, o espirituoso Rouxinol de Palmeira.
Chico Nunes foi recentemente focalizado por Mário Lago em um livro de grande repercussão.
Costa Rego manteve também uma luta sem tréguas contra os cangaceiros que de vez em quando surgiam no sertão de Alagoas.
Conta Leonardo Mota, em seu livro “Sertão Alegre“, que Lampião assim teria telegrafado a Costa Rego: — “Eu tou costumado a travessar rio cheio quanto mais REGO…”.
Mas o fato é que o famoso bandoleiro comeu ruim naquela época. Ficaram no folclore alguns vestígios da perseguição de Costa Rego ao rei do cangaço. Diz uma velha peça de Reisado:
Costa Rego mandou um comandante
Com a tropa volante
Andar de déo em déo,
Lampião é a gota serena,
Mas com Zé Lucena
Ele acha o chapéo.
Ao som da “Mulher Rendeira”, cantava o povo naquele tempo:
Ao seu doutô Costa Rego
Lampião mandou dizer,
Que o tenente Zé Lucena
É duro de se roer.
Costa Rego já mandou
Volante para o sertão
Com Zé Lucena na frente
Para pegar Lampião.
Costa Rego em Alagoas
Não protege Lampião,
O que tem pra cangaceiro
Ou é bala ou é prisão.
Alguns anos depois do governo do eminente jornalista alagoano, a coisa arruinou novamente e o povo ao ver umas tantas injustiças, exclamava melancolicamente: — “Se fosse no tempo de Costa Rego…”
Foi ouvindo estas coisas, que um dos nossos grandes cantadores de viola, o negro alagoano Miguel Turquia, improvisou uma noite:
No tempo de Costa Rego
Não havia disso não,
Não se via jogador
Com o baralho na mão,
Não se via pela rua
Tanto sujeito ladrão.
A figura de Costa Rego ficou ainda ligada ao folclore através de lendas, anedotas e expressões populares, inspiradas quase todas em episódios do seu tempo de governador. Reportam-se ao uso da decantada geladeira, a purgantes de óleo de rícino, a aventuras galantes e a outras coisas mais ou menos inocentes…
Nada disso, porém, obscurece a figura excepcional do governador revolucionário cujas atitudes e realizações ficaram na memória do povo, que é a tradição oral, que é o folclore da terra.
* Publicado na Revista da Academia Alagoana de Letras, ano 1. nº 1, dezembro de 1975, Maceió, Alagoas.
Parabéns. Amei saber mais sobre esse grande governador.