Tiroteio do Hotel Bella Vista e o assassinato de Rodolfo Lins em 1935
Em 1934, Alagoas vivia sob a interventoria de Osman Loureiro, indicado por Getúlio Vargas. Estavam em andamento as articulações para as chamadas eleições constitucionais determinadas pela carta de 1934, quando seriam eleitos os deputados que escolheriam de forma indireta o governador do Estado e dois senadores.
CLIQUE AQUI E CONHEÇA A HISTÓRIA DE OSMAN LOUREIRO
Motivado pela posição privilegiada do seu irmão, general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, que tinha assumido o Ministério da Guerra no dia 18 de janeiro de 1934, Silvestre Péricles de Góis Monteiro desembarcou em Maceió no dia 14 de setembro de 1934 como candidato ao governo. Até então ocupava o cargo de Auditor de Guerra do Conselho Superior de Justiça Militar, com honras de tenente-coronel do Exército.
Chegou com a difícil missão de tentar reverter a articulação política que trabalhava a candidatura dissidente do interventor Osman Loureiro, que já contava com a declaração de votos de 18 deputados, representando os derrotados pela Revolução de 30 e que tinham recuperado o poder e queriam continuar nele.
CLIQUE AQUI E CONHEÇA A HISTÓRIA DE SILVESTRE PÉRICLES
Na viagem para Maceió, Silvestre Péricles deu uma entrevista em Salvador, Bahia, anunciando sua estratégia eleitoral: vinha a Alagoas para conquistar o governo, nem que tivesse que reduzir Maceió a montão de sangue e ruínas. O primeiro sinal de que essa disposição era para valer surgiu dias depois da chegada de Silvestre, quando foi anunciada a recepção festiva ao ex-governador Costa Rego, que apoiava Osman.
Surgiu o boato que Silvestre impediria a festa. Preocupados, com essa possibilidade, lideranças políticas ligadas ao interventor comunicaram o fato ao general Góis Monteiro, que respondeu informando que já havia ordenado ao interventor que garantisse a recepção e que não concordava com as atitudes de Silvestre.
Em Alagoas, esperava-se que até o dia 30 de novembro de 1934 o general Góis Monteiro indicasse o seu candidato. Osman Loureiro, no poder, se impunha como candidato natural. Silvestre, por sua vez, achava que representava os Revolucionários de 30 e teria o apoio do irmão general.
Como o ministro da Guerra não se manifestou até aquela data, os 18 deputados lançaram oficialmente o nome de Osman Loureiro como candidato ao governo. Numa eleição indireta, esses votos representavam a maioria absoluta dos 30 deputados. O general Góis Monteiro não gostou da atitude dos deputados, mas deu a entender que não se envolveria em “competições facciosas” e que não prestigiaria “nenhuma candidatura com esse caráter”.
Em fevereiro, outro Góis Monteiro entrou em cena. Edgar de Góis Monteiro, que já tinha sido prefeito da capital, assumiu a chefia de polícia no lugar de Ernandi Teixeira Bastos. Era uma manobra para dividir a clã dos Monteiros.
Com a aproximação das eleições, em março, o general Góis Monteiro perdeu poder e colocou o cargo à disposição de Getúlio Vargas. O seu afastamento só ocorreria no dia 7 de maio de 1935. Mas os reflexos em Alagoas foram imediatos.
CLIQUE AQUI E CONHEÇA A HISTÓRIA DA FAMILIA GÓIS MONTEIRO
Tiroteio no Bella Vista
Os ataques ao governo de Osman Loureiro e à sua polícia, agora comandada por Edgar de Góis Monteiro, são manchetes dos jornais ligados à candidatura de Silvestre Péricles.
O tom das críticas subiu com a chegada de Fernandes Lima para ser candidato a deputado federal do grupo liderado por Silvestre, que lhe saudou na recepção se referindo a Osman Loureiro e seus seguidores como “ladrões e assassinos“.
“[Se] continuarem a provocar-nos e a violar os nossos direitos, então nós outros, os alagoanos de bem, haveremos de defender a nossa causa, mesmo de armas na mão“, ameaçou Silvestre, afirmando ainda que Osman era um “ladrão confesso” e não merecedor de consideração.
Aproveitou para lembrar que ele, quando nomeado interventor. “pediu emprestado ao embarcar no Rio de Janeiro, dinheiro para sua passagem, e hoje em dia é, despudoramente proprietário de dois engenhos“. E concluiu: “Haveremos de reagir, seja como for. Alagoas não sofrerá sem revolta a injúria de ser governada pelos carcomidos, corruptos e pela figura negregada de Osman Loureiro – ladrão, covarde e traidor.”
Esse discurso foi publicado na edição do dia 6 de março de 1935, do jornal “A Imprensa”.
Houve reação dos governistas e às 14h do dia 7 de março de 1935, o chefe de polícia, cumprindo orientação do interventor, intimou os irmãos Delorisano de Moraes e Luiz Moraes (Romeu de Avelar), editores do jornal A Imprensa. Os irmãos Moraes também eram candidatos a deputado para a Assembleia Constituinte Estadual.
Ainda no dia 7, o editor de A Notícia, José Antônio da Silva, também compareceu à 1ª Delegacia de Polícia e foi levado à Penitenciária, onde ficou detido por cinco dias.
Os irmãos jornalistas se recusaram a atender a intimação com o argumento que eram candidatos e tinham imunidades eleitorais, além de saberem das humilhações de ameaças que sofreriam. Na tarde de quinta-feira, dia 7 de março de 1935, telefonaram para Silvestre Péricles no Hotel Bella Vista, onde o candidato estava hospedado, e pediram a sua proteção.
Silvestre ligou para a chefatura de Polícia e falou com o tenente Capella, explicando que o ato era ilegal. Ouviu do militar que ele agiria para anular a intimação. Em seguida, Silvestre recebeu a informação que a sede do jornal A Imprensa estava sendo atacada. Acompanhado de três correligionários, se deslocou de automóvel até a Rua do Comércio, onde encontrou os irmãos Moraes.
Após se inteirar dos acontecimentos, Silvestre liderou uma caminhada pelas ruas centrais da capital até o hotel, acompanhado por um grupo de correligionários e gritando “Morra” ao governo, e incitando a desobediência civil. A manifestação passou em frente à Chefatura de Polícia (ficava onde funcionou até pouco tempo uma agência da Caixa), onde o os apupos foram mais elevados.
O chefe de Polícia, se sentindo desmoralizado com a proteção que seu irmão estava dando aos jornalistas, resolveu prender os dois pessoalmente. Chegando ao hotel acompanhado pelo seu ordenança, cabo Manoel Marques, pelo tenente Sebastião Capella, pelo subdelegado do 2º Distrito da Levada e dos investigadores José Vieira Cruz e Theodoro Espírito Santo, entraram pelo portão do Bella Vista e foram recebidos à bala.
Silvestre Péricles revelou posteriormente em entrevista, que sabendo que um tal de “Bahiano” andava lhe espionando e que tinha sido escalado para matá-lo, não hesitou quando o viu se aproximar da porta do Bella Vista e atirou nele. “Vendo na presença do negro bandido um insulto à minha dignidade, eu, que até então não vira o Edgard, e ouvindo detonações, alvejei o facínora“, declarou ao Diário da Noite do Rio de Janeiro.
No tiroteio que se seguiu, apenas o tenente Sebastião Capella não foi atingido. Edgard de Góes Monteiro recebeu tiros na perna esquerda e no antebraço direito; Theodoro Espírito Santo e Manoel Marques com ferimentos leves e José Vieira Cruz, com um tiro no tórax, foi o atingido mais gravemente.
Cercado pela polícia e pistoleiros, Silvestre recuou para os seus aposentos e quando apareceu no terraço, ouviu seu irmão gritar: “Desce, covarde, para morrer e receber bofetadas”. Respondeu ao irmão: “Sai, Caim monstro. A história registrará o teu crime”, e saiu do terraço para escapar de tiros de fuzil.
A morte de Rodopho Lins
Aproveitando uma pausa no tiroteio, Guedes Quintella, deputado federal Rodolpho Lins e o comerciante e suplente de deputado Adauto Viana, dono da Loja do Povo, saíram para pedir garantias ao comando do 20º BC. Edgard continuou tentando entrar no hotel à tiros, mas foi repelido.
Foi Silvestre Péricles, preocupado com a segurança dos seus correligionários e dos hóspedes, quem pediu que Guedes Quintella propusesse a Edgar que ele estava disposto a se bater com o irmão na Praça em frente ao hotel até a morte. Não houve acordo e novo tiroteio começou, desta vez se estendo a outros pontos da cidade.
O comércio fechou rapidamente as portas. Da Praça dos Martírios, chegava a informação que havia troca de tiros entre correligionários de Silvestre que estava na residência de Baltazar de Mendonça, onde funcionava o jornal O Estado no primeiro piso (esse prédio foi sede da Guarda Civil e de uma agência do Produban), e os soldados que protegiam o Palácio do Governo.
Anos depois, o deputado Mello Motta, que estava na casa do deputado Baltazar de Mendonça ao lado do Palácio do Governo, contou o que viu. “Fomos vítima da mais brutal violência. Durante cerca de duas horas a fuzilaria foi cerrada, vinda do Palácio do Governo, do Alto de Santa Terezinha e dos jardins da Prefeitura“, lembrou Motta ao informar que o grupo de 18 pessoas, entre eles alguns deputados e crianças, não portavam armas. Baltazar de Mendonça avaliou que foram disparados mais de 12 mil tiros contra eles.
Durante a madrugada ainda foram depredadas as oficinas dos jornais, A Imprensa e A Notícia. Também se noticiou que um grupo se dirigiu ao quartel do 20º BC e fez disparos contra o prédio situado na atual Praça da Faculdade.
Estavam no hotel com Silvestre as seguintes pessoas: José Holanda Filho, ex-tenente Aurélio Mousinho, Uaracy Palmeira, Isaac Menezes Filho, Antonio Góis Ribeiro, Delorisano de Moraes Luiz Moraes (Romeu de Avelar), Álvaro Guimarães, Montano Monteiro, Florival Gondim, Abílio Leão Tenório, Aloysio Goulart e José Jacintho da Silva. Foram todos detidos pela tropa do Exército, que chegou ao local às 21h30 sob o comando do major Andrade Farias.
O grupo de negociação comandado pelo recém-eleito deputado Rodolpho Lins se deslocou até o 20º BC e depois ao Palácio do Governo, onde não foi bem recebido. Na volta ao hotel, o carro parou na porta da chefatura de Polícia para que a comissão conversasse com Edgard de Góis Monteiro.
Rodolpho Lins, o primeiro a descer, foi recebido com um tiro de fuzil no coração. O carro foi metralhado por um grupo sob o comando do inspetor Manoel Barbosa Cruz, autor do disparo contra o deputado. Morreu Rodolpho Lins e Adauto Viana ficou gravemente ferido, atingido na coxa direita. Guedes Quintella se jogou no piso do veículo e escapou dos tiros.
As outras vítimas dos diversos tiroteios foram: Ezequiel Rodrigues de Amorim, funcionário público municipal que faleceu ao receber um tiro no abdômen. O auxiliar do comércio, Benedito Figueiredo, sofreu amputação da perna esquerda. O guarda-civil Antônio Ignácio Rego, o sapateiro Irineu A. Gomes, o proprietário Hugo Menezes e Ephigenio Silva tiveram ferimentos leves.
Ezequiel Rodrigues de Amorim tinha 35 anos e era casado. Morava na Rua do Prado, 929, e deixou dois filhos menores.
Quem era Rodolpho Lins
O advogado e deputado Rodolpho Lins Carneiro de Albuquerque, que morreu com 30 anos de idade, era filho de Manoel Lima de Albuquerque e tinha dois irmãos: Francisco Xavier Cavalcanti, magistrado em Manaus, e Antônia Casado.
Antes do episódio em que foi assassinado, Rodolpho Lins já tinha sido notícia de jornal quatro anos antes, no dia 30 de agosto de 1931, quando foi preso após tentar matar o poeta Jorge de Lima na porta do Liceu Alagoano, em pleno Centro de Maceió, na Rua do Livramento.
Em sua defesa, quando seus advogados Manoel Onofre de Andrade e Mendonça Braga requereram habeas corpus à Justiça alagoana, alegou que não tinha a intenção de matar quando agrediu o médico e diretor do Liceu Alagoano. Tendo o pedido negado, recorreu ao Supremo, onde consegui sua liberdade.
Jorge de lima escapou por milagre do tiro desferido por Rodolpho Lins, que errou o alvo. Quem conseguiu conter o agressor e impedir o segundo tiro foi o também médico Adalberto Montenegro. Após o atentado, Jorge de Lima fechou o consultório e foi morar no Rio de Janeiros. Valdemar Cavalcanti explicou em uma reportagem que o poeta foi “alvo de perseguição política“. Entretanto, há historiadores que atribuem ao atentado motivos passionais.
O advogado voltou a ser notícia no início de 1953, quando o prefeito de Maceió, Abelardo Pontes Lima, urbanizou o Parque Bom Conselho e o rebatizou como Parque Rodolfo Lins, já com a grafia moderna, sem ph com som de efe.
Prisão e inquérito
No mesmo dia do episódio sangrento, 7 de março de 1935, o general Góis Monteiro, ministro da Guerra, mandou instaurar inquérito militar e prender Silvestre Péricles e todos os que estava resistindo com ele nas dependências do Hotel Bella Vista.
Na segunda-feira, 12 de março, após muita negociação e garantias de respeito à vida e a integridade dos detidos, Silvestre e seus companheiros foram levados para o quartel do 20º Batalhão de Caçadores, na atual Praça da Faculdade.
Para acompanhar o inquérito, Osman Loureiro indicou o dr. Cyridião Durval, 2º promotor público da capital. O procurador da República requereu à Justiça Federal a prisão preventiva de Silvestre Péricles. Seu advogado, deputado Negreiros Falcão, impetrou habeas corpus na Justiça Federal.
Em paralelo ao inquérito e atuando de forma política, o Ministro da Justiça, Vicente Rao, levou Osman Loureiro para o Rio de Janeiro, enquanto Getúlio Vargas convocava Silvestre Péricles na tentativa de se estabelecer uma trégua.
No dia 23 de março, Silvestre embarcou em um hidroavião para a capital federal acompanhado pelos irmãos jornalistas Delorisano e Romeu de Avelar. Osman seguiu no dia 26 de março com o mesmo destino. Pelas entrevistas que os dois concederam no Rio de Janeiro, não houve acordo.
Eleições tranquilas
As eleições indiretas aconteceram tranquilamente no dia 27 maio de 1935, quando Osman Loureiro foi escolhido governador com os votos de 17 deputados. Silvestre Péricles teve zero votos, Ismar de Góis Monteiro conseguiu três votos e Afonso de Carvalho, um voto.
Os senadores eleitos foram: para o mandato de oito anos, Manuel de Góis Monteiro, com 18 votos, e Pedro da Costa Rego, mandato de quatro anos, com 16 votos. Ainda foram votados Edgar de Góis Monteiro, 3 votos, Mendonça Martins, 3 votos e o General Góis Monteiro, 1 voto.
Todo o processo eleitoral se deu sob o controle do interventor Major Benedito Augusto. O general Góis Monteiro já não era mais o Ministro da Guerra naquela data. Fora afastado no dia 7 de maio.
Silvestre voltou a morar no Rio de Janeiro após as eleições, no dia 2 de junho de 1935. Fora derrotado eleitoralmente pelos derrotados na Revolução de 30. Eram as oligarquias alagoanas em metamorfose.
Fonte: Livro Retrato de uma época, de Mello Motta; livro A solidão dos espaços políticos, de Luiz Nogueira Barros, jornais Gazeta de Notícias, A Noite, O Radical, Diário da Noite, Correio da Manhã, Jornal do Recife, O Jornal, A Esquerda e Jornal do Brasil.
Apesar da violência, muito interessante a história política de nosso estado.
Não tinha lido ainda os fatos narrados por você Ticianeli mas conhecia alguns deles ! Nomes dos envolvidos nos distantes anos 30 e com muitos detalhes me impressionaram ! Parabéns mais uma vez.
Seria bom se tivesse um livro contando a história dos GÓES MONTEIROS. Se eu não me engano eles eram naturais de São Luiz do Quitunde
Arlindo, temos um breve estudo sobre eles. Veja aqui: https://www.historiadealagoas.com.br/familias-na-politica-alagoana-do-seculo-xx-iii-gois-monteiro.html
Que história triste e sangrenta entre irmãos, retratada em um bela matéria. Parabéns Edberto Ticianeli, você faz a diferença em nossas memórias. 👏👏👏
Nunca tinha lido as histórias destes nomes famosos em nosso Estado estou deslumbrada.
Isto só confirma o histórico de sangue e bala da política alagoana.Hoje menos balas e mais cachorrada e conspirações. Onde o povo é que paga a conta sempre.
Que história, Edberto! Já tinha falar e ler alguma coisa sobre ela, mas não com tantos fatos e detalhes. Parabéns!
Daria um belo livro.
Muito interessante, apesar de lamentável. Nunca tinha ouvido falar do cerco do Bella Vista e do comportamento agressivo de Silvestre Péricles. Isso explica muito a reação de Arnon de Mello no tiroteio do Senado anos após, apesar de injustificável e criminoso.