O medo de morrer com barriga cheia

Av. Bráulio Cavalcante em Pão de açúcar, Alagoas, na década de 40

Temóteo Correia, engenheiro civil, ex-deputado e escritor

Temóteo Correia
Do livro O Pitoresco da Política no País das Alagoas.

Em 1982, Zé Costa disputava o governo do Estado pela legenda do PMDB, enfrentando Divaldo Suruagy (PDS).

Pão de Açúcar era uma das últimas cidadelas do coronelismo.

O PMDB precisava fazer um comício na terra do coronel Elísio Maia. Era algo emblemático para quem se intitulava o paladino da democracia e da liberdade.

Marcada a data do evento, começaram a surgir boatos de que Elísio Maia não iria permitir a sua realização. Uma turma já estaria escalada pra bagunçar, gerar tumultos e até acabar com ele na bala, se necessário.

Criou-se um clima de tensão e apreensão. Chegado o dia, toda a comitiva peemedebista rumava para o sertão ribeirinho.

O início do comício foi marcado por uma certa inibição e insegurança por parte dos oradores, em razão do seu líder-mor, o carro chefe da campanha, Zé Costa, proferir a sua oratória e se ausentar da cidade, alegando compromisso em outro município.

Coronel Elísio Maia

Ademais, quando Zé Costa pronunciou-se, o fez muito prudentemente, de forma bastante branda, deixando de lado o fator que diferenciava Pão de Açúcar de tantas outras cidades.

Outros oradores que o sucederam amofinaram-se. Criou-se um clima de letargia que começou a incomodar.

Renan Calheiros estabeleceu com a sua oratória incisiva e destemida um divisor naquele ato público. Deitou a lenha! Falou do coronelismo reinante, do temor do Pão-de-Açucarense de se expressar livremente e outros chavões da campanha que iam ouriçando o público presente. Concluído o seu discurso, Renan deixou o palanque e rodeado de assessores entrincheirou-se num local bem próximo, onde o seu carro estava estacionado.

Eduardo Bomfim, o próximo orador, com a ausência do intrépido companheiro, fez um discurso frio, puxando pra linha ideológica e, ao encerrá-lo, recebia acenos de Renan para que fosse ao seu encontro. Incontinenti, deixaram Pão de Açúcar com o pretexto de outros compromissos.

O intimorato Mendonça Neto foi o último orador. Bateu sem pena na política coronelista que se praticava naquele município, sob o comando de Elísio Maia. Um discurso frontal, cortante e resoluto. Foi, dentre os oradores, o mais aplaudido.

E, ao terminar o seu pronunciamento, olhou para um lado, para o outro, não vendo Zé Costa, Renan, nem Bomfim, estremeceu! Começou a cair uma chuva fina e ele, já na rua, resolveu adentrar numa casa. Lá, encontrou um cidadão de idade avançada, numa cadeira de balanço e cumprimentou-o:

— Boa noite!

— Boa noite! Quem é o senhor?

— Eu sou o deputado Mendonça Neto! Gostou do comício?

— Gostei muito! Estava muito bom, seu moço!

— O senhor poderia me arranjar um copo com água?

— Ô menina, traga uma água e um doce para esse moço! Pode sentar-se!

Mendonça Neto na campanha de 1978 em foto de José Feitosa

Mendonça sentou-se e indagou:

— Como é o nome do senhor?

— Eu sou Elísio Maia, seu menino!

Mendonça Neto contou que foi até as estrelas e voltou. Deu-lhe uma tontura que beirou a um desmaio. Sorte que já estava sentado! Refeito do susto ficou conjeturando sobre o desfecho daquela situação, para ele inesperada e apavorante!

Seu Elísio, ao chegar o doce e a água, dizia:

— Quero que o senhor saia daqui de barriga cheia!

Mendonça fazia ilações:

— Meu Deus, vou morrer de barriga cheia!

Procurou apressar-se pra sair daquela situação, daquele lugar!

— Bem, eu agradeço ao senhor, mas preciso ir!

— O senhor não vai agora, não! Espere um pouco! Se o senhor sair daqui sozinho e lhe acontecer alguma coisa de ruim vão dizer que foi Elísio Maia. Vou mandar chamar quatro meninos que vão acompanhar o senhor até onde não houver mais risco!

Mendonça teve que esperar! Não tinha assunto pra conversar. Confessara posteriormente que foram os vinte minutos mais longos de sua vida.

Só quando os meninos do seu Elísio, quatro homens altos, fortes, sendo dois com chapéus de couro e possantes bigodes, todos, porém, trabucados chegaram é que Mendonça Neto deixou a casa do coronel Elísio Maia, escoltado e com as maiores e melhores recomendações de um retorno seguro e em paz.

Mesmo assim, enquanto não se despediu da sua escolta, deixando-a para trás, não lhe saía da cabeça o temor de que iria morrer de barriga cheia!

4 Comments on O medo de morrer com barriga cheia

  1. José Tenório de Albuquerque // 1 de junho de 2018 em 22:43 //

    Temoteo é portador de um grande QI. dado ao hábito da leitura é uma testemunha viva desse processo político de Alagoas. Parabéns.

  2. Maria Salésia // 23 de agosto de 2018 em 09:47 //

    Ouvi esta história do próprio Mendonça em uma tarde na redação do jornal Extra. Dava medo em apenas ouvir a narrativa. Que bom que ficou eternizado no livro!

  3. Relembrar esses histórias me faz viajar no tempo, quando criança conheci o seu Elísio Maia, um homem de respeito e coragem

  4. Gerlourdson Tadeu Ventura // 12 de dezembro de 2024 em 16:30 //

    Dá gosto ler histórias como essa, escrita por quem é competente para fazê-lo. Parabéns ao Escritor e Deputado Temóteo Correia.

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*