Logo
Background Header
amarelinha-detran.jpg
CAMARA 1 - CASA DO POVO 1 - 728x90.gif
Sem categoria

Em Viçosa, o histórico sobrado do Dr. Brandão está prestes a desabar

Publicado em 19/06/2025 por Edberto Ticianeli

Em Viçosa, o histórico sobrado do Dr. Brandão está prestes a desabar

A informação foi divulgada na manhã de terça-feira, 17 de junho, após as intensas chuvas que caíram sobre o município no fim de semana. O prédio, que atualmente pertencente a Mazé Duarte, teve a área no entorno isolada pela Prefeitura.

Com rachaduras visíveis, o antigo sobrado do Dr. Brandão está com suas estruturas comprometidas e dificilmente suportará qualquer obra que crie novas sustentações.

Para que se tenha a devida valoração histórica do imóvel, o História de Alagoas reproduz o trecho do livro, de 2000, Viçosa, cidade das Alagoas, de Eloi Loureiro Brandão Sá, que foi um dos moradores do sobrado.

A antiga construção apresenta rachaduras. Foto Jorge Santos

***

XXV

Sobrado de Dr. Brandão

Entre o antigo Beco, hoje Rua vigário Loureiro, e o começo da Ladeira das Pedrinhas, atual Rua Manoel Francisco, havia, no fim do século XIX, um terreno bem espaçoso, que pelo lado sul encostava no quintal do sobrado colonial do vigário Loureiro (Francisco de Borja Barros Loureiro). Não só por ser uma grande área desocupada, como, sobretudo, pela boa localização, foi aproveitado pelo mesmo vigário. que ali construiu um sobrado na última década do passado século. provavelmente entre 1892 e 1893.

Por muitos foi conhecido como “sobradinho”, naturalmente para diferençar do sobrado clássico, de maiores proporções, que o comerciante Manoel Joaquim de Siqueira Sá levantou em local bem próximo, no início da mesma rua vigário Loureiro, esquina com a Praça do Quadro.

Sua construção como a de grande número de outros prédios residenciais e comerciais foi, não resta dúvida, decorrência natural daquele grande acontecimento de 24 de dezembro de 1891, já nos últimos meses da Vila Viçosa: a inauguração da estrada de ferro. Esse evento marcou, conforme já em 1914 afirmara o historiador Alfredo Brandão, o início de um período de invejável desenvolvimento econômico e social, não só da cidade de Viçosa, mas de outros pequenos centros urbanos que se beneficiaram com a construção da via-férrea.

À primeira vista, com seu teto bem alto e seu telhado de biqueira em quatro águas – a atual platibanda só foi feita nos fins da década de 20, -sua fachada denuncia um estilo meio colonial, mas à medida que penetramos em sua área interna, temos a impressão de estar diante de um prédio construído nos dias atuais.

Trata-se, em verdade, de um sobrado original, edificado em três níveis: o térreo, sempre ocupado por uma farmácia: o intermediário ou residencial, amplo, confortável, ligado ao térreo por uma escada de cimento, bem larga, protegido da via-pública por um calçadão, também largo e alto, que vai sendo rebaixado à medida que avança para a área onde está o jardim; e, finalmente, o pavimento superior, ou sótão, que complementa o espaço residencial, através de uma escada de 11 degraus, instalada na sala de jantar.

Outro traço de sua originalidade é o fato de não possuir o clássico corredor, característica não apenas dos sobrados, mas também das casas comuns de séculos anteriores.

Quanto à primeira pessoa ou primeira família que teria residido nesse sobrado, logo depois de concluído, não conseguimos saber precisamente. Entretanto, membro da família Brandão. já hoje falecida. guardava vaga lembrança, através de informações de familiares com quem residiu no sobrado, quando criança, de que nos fins do século passado lá estivera morando um juiz de direito ou advogado, cujo sobrenome era Belo ou Melo. No “Almanach do Estado de Alagoas” – no tópico referente a “juízes, promotores e advogados” consta que o bacharel Miguel de Novaes Mello era Juiz de Direito de Viçosa entre 1896 e 1898. Talvez tenha sido ele, senão a primeira, mas uma das primeiras pessoas a habitar o “sobradinho”.

Rua do Beco ou Nova e o sobrado da farmácia do dr. Manoel Brandão

O que podemos registrar, com absoluta fidelidade, é que em 1902 fixou residência nesse sobrado o médico viçosense Dr. Manoel de Barros Loureiro Brandão, então recentemente formado pela velha Faculdade de Medicina da Bahia, e ainda solteiro, no qual vivera alguns anos em companhia de sua irmã Augusta (Augusta Loureiro Brandão Sá), de sua tia Tetê (Teresa Cristina de Jesus, irmã de criação de sua mãe) e de sua sobrinha Mariinha (Maria Brandão Vilela), então criança de 5 ou 6 anos de idade.

Casando-se em 1905 com sua prima Carolina Vilela, Dr. Brandão permaneceu no sobrado até 1917, quando transferiu sua residência para Maceió. Durante 15 anos dedicou-se, em Viçosa, à sua profissão, não só clinicando no consultório, como trabalhando no Hospital de N. S. da Conceição, do qual foi diretor-médico fundador.

Quando da campanha de Canudos (1897), fez parte do corpo sanitário do exército, como interno do hospital militar de S. Bento. fundado no mosteiro do mesmo nome, na cidade de Salvador. Sua tese de formatura, que versou sobre “Puerperismo Infectuoso”, foi considerada um dos trabalhos mais importantes da época.

Apesar de sua intensa atividade profissional como médico e farmacêutico, ainda encontrava tempo para desenvolver suas qualidades intelectuais. Colaborou nos jornais de Viçosa da década de 30, escrevendo primorosas crônicas sob o pseudônimo de “Monarca“. No “Almanach de Viçosa“, de 1919, publicou “Impaludismo em Viçosa. trabalho de pesquisa e observação científica. De sua lavra é o interessante trabalho intitulado “A arte de curar em Viçosa nestes cem anos”, sobre história da medicina e assistência hospitalar em sua terra, vulgado no “Álbum do Centenário de Viçosa”, de 1931. Vários artigos foram publicados na Revista da Sociedade de Medicina e na imprensa da Capital do Estado, a maior parte sobre ciência médica, conforme registra aquele álbum.

Quando de seu falecimento, ocorrido a 26 de agosto de 1941, o Correio da Semana, jornal que na década de 40 se editava em Viçosa, prestou significativa homenagem ao ilustre médico viçosense, em amplo artigo sob o título “Grande Perda”, na edição de 31.8.41. do qual reproduzimos aqui os seguintes tópicos: “Foi dos que a distância e o empo não fizeram arrefecer o amor pela terra natal. Assim o mostrou sobradamente. Sob o céu viçosense edificou a residência onde pretendia ama velhice de descanso, prêmio bem merecido de quem teve uma vida fartamente trabalhada. Para Viçosa volveu o pensamento nos escritos com que por último colaborava para nossa imprensa. O que escreveu, acobertado pela modéstia, sob o pseudônimo de “Monarca”, foram crônicas do passado, crônicas deliciosas, amenas, revividas com a leve dose de humor que definiu o espírito de cronista que era, e que não imaginou outro cenário que a antiga Vila de Assembléia. Ainda para Viçosa voltou os seus derradeiros pensamentos, contemplando, entre as últimas medidas, o hospital e a Matriz da cidade natal. Viçosa guardará perenemente com o respeito e a admiração devida o nome do viçosense lustre. A nossa imprensa, que nele teve um amigo dedicado, um colaborador honroso, sentiu, também, imenso, a grande perda”.

No pavimento térreo do sobrado abriu o Dr. Brandão, poucos anos depois (em 1909 ou 1910), a “Farmácia Brandão”, uma das primeiras instaladas na cidade. Naquele ano, ou talvez anteriormente, foi aberta também uma pequena porta, na sala de jantar, comunicando a Parte residencial com o consultório e a farmácia, a fim de facilitar os atendimentos noturnos, sobretudo nas noites invernosas, que em Viçosa, além da chuva intermitente, sempre foram frias e muito úmidas. Primitivamente, ou melhor, antes de 1910, não contava o sobrado com certas dependências e acomodações, mas, entre 1912 e 1913, passou por várias reformas e melhoramentos, realizados por Dr. Brandão, que lhe deram características de um prédio bastante espaçoso, muito agradável e confortável e. ao mesmo tempo, de aspecto internamente moderno.

Vejamos, agora, as divisões internas do sobrado, desde a época de Dr. Brandão, no começo do século, até 1924.

Pavimento do meio – O pavimento médio ou residencial abrangia as seguintes dependências: duas salas, uma conhecida por “sala de entrada”, por onde penetrava no prédio quem vinha da rua. Bem espaçosa, tinha um janelão pelo qual se avistava toda a Ladeira-das-Pedrinhas (atual Manoel Francisco) e pequena parte da Rua Vigário Loureiro. Não era forrada, e o piso era de tijolo quadrado, tamanho médio, bem rejuntado de cimento. Embora rústico, esse piso era de absoluta segurança, facilmente lavável e resistente à umidade. Já não existe hoje, pois foi substituído por mosaico. A esquerda da referida sala ficava a chamada “sala de visita”, menos larga, mas com o mesmo comprimento. Com dois janelões para a Ladeira das Pedrinhas, uma porta de comunicação para a sala de entrada, outra para o primeiro quarto e ainda outra para o jardim o que lhe permitia maior ventilação – essa sala mostrava o piso também de tijolo, sendo do tipo em forma esférica, simples mas original, igualmente preparado com material de primeira qualidade. Era toda forrada de madeira, mostrando tábuas estreitas, bem unidas, em perfeito acabamento.

Da sala de entrada passava-se à sala de jantar, através de uma porta bem larga, como a de entrada do prédio, e também dividida ao meio (porta de baixo e de cima), com ferrolho na parte inferior e fechadura na superior, essa antiga sala era talvez o ambiente mais aprazível do sobrado. Muito ampla, ocupava a maior área interna, comunicando-se não só com a cozinha e o terraço, como também com dois grandes quartos que davam para o jardim. O piso era semelhante ao da sala de entrada, mas hoje não mais existe, pois foi substituído por cimento colorido, e não podemos deixar de lamentar o mau gosto.

Dois quartos bem espaçosos, cujo piso de tijolo era idêntico ao da sala de jantar, poderiam ser chamados de excelentes condutores de ventilação e iluminação solar, que penetravam naquela sala através de janelões, a que já nos referimos. Esses quartos eram separados entre si por uma parede muito alta igualmente à da sala de jantar. Nas décadas de 20 e 30, tempos de minha infância e adolescência, o primeiro desses quartos era ocupado pelo santuário da minha mãe com imagens do Coração de Jesus, N. S. da Conceição, São José e São Luís de Gonzaga, todas de uma perfeição impressionante – junto ao qual ela fazia suas orações pela manhã e à noite rezava o mês de maio com devoção e paciência, sempre acompanhada dos filhos e auxiliares domésticas. Ali também se via uma antiga “toilette”, móvel bem alto, bem trabalhado, de verniz escuro, com bonita pedra de mármore, que mais tarde seria substituído pela moderna “penteadeira”.

No segundo quarto, onde habitualmente dormiam pessoas da casa ou hóspedes, havia duas grandes malas para guardar roupa de cama e objetos antigos, bem como uma rede para descanso.

Ainda integrando o espaço residencial, havia, desde a construção do sobrado, anexo à sala de refeições, um pequeno terraço com piso assoalhado e gradil de madeira, do tipo balaústre, voltado para o quintal. Na parte final desse terraço vê-se, ainda hoje, um janelão para a rua do Beco, atual Vigário Loureiro, pelo qual podíamos apreciar todo o movimento desse logradouro, sobretudo nos dias de feira, estendendo-se a visão tanto para os lados da Praça do Quadro como para a Rua da Canafístula, atual Padre Eloi. Da última vez em que visitamos o sobrado, encontramos o assoalho desse velho terraço muito danificado; e o gradil de madeira, que provavelmente também se estragara, foi substituído por varetas de ferro sem nenhuma estética.

A cozinha era bem espaçosa, vendo-se um pequeno quarto anexo, destinado às empregadas domésticas. Nos anos 20 o fogão era à lenha, rústico, construído de tijolo, mas no começo de 30 já havia um grande “fogão inglês”, que utilizava o mesmo combustível, sendo cortado em pequenos pedaços.

Entre a sala de jantar e a cozinha havia uma pequena dependência, aberta, que servia de despensa no tempo de meus pais. Ali encontrava-se um enorme armário, no qual se guardavam objetos diversos, inclusive certos remédios caseiros. Num canto dessa dependência ficavam as jarras com água de beber, sendo uma delas de cerâmica especial, bem trabalhada, colocada sobre uma base ou pé.

Como ainda nem se sonhava com água canalizada na cidade, o precioso líquido” vinha em lombo de animais, procedente das duas principais fontes a do Pelonha, no Engenho Brejo, e a do Fenelon ou Mirinha, num sitio em frente à atual Avenida Firmino Maia. A água era coada na hora, através de um pano na boca-da-jarra e, daí, depositada num filtro de louça de fabricação inglesa, que tinha vindo do sobrado da loja, e servira por muitos anos.

Quem estava na sala de jantar, tanto podia comunicar-se com a cozinha como também com outro quarto de tamanho regular, construído por Dr. Brandão, o qual tinha acesso ao jardim e ao banheiro. Era o chamado “quarto de malas” ou “quarto de costura”.

Nesse pavimento médio, ou residencial, encontramos, em 1989, uma novidade: as antigas salas de entrada e jantar e a cozinha estavam com forro de madeira (tábuas estreitas, pintadas de branco). Tal melhoramento foi importante na conservação das referidas dependências, pois o teto, muito alto, sempre foi trabalhoso para limpeza.

O jardim, também da época de Dr. Brandão, era uma grande área com vários canteiros largos, revestidos de cimento, no qual se viam rosas de espécies diferentes, jasmins, boninas, dálias, violetas, cravos, bugaris, línguas-de-leão, além de mimo-do-céu com sua pequenina e delicada flor-rosa, cuja ramagem se derramava pelos gradis de ferro que davam para a rua. No centro do jardim havia um caramanchão com belas madressilvas, que, como as demais flores, todas as manhãs recebiam de minha mãe cuidados especiais. Entre 1912 e 1913, em um dos cantos dessa área. Dr. Brandão construiu o banheiro com chuveiro e caixa de cimento armado. A água era canalizada e acionada por bomba manual, instalada em terreno próximo, onde havia uma grande cacimba.

Em 1917, quando Dr. Brandão já residia em Maceió, o “sobradinho” passou a ser habitado por João Pedro Jatobá, que, pouco tempo depois, já integrando a firma Loureiro Sá & Jatobá, passava a negociar no “Bazar Dois Irmãos”.

Dois anos após, ou, mais provavelmente, entre 1919 e 1920, o sobrado foi adquirido pelo comerciante Honorato Sá (Honorato de Barros Loureiro Sá), meu pai [pai de Elói Loureiro Brandão Sá], pela quantia de 10:000$000 (dez contos de réis). Nessa época a família de Honorato residia no sobrado que fora de Neco de Sá, conhecido por “sobrado da loja”, e por isso não se mudou logo para o “sobradinho”, mesmo porque, em 1920, viera para Maceió, onde passou cerca de dois anos.

Voltando para Viçosa em 1922, Honorato Sá fixou, então, residência no “sobradinho”, no qual permaneceu até começos de 1933; porém parte de sua família ainda se demorou ali até meados de 1935. Em 1925 Honorato Sá ampliou o sobrado, realizando alguns melhoramentos: a) construiu mais um quarto na parte superior (sótão), bem espaçoso, com duas largas janelas para a Rua Vigário Loureiro, uma para o novo terraço, olhando para a cozinha e outra para o pequeno terraço assoalhado, divisando o quintal. Conhecido como “quarto-novo”, foi feito prioritariamente para minha irmã, Fany (Fany Sá Bittencourt); e lá dormiam a prima-irmã Mariinha (Maria Brandão Vilela), quando vinha do Engenho Barro Branco passar dias na cidade, e as primas Nair (saudosa Irmã Maria), Francisquinha, (hoje Irmã Francisca). Hercília e Gizelda Brandão Vilela, quando vinham do Engenho Mata Verde à cidade; b) construiu o atual terraço – uma área de tamanho regular – cujo suporte é reforçado por 3 colunas de alvenaria e cimento em estilo quase greco-romano, sendo uma na parte central. Com duas portas de comunicação para a sala de jantar, esse terraço tem um janelão para a cozinha e 3 ou 4 degraus para o quintal. É ligado ao antigo pequeno terraço assoalhado, ao qual já nos referimos, apenas deslocado um pouco para a frente; mas conservou as mesmas características; c) aproximadamente na mesma época, Honorato Sá fez, no fim do quintal, uma “casinha”, onde instalou dois sanitários, ligados a uma fossa do tipo absorvente, com tampão de cimento.

O Sobradinho do Dr. Manoel Brandão

O sótão – Uma escada de 11 degraus, sendo o primeiro de cimento e os demais de madeira, instalada na sala de jantar, liga o corpo da casa ao sótão ou pavimento superior. O corrimão também é de madeira, mas tudo feito com tal perfeição e segurança – escada e corrimão – que até poucos anos não apresentava sinais de deterioração. Até 1924 só havia no sótão 2 quartos, não muito grandes. cada um com espaço suficiente para uma cama de casal e duas de solteiro. O que fica à direita de quem sobe a escada, um pouco maior, tem duas janelas voltadas para a Ladeira-das-Pedrinhas, e outras duas para a rua Vigário Loureiro. O que fica à esquerda possui duas janelas para a Vigário Loureiro. No mini corredor, separando os dois quartos, há também uma janela para a mesma rua.

Em janeiro de 89, quando visitamos o sobrado, observamos que o Assoalho deste pavimento já não é o primitivo, de tábuas largas e bem polidas. É que, com o passar do tempo e a falta de conservação, várias delas estragaram-se e, de espaço a espaço, foram substituídas por tábuas estreitas, diferentes. Assim, o antigo piso dos quartos é formado, hoje, de peças antiestéticas, isto é, tábuas novas, estreitas, alternadas com algumas antigas, largas, ainda bem conservadas.

Pavimento térreo – O térreo, desde o princípio do século atual, sempre esteve ocupado por uma farmácia. A primeira, que ali se instalou, foi a “Farmácia Brandão” e, em anexo, havia o consultório médico de Dr. Brandão. Durante muitos anos o piso deste pavimento foi em cimento comum, mas na década de 40 já aparece com cimento colorido. Paredes possantes, dobradas, com vigas de boa madeira, dispostas em sentido transversal, sustentam a parte superior do sobrado e dão apoio à parte residencial. Na área ocupada pela farmácia encontram-se 4 portas, sendo 2 para a Rua Vigário Loureiro e 2 para a Manoel Francisco. Bem largas, feitas de madeira especial, eram protegidas por grandes ferrolhos e trancas de ferro, que ainda hoje resistem ao tempo.

Quando o Dr. Brandão mudou-se para Maceió, em 1917, a “Farmácia Brandão” não desapareceu logo, pois continuou funcionando até 1920, sendo gerenciada pelo cidadão José Ferreira.

Pouco depois, em 1921, foi vendida ao médico Dr. Manoel Oiticica, recentemente chegado a Viçosa, que da mesma forma tinha consultório lá. Daí em diante passou a denominar-se “Farmácia Santa Maria”, e era administrada pelo jovem José Alves Ferreira de Aragão – o saudoso proprietário da “Farmácia Mota”, falecido há pouco tempo, farmacêutico desde a adolescência, o sempre alegre poeta José Aragão, viçosense dotado de grande criatividade, dinâmico, batalhador, espírito jovial e fecundo, que durante muitas décadas esteve integrado às manifestações artístico-culturais da terra querida.

Por volta de 1925, novamente a farmácia mudou de proprietário, pois foi adquirida pelo Sr. Adelfo Costa, que viera de Quebrangulo e em Viçosa radicou-se até começos da década de 1930, quando então o estabelecimento passou para o cirurgião-dentista José Pimentel Santos. No consultório da farmácia do sobrado clinicaram os seguintes médicos: Dr. Manoel Brandão (1909-17); Dr. Manoel Oiticica (1919-23); Dr. Heráclito Caldas (1929-34); Dr. José Maria de Melo (1935-39) e Dr. Jaime Carneiro (1955-59).

Quanto aos períodos em que atenderam na farmácia os médicos Manoel Oiticica e Heráclito Caldas, esclarecemos que foram registrados dados aproximados, já que não obtivemos informações rigorosamente exatas.

Antes mesmo de adquirir o sobrado, José Pimentel já havia ampliado as instalações anexas aos fundos da farmácia, inclusive aproveitando para consultório médico uma grande dependência, anteriormente meio abandonada, que se comunicava com o quintal do sobrado. O pavimento térreo ficou, então, assim dividido: farmácia, gabinete dentário, sala de espera e consultório médico.

Na época de José Pimentel, trabalhou como auxiliar da “Farmácia Santa Maria”, por vários anos, o jovem Antônio Ferreira Freire, que, tempos depois, com grande esforço, fizera o curso médio no “Ginásio de Assembléia”, em Viçosa, formando-se em seguida pela Faculdade de Direito de Alagoas. Foi adjunto de Promotor de Viçosa por algum tempo, na década de 1970, mas faleceu ainda moço, em Maceió, quando se encontrava à disposição da Secretaria da Educação, exercendo outras funções.

Em abril de 1954, dois meses antes de falecer, Honorato Sá vendeu o sobrado ao cirurgião-dentista José Pimentel Santos, que por mais de vinte anos teve farmácia e gabinete dentário na parte térrea, pela quantia de Cr$ 60.000.00 (sessenta mil cruzeiros), conforme escritura lavrada no cartório de Viçosa (Livro 28, fls. 126/129).

Pouco tempo depois, com o objetivo de transformá-lo em dois imóveis distintos, José Pimentel desmembrou do sobrado as seguintes dependências: a sala de visita, os dois grandes quartos que ficavam entre a sala de jantar e o jardim, o chamado quarto-das-malas, pelo qual as pessoas iam ao jardim e ao banheiro, uma pequena parte da despensa, toda a área do jardim e o banheiro com sua caixa d’água de cimento. As áreas desmembradas sofreram ligeiras modificações, adaptando-se à nova casa que passou, então, a constituir outra unidade residencial. Essa nova casa, anexa ao sobrado, pertence hoje a Ronaldo Duarte Costa. Com isso, se bem que externamente não tenha perdido a característica geral, lamentavelmente foi o velho “sobradinho” mutilado em suas peças internas – aliás, peças fundamentais – sobretudo porque da antiga sala de jantar sumiram a claridade natural e aquela constante ventilação transmitidas pelo jardim, através dos dois grandes quartos.

José Pimentel faleceu em 1971, mas dois ou três anos antes, a “Farmácia Santa Maria” já havia cerrado suas portas, definitivamente.

Famílias e entidades diversas que ocuparam o sobrado nas últimas cinco décadas

A partir de 1935, quando a família de Honorato Sá transferiu sua residência para Maceió, o sobrado passou a ser ocupado por várias famílias, ou por entidades diversas, umas apenas por pouco tempo. outras por período mais longo. Através de informações fidedignas, aqui registramos os nomes de algumas, que lá estiveram em épocas diferentes: Ary Barreto, gerente da Cia. de Beneficiamento de Algodão “Anderson Clayton”, em 1935; Frederico Medeiros, classificador de algodão e gerente substituto da Anderson Clayton, entre 1936 e 1938: Getúlio Brandão Vilela, fazendeiro e senhor de engenho do Barro-Branco, no período de 1940 a 1946; Eloi Loureiro Brandão Sá, Agente de Estatística do IBGE, no período de 1947 a março de 1953; Emerson Loureiro Jatobá, no período de abril de 1955 a 1957. quando Engenheiro-Residente da Rede Ferroviária do Nordeste (RFN), e de maio de 1957 a dezembro de 1959, quando exercia o cargo de prefeito municipal. Em 1962 lá esteve residindo, apenas por quatro meses, o fazendeiro e ex-prefeito de Viçosa, Aloísio de Almeida Vasconcelos. Entre 1969 e 19740 sobrado serviu de “república” a funcionários do Banco do Brasil, inclusive ao gerente, Sr. Gerson Porto, que lá residiu antes de levar a família para Viçosa. Durante o ano de 1978 funcionou no sobrado a Escola de 1º Grau “Tesouro da Criança” dirigida pelas professoras Mathilde Barreto Falcão e Ruth Pimentel Vilela. Em 1983 ali se instalou. por algum tempo, o “Clube Esportivo Comercial”.

Atualmente [2000] o sobrado pertence ao Sr. José Cândido dos Santos (Paizinho), que ali reside com a família, tendo-o adquirido dos herdeiros de José Pimentel, em 1986, pela quantia de Cr$ 2.000.000,00 (dois milhões de cruzeiros).

Sempre que vou a Viçosa, volto a rever aquele velho sobrado, edificado pelo Vigário Loureiro na última década do século passado.

Alegra-me rever o centenário “sobradinho” – como era conhecido pela nossa família que desde o começo do presente século passara a pertencer ao médico Dr. Manoel Brandão e, depois, entre 1919 e 1920 foi adquirido por meu pai Honorato Sá.

Ali passei grande parte da minha infância, toda a minha adolescência e onde, mais tarde, entre os anos 40 e 50, voltei a residir por quase dez anos.

Embora já hoje se encontre parcialmente desfigurado na parte interior, apraz-me ver novamente o sobrado n° 2 da Rua Manoel Francisco, esquina com a Vigário Loureiro.

Rever a sua arquitetura simples, muito simples, onde estão ausentes quaisquer traços de luxuoso acabamento encontrado nos clássicos e pesados sobradões.

Rever o seu perfil de sobrado e casa-grande ao mesmo tempo. De sobrado, configurado no pavimento superior com várias janelas, das quais se descortina a amplidão do horizonte que se distende em três direções: do alto do “Cento e Vinte”, do alto da “Dourada” e do milenar e pedregoso rio Paraíba. De casa-grande, bem caracterizada no pavimento intermediário, constituindo, por isso mesmo, um prédio original.

Rever o sobrado com seu telhado em quatro águas, com sua fachada principal, a da Rua Vigário Loureiro, e sua fachada anterior que dá para a Ladeira-das-Pedrinhas, ambas bem singelas, estilo talvez eclético, misto de semi-colonial e semi-clássico.

Rever a casa simpática, agradável, confortável, atraente, acolhedora.

Gosto de rever suas salas, anteriormente bem ventiladas e bem iluminadas pelo sol da manhã, seus dormitórios bem arejados através de dez janelas com peitoril, mostrando a rua nos dias mais alegres e barulhentos de feira ou na placidez e monotonia dos outros dias.

Gosto de rever os seus terraços o antigo, pequeno, assoalhado e o novo, de maior dimensão, piso de tijolo retangular, que meu pai construiu – ambos acolhedores, descendo facilmente para o quintal meio ladeiroso, onde havia, desde o começo do século, uma bela jaboticabeira, que não se cansava de frutificar todos os anos.

Gosto de rever o jardim, onde, nas manhãs de verão, minha mãe costumava passear, e cujas flores eram, pelas suas mãos, carinhosamente cuidadas.

Agrada-me rever todos aqueles cantos e recantos do inesquecível “sobradinho”, aquele confortável e aconchegante espaço residencial, onde vivi com meus pais e meus irmãos nos anos 20 e 30, e onde mais tarde, entre 1947 e 1953, passei os primeiros anos de casado ao lado da querida esposa e dos primeiros filhos.

Lamentamos que o antigo sobrado esteja hoje interiormente descaracterizado. É pena que se encontre desfigurado na sua essência, no seu fundamental, na sua primordial beleza.

Comentários

Carregando comentários...

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.

ABC das Alagoas 2 x 1.jpg