Água milagrosa de Lourdes em Santana do Ipanema
Theobaldo Barbosa
Deus dá a cada um o talento que merece.
São os poetas repentistas, quase sempre rudes a fazerem versos e rimas ao som da viola, nos seus desafios cheios de inteligência, como aquele que se sentindo humilhado por seu companheiro de cantoria, saiu com esta joia de inspiração poética:
“Eu sou maior do que Deus
Maior do que Deus eu sou
Eu sou maior no pecado
Porque Deus nunca pecou.”
São os oradores natos como o Baiano, preto estivador residente em Ponta da Terra, a quem conheci na década de 60. De dez palavras que dizia, a metade era errada, mas a eloquência e as imagens que criava ao longo do seu discurso, impressionava a todos.
São os políticos carismáticos, sobre quem quero falar, que conseguem fascinar a muitos, sem que para tanto se esforcem com um sorriso sequer.
Adeildo Nepomuceno, velho amigo, a quem muito devo em minha trajetória política, ex-prefeito de Santana do Ipanema e ex-deputado estadual, era uma dessas figuras que conseguia com seu estilo, próprio, atrair legiões ao seu redor.
Troncudo, de pequena estatura, talvez não passasse de um metro e cinquenta, pouco sorriso, arguto, tinha ideias próprias e originais, quase sempre polemizadas, mas terminavam aceitas pela força que imprimia aos seus atos.
Pretendeu, quando prefeito de sua terra, homenagear o jumento. Na sua lúcida compreensão, não se poderia falar do sertão, da seca, dos sofrimentos, sem vincular a isto a figura bíblica e servil do muar, que ao longo dos anos, antes dos caminhões tanques e adutoras, carregou no lombo água de longa distância para saciar a sede do homem do sertão.
Ergueu o prefeito Adeildo Nepomuceno, em plena cidade, uma estátua do jumento com as ancoretas e o tangerino para que o sertanejo jamais esquecesse os serviços inestimáveis prestados pelo animal.
Era original em seu estilo de fazer política. Quando, certa feita, foi à Europa, num congresso municipalista de que participara, pretendeu trazer alguns brindes para seus amigos, seus fiéis eleitores, mas isto, além de caro, certamente teria problemas na Alfândega.
Cartões postais do Velho Continente, talvez não fossem compreendidos pela sua gente. O melhor, pensou Adeildo, seria, já que estava na França, trazer uma garrafinha da água milagrosa de Lourdes, pois nada custaria e quem sabe, poderia amainar a dor do seu povo.
Não pensou duas vezes. Desligou-se do grupo, foi à Gruta de Lourdes, e de lá trouxe uma garrafinha da miraculosa água.
Chegando em Santana do Ipanema, fez aumentar o líquido que trouxera numa quantidade bem maior de água do rio Ipanema e deu a cada um dos seus correligionários uma garrafinha, como se todo o líquido proviesse da longínqua e miraculosa fonte.
Os que receberam jamais duvidaram dos efeitos milagrosos, afinal seu Adeildo nunca lhes faltou com a verdade.
Pode até essa história não ser verdadeira, mas o fato é que Adeildo, por conveniência, mostrando o seu lado original, nunca a desmentiu e até achava graça quando alguém a reproduzia.
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*Título original: Água milagrosa de Lourdes – Publicado no livro “Além do Sério”, HD Livros, 1998.
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