A saga do petróleo alagoano I – Primórdios
Não se sabe ao certo quando e onde se descobriu o petróleo em nosso planeta. Algumas referências indicam que ele já era utilizado 4 mil anos antes da era cristã. Nesta época era recolhido após aflorar na superfície.
Há registros do seu uso como combustível para iluminação noturna ou para impermeabilizar moradias. Serviu na construção das pirâmides e ainda no embalsamamento de múmias.
Já era considerado um produto valioso, de difícil acesso, sendo comercializado nas rotas mediterrâneas.
Passou a ser utilizado mais amplamente somente a partir de 27 de agosto de 1859, quando uma máquina perfuratriz inventada pelo coronel Edwin Laurentino Drake, em Titusville na Pensilvânia (EUA), extraiu petróleo em grande quantidade do subsolo.
Um dos seus subprodutos, o querosene rapidamente se propagou como combustível ideal para a iluminação, por ter uma chama intensa e limpa. Foi produzido pela primeira vez no início do século XIX por Abraham Gesner no município de Cornwallis, Nova Escócia.
Em pouco tempo, as empresas americanas dominaram a produção e o comércio do querosene em boa parte do mundo. Era transportado nas tradicionais latas e o produto era vendido a baixo custo no varejo.
Petróleo brasileiro
A primeira sondagem em busca de petróleo no Brasil ocorreu entre 1892 e 1897, quando Eugênio Ferreira de Camargo, um rico fazendeiro de Campinas, importou uma sonda e trouxe uma equipe de técnicos dos EUA. O poço atingiu 448 metros de profundidade, mas de lá retirou-se somente água sulfurosa e dois barris de óleo.
Foi essa iniciativa que abriu as portas para que novos investidores tentassem reproduzir no Brasil os mesmos caminhos que enriqueceram do dia para a noite alguns americanos empreendedores.
Entretanto, a prospecção do petróleo no país demorou a conseguir bons resultados. A primeira perfuração realizada pelo Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil ocorreu em Mallet no Paraná em 1919. Atingiu 84 metros, mas foi abandonado no ano seguinte.
Com a frota de veículos automotores crescendo nas primeiras décadas do século XX, a demanda por combustível foi ampliada, cobrando a produção de outros derivados do petróleo e a sua distribuição para os grandes centros consumidores.
Assim surgiu a primeira destilaria brasileira, que transformava petróleo vindo da Argentina. Entrou em funcionamento na cidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, em 1933.
A Destilaria Rio-Grandense de Petróleo S/A foi o resultado da associação dos empresários brasileiros João Francisco Tellechea e Eustáquio Ormazabal com empresários argentinos.
Ainda nos primeiros anos de funcionamento esse empreendimento foi praticamente inviabilizado por uma medida do governo argentino, que proibiu a reexportação de petróleo, impossibilitando o esquema de recebimento de matéria-prima da empresa.
Surgiu então outra sociedade envolvendo empresários brasileiros, uruguaios e argentinos, que decidiu por uma nova planta da refinaria instalada numa estreita faixa de terra entre o oceano e a Lagoa dos Patos, no município de Rio Grande, ainda no Rio Grande do Sul.
A Refinaria de Petróleo Ipiranga foi inaugurada no dia 7 de setembro de 1937, dando origem à Petróleo Ipiranga, que passou por um processo de nacionalização em abril de 1938, quando o governo de Getúlio Vargas utilizou a Constituição de 1937 para decretar que só poderiam ser acionistas de refinarias de petróleo os brasileiros natos. Os sócios argentinos e uruguaios foram obrigados a vender suas ações.
Esta nova empresa destilava petróleo bruto do Equador transportado por navio petroleiro de bandeira argentina, que fazia sua rota passando pelo Estreito de Magalhães, no extremo sul da América do Sul.
Foi ainda em 1938 que Getúlio Vargas criou o Conselho Nacional do Petróleo com a responsabilidade de conduzir todas as operações para que se encontrasse a fonte para abastecer o país com combustível líquido.
No ano seguinte foi descoberto petróleo em Lobato, no Recôncavo Baiano. A prospecção foi realizada pela divisão de Fomento e Produção Mineral, um órgão do Departamento Nacional da Produção Mineral. O poço foi abandonado por não ter produção comercial.
Somente em 14 de dezembro de 1941 foi que se descobriu o primeiro campo comercial de petróleo do Brasil. Ficava em Candeias na Bahia, estado onde novas descobertas ocorreram na década de 1940.
Um aspecto importante da história da exploração do petróleo no Brasil teve como origem a falta de bons resultados das prospecções. Como o petróleo não aparecia, logo se atribuiu isso às “forças ocultas” que boicotavam o país na sua busca por autonomia energética.
Monteiro Lobato, que além de escritor renomado, tinha sido adido comercial nos Estados Unidos, e o alagoano Edson de Carvalho, lideraram por muitos anos essa tese.
Em 1936, o famoso escritor de histórias infantis publicou o livro “O Escândalo do Petróleo e Ferro“, denunciando os possíveis boicotes por parte de empresas estrangeiras. Segundo Lobato, a Standard Oil, tinha como lema “não explorar e não deixar que explorem”.
Como o país vivia um surto nacionalista em pleno governo de Getúlio Vargas, o assunto passou a ser amplamente debatido por suas implicações estratégicas e patrióticas.
Petróleo em Alagoas
O primeiro subproduto do petróleo a circular em Alagoas foi o querosene importado dos Estados Unidos. Era utilizado principalmente como combustível para iluminação.
No varejo, era vendido em latas como mostra o anúncio publicado no Jornal Mercantil de 31 de outubro de 1864, que circulava em Maceió: “Kerosene a 7$000rs. a lata, o melhor e mais barato deste mercado o vende — Meirelles”.
Na história de Alagoas, o querosene também foi personagem de inúmeros desastres. Muitas vidas foram perdidas em incêndios provocados pelo uso descuidado desse combustível.
Foi por temer estes acidentes que em 27 de agosto de 1879, o Orbe chamava a atenção das autoridades para a instalação de “um depósito de querosene em grande escala, que pretendem estabelecer em Jaraguá entre dois trapiches alfandegados o Segundo e o de Jaraguá. Chegou a nosso conhecimento que o iniciador de semelhante ideia tem o propósito de mandar vir diretamente dos Estados Unidos carregamento do tal gás de iluminação, para o que já estão procedendo aos necessários reparos no edifício que deve servir para armazenar o inflamável gênero”.
Outro combustível utilizado em Alagoas no final do século XIX era resultado recolhimento no litoral de determinadas rochas. “As populações conheciam e usavam os afloramentos de xisto betuminoso, em pequenas quantidades, como combustível doméstico”, registrou Edson de Carvalho em seu livro famoso O Drama da Descoberta do Petróleo Brasileiro, de 1958.
Era relativamente fácil extrair a parte oleosa do xisto. Bastava moer a rocha e aquecê-la a uma temperatura de aproximadamente 500 °C, com isso se obtém o “petróleo de xisto“.
A comprovação disso pode ser encontrada no Almanak do Estado de Alagoas de 1894, no título “Mineralogia”: “Em diversos pontos do Estado, especialmente nas comarcas de Maceió e Camaragibe, encontra-se turfa e xisto betuminosos; na margem do S. Francisco pedras calcárias, cristais, marne, fosfato de cal, carvão de pedra e guano; na Palmeira o ferro, o imã; nos morros de Camaragibe lignites. Também há mármores em Viçosa. Agora é que a indústria tenta iniciar a exploração destes minerais”.
Segundo o historiador Moreno Brandão, na Monografia do Município de Maceió publicada no Boletim da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro em 1929, as jazidas de Riacho Doce foram as pioneiras em Maceió: “Essas jazidas começaram a ser objeto de pesquisas em virtude de uma tradição popular, que falava de incêndios espontâneos ocorridos na ribeira daquele ponto e em lugares adjacentes. A explorá-las se atiraram algumas pessoas que nada conseguiram”.
As pesquisas realizadas por Octávio Brandão em terras alagoanas entre o final de 1916 e início de 1917 também detectaram a presença do xisto em várias regiões. No livro Canais e Lagoas o ilustre filho de Viçosa registra inúmeros afloramentos do que ele chamou de folhelhos.
(Continua AQUI).
Falar de petróleo em Alagoas e não citar o desenvolvimento trazido pela prospecção do ouro negro em S. Miguel dos Campos é no mínimo uma injustiça. Morava lá no auge da exploração. A cidade fervilhava com o movimento causado pelos veículos e operários lotando os hotéis São Sebastião e São Cristóvao, este de propriedade de minha avó, dona Ester. Pode-se dizer que São Miguel dos Campos sem o petróleo não seria o que é hoje.
Alguns erros precisam ser corrigidos.
1) O poço de Lobato foi desenvolvido por Edson Cordeiro, cuja saga foi narrada tanto por Lobato como por especialistas em petróleo posteriores. Vargas se apropriou do poço, não indenizou os investimentos de Cordeiro e ainda demitiu-o da Bolsa Mercantil, condenando-o à pobreza.
2) O texto diz: “Segundo Lobato, a Standard Oil, tinha como lema “não explorar e não deixar que explorem”.” A informação é falsa. O lema não era da Standard Oil, mas sim do governo Vargas, cujos insistentes pedidos de autorização para exploração e recursos de sondas eram negados sob a alegação de que os técnicos do DPM haviam decidido que no Brasil não havia petróleo. Um destes técnicos, Victor Oppenheimer, havia trabalhado para a Standard Oil na Argentina e, suspeitava-se de que os americanos não queriam que o Brasil descobrisse petróleo para manter uma reserva para o futuro. Fizeram de tudo para impedir o desenvolvimento privado e conseguiram. Os debates no Congresso, anos depois, para o estabelecimento da Petrobras são essenciais para se entender o tema e, de lambuja, o Brasil estatista.