Mestre Deodato, o mais famoso escultor alagoano
Filho de uma família pobre, Antônio Deodato Sobrinho nasceu em 1926 no bairro popular da Levada, em Maceió, Alagoas.
Ainda criança começou a esculpir com argila sem maiores pretensões, mas aos 13 anos de idade, para ajudar no seu sustento, passou a vender algumas das suas peças na Feira do Passarinho, próximo ao Mercado Público da capital.
Outro trabalho desta fase de sua vida, que lhe marcou profundamente, foi o de espantador de urubus de um matadouro que ficava perto de Fernão Velho.
Em entrevista para a revista Última Palavra de 26 de fevereiro de 1988, Mestre Deodato assim falou sobre este trabalho: “Até hoje essa história me arrepia e me deixa com o coração na mão. A atividade de um espantador de urubu não é mole, é pegar uma vara enorme e sair correndo atrás daqueles miseráveis”.
“Não posso mais ver um bichinho preto daqueles que um troço ruim me invade, mas de qualquer forma valeu a pena, a sobrevivência estava em jogo”, explicou.
Ainda jovem também abraçou a boemia que iria lhe acompanhar ao longo de sua vida. Seu lado festeiro surgiu durante os carnavais que movimentavam a Rua Santo Antônio na Ponta Grossa com o bloco das Pás Douradas, grande adversário do Cara Dura e Cavaleiro dos Montes.
“Os primeiros tamborins de couro de gato aprendi com os negões da Ponta Grossa, e haja gato! Naquele tempo as escolas eram verdadeiras e entravam na avenida com um apetite voraz. Eram mais independentes”, lembra o também compositor de sambas e depois criador de alegorias para escolas de samba do Rio de Janeiro.
No início dos anos da década de 1940, sentou praça no Exército, no 20º BC, de onde saiu como cabo. Nesse período conviveu com Haroldo e Jaime Miranda. “Fazíamos um trio que perturbava muito desde aqueles tempos, a gente enxergava mais as coisas. Nossa ‘escola’ era ali perto do Bar do Chopp, onde nós nos reuníamos a fim de quebrar umas, papear de política e tomar uns piricuticos”, recordou Deodoato.
Em São Paulo
Em 1947, logo após o fim da segunda guerra mundial, Deodato resolveu arriscar o sucesso como artista em São Paulo. Tomada a decisão, embarcou no primeiro navio que aportou em Jaraguá, levando uma mala de madeira e o endereço de amigos da família.
“Era uma mala mesmo, daquelas de madeira forrada com pano e pintada por mim: de um lado uma onça brigando com uma cobra, do outro um pavão vistoso com um rabão enorme. Essa mala foi quem serviu de travesseiro no navio, mas tive o máximo de cuidado com ela, pois ali estava meu futuro”, revelou.
Permaneceu na casa dos amigos da família por quase um mês, e como não conseguiu trabalho, foi alertado que se não conseguisse emprego seria jogado na rua. Não conseguiu e foi para a rua sem a mala.
“A casa era um sobrado. Quando viram que era eu que estava batendo na porta, fecharam na minha cara, e o que foi pior, largaram minha mala lá de cima, que passou de raspão em minha cabeça e se partiu em dois pedaços. Me deu um nó na garganta e saí por ali, cabeça baixa, um frio de lascado nas ruas do Brás”, lembrou com tristeza.
No boxe
Mesmo com imensas dificuldades, não desistiu e passou a expor e vender seus trabalhos na Praça da República, sendo um dos criadores da feira de artesanato no local, que mais tarde ficou conhecida como Movimento de Arte da Praça da República.
Trabalhou ainda numa fábrica de vassouras, como condutor de bondes e depois como pintor letrista na oficina dos bondes.
Como era alto (1,80 m) e forte, começou a praticar boxe no Clube Espéria. Teve uma ascensão fulminante, chegando a brilhar nos ringues paulistas, sendo um dos primeiros colocados do Campeonato de Boxe da Gazeta Esportiva, uma das competições mais importantes do país.
Com a mesma rapidez que fez sucesso, viu-o ir embora: “Um dia meti o focinho na lona, passei 21 dias internado no Hospital Beneficência Portuguesa com o nariz todo rebentado, parecia mais uma tromba mole. O nocaute acabou com todos meus amigos, namoradas e fãs. Parei de lutar, mas segui a vida, atento aos lances”.
Santeiro
Mesmo com todas estas atribulações, casou-se com Maria Lucia C. Deodato, com quem teve os filhos Antônio Sérgio Deodato, que nasceu no dia 24 de dezembro de 1952, e José Reinaldo Deodato, também escultores.
Começou a fazer sucesso e passou a representar Alagoas nas feiras e encontros em que o Estado precisa exibir sua cultura e sua arte.
Foi assim que nos anos 60 foi escolhido como o melhor escultor do Norte-Nordeste em uma feira em Fortaleza e depois em Gramados, também foi premiado pela melhor escultura, quando recebeu a encomenda de esculpir o busto oficial do presidente Ernesto Geisel.
Nesse tempo, sua obra, em madeira ou em argila, “mostrava a desgraça dos nordestinos”, com meninos com barriga d’água e enterros na rede. Realizou sua primeira exposição individual na Galeria Atrium (SP) em 1968
Em seguida, iniciou a fase de santeiro, principalmente esculpindo São Francisco, “um símbolo da paz, que resiste à violência interminável e sem sentido do homem contra o próprio homem”, justificou.
Deste período, ele lembrou de um caso que repercutiu nacionalmente, sendo até notícia no Fantástico: um Cristo Ressuscitado em madeira teria expelido sangue do seu corpo. A partir de então passou a ser procurado por “coroinhas, velhas beatas e devotas”, que passaram a ver no escultor um milagreiro.
“Uma mulher se jogou aos meus pés pedindo a benção e uma palavra de conforto. Foi uma sensação muito desagradável. Quando levantei a cabeça dela, saiu correndo esbaforida dizendo que fiz um milagre. Tudo não passou de uma tinta avermelhada de resina de madeira que o calor fez liberar”, explicou.
Professor de escultura e um ferrenho divulgador da sua arte, fez parte do livro Arte Contemporânea das Alagoas, Maceió, 1989. Além disso, recebeu da Assembleia Legislativa de São Paulo a Grande Medalha do Salão da Primavera.
Em Alagoas, uma das suas obras mais conhecidas e visíveis é a escultura do Marechal Deodoro, no trevo da Rodovia AL-101 Sul.
No município de Marechal Deodoro, onde foi morar após receber o convite para ser secretário municipal de Cultura, montou a Oficina Mestre Deodato, voltada para os jovens que pretendem aprender a esculpir.
Segundo sua neta, a jornalista Lívia Deodato, Mestre Deodato costumava dizer que “a arte já estava dentro da madeira e que só era preciso descascá-la”.
Após passar uma temporada em sua terra natal, voltou a residir em São Paulo, onde faleceu no dia 27 de Dezembro de 2012.
Prezado Ticianelli,
Só tenho a agradecer a gentileza de tuas publicações acerca de nosso torrão natal, Alagoas, que nos proporcionam informações sobre a História de nosso Estado e de suas personalidades, muitas ignoradas ou esquecidas.
Parabéns, Ticianelli.
Abraços fraternais,
Claudio Ribeiro – C. Abreu, RJ.
Alagoano, de Fernão Velho
Sabia da existência do Mestre Deodato, mas desconhecia sua bela história de vida. Parabéns pelo relato! Amei!
É uma alegria muito grande ver nossa história (de Alagoas) sendo divulgada, e nesse caso, com uma de suas imortais personagens.
Grande mestre Deodato…
Tenho uma amiga que ama seu trabalho e tem São Francisco na rica parede…
Mestre Deodato! Alagoano brilhante dentre tantos outros desse nosso pequeno Estado que se destacaram no Brasil e no mundo!
Parabéns pela excelente reportagem.
Que matéria legal!! Que saudades…Conheci mestre Deodato em São Paulo, era meu vizinho. Em dias de folga eu me atrevia a aprender arte com ele. Mas era muito maior o prazer da companhia, que minha capacidade de esculpir alguma coisa. Me divertia com suas histórias e seu jeito de marrar os fatos. E Dona Lúcia, era uma santa! Ele mesmo dizia. Serena e racional, era uma âncora segura, contrastando com o marido inquieto e sonhador. Muitas saudades!!!
Conheci pessoalmente este grande artista…. ele foi visitar o presídio de Aracaju, em Sergipe. Lá eu fazia algumas peças em madeira usando colas e tintas em alto relevo..dei ale uma de minhas peças e ele me deu uma peça de madeira muito linda que guardo até hoje…. hoje trato com telas tintas óleo com paisagens… ele escreveu : ”’ que este possa ser o início de sua vitória ”’…. ou algo parecido….preciso rever….
Antônio Deodato….te amo.