Vila São Francisco e o crime do Beato Franciscano

Igreja e Orfanato São Francisco na Vila de mesmo nome

Situada na fronteira entre Quebrangulo e Paulo Jacinto, na zona da mata alagoana, a área que viria a se constituir na Vila São Francisco existiu por muitos anos somente como um empreendimento agropecuário.

A primeira grande mudança sofrida na região foi a passagem do ramal ferroviário da Great Western of Brazil Railway, que passou décadas sendo implantado e tinha o objetivo de atingir o município de Porto Real do Colégio, à margem do Rio São Francisco.

A Great Western chegou a Quebrangulo em 1912.

Estação Ferroviária de Quebrangulo inaugurada em 1912

O projeto de ampliação teve início no final do século XIX, quando a rede ferroviária ainda pertencia a empresa Alagoas Brazilian Central Railway. O primeiro prolongamento alcançou Viçosa em 1891, partindo da estação Lourenço de Albuquerque (Rio Largo).

O progresso dessa expansão era tão demorado que após Quebrangulo (1912), o trecho até Palmeira dos Índios somente foi entregue em 1933. Porto Real de Colégio só viu a fumaça de uma locomotiva em 1950.

De 1912 até 1938, ano em que o Beato Franciscano chegou ao sopé da Serra Grande em Quebrangulo, não há nenhum registro da formação de qualquer núcleo urbano naquele local. Segundo os mais antigos, o primeiro morador foi o próprio religioso.

Antônio Fernandes Amorim

Beato Franciscano em foto publicada na Folha da Tarde em 8 de outubro de 1954 numa reportagem de Audálio Dantas

Esse era o nome de batismo da criança que nasceu em 15 de agosto de 1901 no povoado Mata Escura em Viçosa, Alagoas (há também registro que teria nascido no povoado Formigas em Paulo Jacinto). Era filho de José de Barros Amorim e Tertulina Barros Costa, ambos parentes próximos do padre Francisco de Borja Barros Loureiro, que foi vigário em Viçosa.

Um recente estudo do padre alagoano Manoel Henrique de Melo Santana identifica os pais do beato como sendo Joaquim Barbosa Amorim (Joaquim Garapeiro) e Tertuliana Maria da Conceição, além de citar que ele teve sete irmãos e que um deles, Manoel Barbosa Amorim (Cacau), era curandeiro de animais.

Segundo a dissertação de MestradoPor amor às almas: um estudo das dissidências e proselitismo religioso em Quebrangulo-Al”, de Ulisses Neves Rafael, “sua mãe falecera durante uma viagem de peregrinação ao Juazeiro do Norte, tendo a criança ficado aos cuidados do próprio Padre Cicero, que o internou no Convento das Chagas em Canindé, Ceará.

Em outra versão, sua mãe, uma viúva, resolveu ir morar em Juazeiro no Ceará em busca da ajuda do padre Cícero Romão Batista para criar o seu filho, reproduzindo o gesto de muitas mães daquele período. Padre Cícero teria encaminhado o menor para o Convento das Chagas junto com um dote de dez contos de réis para os frades.

Essa entrega do filho a um abrigo pode ser atribuída ao reconhecimento, por parte da família, que o menino tinha uma mente debilitada. Seu pai de criação o proibia de frequentar a escola temendo piorar a sua situação.

O menino Antônio era reservado e gostava de se recolher para meditar sobre as missões divinas. Praticava obras de caridade, dizendo ser orientada tal prática por vozes que ouvia. Quando ficava melancólico, escondia-se para chorar.

Em 1927, com 26 anos de idade, foi transferido para Recife, onde permaneceu por poucos anos no Convento da Penha. Em Pernambuco conheceu a Ordem Terceira de São Francisco de Assis, passando a conviver com os capuchinhos italianos. Era uma organização de leigos que adotava a penitência, a fé e a caridade cristã. Esteve ainda no Convento de São Francisco, em Salvador, Bahia.

Sem saber ler e nem escrever, sonhava em ser frade, mas passou todo esse período trabalhando como serviçal nos conventos.

Não se sabe a data da sua volta a Alagoas após 30 anos de permanência em vários conventos, mas há a possibilidade de ter trabalhado em Junqueiro, Alagoas, no início dos anos 30. Servia ao padre Daniel Bezerra da Costa.

Essa prestação de serviço em Junqueiro, provavelmente foi a última da sua longa carreira como dedicado servidor de instituições religiosas.

Há a informação, que carece de comprovação, que o padre Daniel Bezerra da Costa cometeu o suicídio e a Igreja Católica não permitiu o seu sepultamento em “terra santa”. É possível que seus ossos tenham ficado sem o devido destino por ter cometido, para os cristãos, um dos pecados capitais.

O que levou Antônio a se transformar no Beato Franciscano foi a missão que lhe atribuiu o padre Daniel em um sonho. Queria que ele construísse uma capela à Santa Terezinha e nela fossem depositados seus ossos.

Surge o Beato Franciscano

Serrinha em Batalha é hoje referência por sua tradicional Cavalgada. Foto de Hector Emilio

Foi em 1936 que Antônio iniciou sua incumbência determinada por um sonho. Escolheu um monte, conhecido como Serrinha — Serra do Bom Jesus, próxima ao povoado de Belo Monte, hoje o município de Batalha em Alagoas —, e lá se abrigou em um casebre de pau-a-pique. No entorno, plantou uma pequena horta e um roçado de milho e feijão.

Sempre com um crucifixo na mão direita e vestindo um hábito negro com um enorme rosário pendurado no pescoço, o Beato pregava que “era chegada a hora da penitência”. Para alguns, era a reencarnação do Padre Cícero, falecido há menos de dois anos, em julho de 1934.

O próprio Beato fortalecia essa ideia ao sempre reafirmar ser um dos discípulos do líder religioso e político do Juazeiro. Em parte era verdade, considerando que ele foi seu apadrinhado quando recebido no Ceará e internado no Convento das Chagas.

O início da sua popularidade na região foi atribuído ao fato de ter indicado a um vaqueiro onde estaria sua vaca desaparecida. A história se espalhou e o “homem de batina negra” passou a ser procurado por seus poderes sobrenaturais.

Suas pregações rapidamente se transformaram em cultos para centenas de pessoas desassistidas naquela região sertaneja. Expulsos de suas terras, alguns deles passaram a morar na Serrinha dando início a um povoado.

Esses sertanejos deixavam de trabalhar nas fazendas locais, dificultando para os seus proprietários a contratação de mão-de-obra. Logo surgiram argumentos sobre os riscos daquele povoado de fanáticos, onde já havia sido erguida uma cruz, lembrando o exemplo de Canudos, na Bahia.

No início de 1938 uma multidão frequentava a Serrinha e os fazendeiros resolveram agir para acabar com aquela possível ameaça aos seus interesses. Utilizaram o padre da igreja local para enviar uma carta ao governador Osman Loureiro relatando que havia um aglomerado com aproximadamente 300 cangaceiros, praticando desordens e ameaçando tomar a cidade, além de se ter um beato aliciando trabalhadores e exercendo ilegalmente a medicina.

Denunciados como cangaceiros, o governador mandou investigar e enviou o então major Lucena Maranhão para conhecer o local. Famoso por seus embates com cangaceiros, Lucena e seus soldados matariam Lampião e alguns dos seus seguidores em Angicos, no mês seguinte.

Em maio de 1938, acompanhado por seis policiais, Lucena foi até a Serrinha, abordou o Beato e dele ouviu os objetivos de sua pregação. O Franciscano explicou que não tinha interesse em prejudicar ninguém. Lucena, por via das dúvidas ordenou que todos fossem revistados.

O Beato concordou, mas disse que nada seria encontrado pois era uma das suas recomendações que ninguém deveria portar arma na Serrinha. De fato, nada se encontrou e no relatório do militar ao governador, Lucena fez constar que não encontrou irregularidades e que, na verdade, era um grupo de fanáticos religiosos.

Mesmo assim, Lucena recomendou que ele deveria deixar o local e que ao fazer isso, naturalmente o grupo se dispersaria evitando que a situação se agravasse. Reforçando a orientação, o experiente policial informou ainda que o assassinato do líder religioso estava sendo tramado pelos fazendeiros da região.

Convencido a deixar definitivamente Serrinha, o Beato aceitou o convite de Lucena e o acompanhou até Santana do Ipanema para conversar com o Padre José Bulhões.

Percebendo que o Franciscano poderia sair de Batalha, mas continuaria sua cruzada em outro local, Padre Bulhões o orientou a adquirir uma área onde não houvesse ameaça alguma a ele.

Assim foi feito e o Beato iniciou a procura de um lugar onde pudesse continuar com suas pregações sem temer a morte.

Por meio de um dos seus romeiros, soube do interesse que tinha Luís Sibaldo em vender uma porção de terra entre Paulo Jacinto e Quebrangulo, no sopé da Serra Grande. Conheceu o local e resolveu comprá-lo, principalmente por perceber que ficava à margem da ferrovia.

Vila São Francisco

Igreja e Orfanato São Francisco

Em Quebrangulo, tal como no sítio anterior, rapidamente o local foi ocupado por centenas de romeiros que cuidaram de criar condições de sobrevivência para todos na vila que se formava e que já tinha recebido como padroeiro São Francisco de Assis.

O nível de investimentos em benfeitorias foi bem maior que o de Batalha, considerando que agora estavam ocupando uma área particular, não mais sujeitos a expulsão.

A escritora e professora Enaura Quixabeira Rosa e Silva, em seu estudo A Utopia cristã nordestina, relata que “na época do Beato havia uma colheita de 500 a 600 sacos de feijão, e se destacava pela limpeza das casas, a existência do orfanato e da casa dos idosos. O Beato construiu ainda a igreja e uma escola”.

Mesmo sabendo ser uma liderança expressiva de sua comunidade e contando com o prestígio crescente pelos resultados alcançados, o Beato mantinha uma vida simples, participando ao lado dos seus segiuidores dos mutirões para construção de casas ou de plantios de roças e dando atenção a todos que o procuravam.

José Maria Tenório Rocha, em Quebrangulo, Quebrangulo sempre serás!, identifica o Beato como alguém inofensivo: “seu maior amor e trabalho era com o orfanato que mantinha quase cinquenta crianças, que gostavam demais daquele homem de batina preta”.

Gilvan Gomes das Neves, em sua dissertação de mestrado O Beato Franciscano: messianismo religioso em Alagoas, cita o jornalista alagoano Audálio Dantas que o entrevistou três vezes: “dizia que ele se acreditava um predestinado e que vivia em exaltação mística. ‘Eu falo com os passarinhos’ — disse ao repórter, enquanto alimentava uma codorniz, a quem chamava carinhosamente de ‘Menininha’”.

Na Vila São Francisco predominava o clima de solidariedade humana e os romeiros não deixavam ninguém ficar sem alimentos. Não se vendia cachaça ou fumo e até os palavrões eram reprimidos.

As missas eram celebradas pelo vigário de Quebrangulo, que não se cansava de elogiar o bom comportamento e a atenção dos romeiros durante os cultos. O Franciscano também contribuía generosamente para as obras da Igreja Católica.

As festas organizadas por ele em homenagem a São Francisco atraiam multidões e a vila tinha que improvisar alojamento e alimentação para uma população muito superior às permanentes romarias.

Mesmo sem saber ler ou escrever, conseguia se comunicar com as autoridades. Para enviar uma carta, pedia a ajuda dos romeiros alfabetizados. Compensava a falta de estudos com uma boa memória, o que facilitava ordenar os assuntos para as suas pregações.

O milagre da cruz

O Beato dizia que falava com os animais. Na foto alimenta Menininha, uma codorniz

No início dos anos 50, quando já estava bem estabelecido em Quebrangulo, o Franciscano planejou uma visita a Batalha, local de onde foi expulso em 1938. Era uma espécie de vingança. Queria mostrar o que poderia ter feito por aquele município

Para aumentar o simbolismo do seu retorno, mandou os carpinteiros construírem um enorme cruzeiro utilizando os troncos de duas grandes árvores. Essa cruz seria carregada pelos fiéis até Batalha, onde seria fincada na Serrinha.

Após muito preparativos, teve início a caminhada, mas logo se observou que a cruz era muito pesada. Programou-se então o revezamento dos carregadores para intervalos de tempo razoáveis. Mesmo assim, alguns reclamavam que mal conseguiam levantá-la.

Notando que na verdade as pessoas preferiam caminhar ao seu lado, permanecendo poucos no transporte da cruz, o Beato mandou parar a procissão e subiu na cruz, ficou de pé no cruzamento das pranchas e pediu a levantassem para continuar a caminhada.

Imediatamente a cruz ficou leve e pôde ser conduzida com facilidade. Com mais carregadores que antes, o peso diminuiu para cada um dos fiéis. Quando o Franciscano descia, reduzia a quantidade dos carregadores e a cruz voltava a ficar pesada. Assim aconteceu o milagre da cruz do Beato Franciscano.

Política

Deputado Humberto Mendes

O Franciscano sabia da influência política que tinha entre os seus seguidores e utilizava esse poder para beneficiar a Vila São Francisco.

Nas eleições para a prefeitura de Palmeira dos Índios, em 1950, por exemplo, teve participação decisiva na vitória de Manoel Sampaio Luz (Juca Sampaio), sobre Humberto Mendes.

Após os primeiros anos de mandato, o prefeito não deu a atenção prometida ao povoado e o Beato, sentindo-se desprezado e traído pelo mandatário, se aproximou de Humberto Mendes por indicação do deputado Abrahão Moura.

Esse apoio garantiria a eleição para deputado estadual de Humberto Mendes nas eleições de 3 de outubro de 1954, diminuindo as chances do filho de Juca Sampaio, Geraldo Sampaio, que tentava ocupar a vaga de Remi Maia, chamado a concorrer à Câmara dos Deputados.

Como se percebe, o Beato era peça decisiva no xadrez político do agreste alagoano naqueles anos e a sua opção pelos Mendes provocou inquietação entre os políticos das famílias Sampaio e Maia.

O crime do Beato Franciscano

No dia 30 de julho de 1954, uma sexta-feira, a Vila São Francisco vivia os preparativos para a tradicional festa de aniversário do Franciscano, prevista para acontecer entre os dias 12 e 15 de agosto.

No meio da tarde, dois homens vestindo grossos capotes caminhavam pela Vila fazendo perguntas sobre a vida e os costumes do Beato. Haviam chegado ao povoado na noite anterior e tinham pernoitado no mato para não chamarem a atenção.

Como não conheciam o Franciscano, pediram a um dos moradores para apontar quem era ele. Pensando se tratar de novos seguidores, o que era muito comum acontecer, foi indicado a eles um senhor baixo e magro de terno branco.

Passaram então a segui-lo e entraram logo após ele na capela de São Francisco, onde o Franciscano cumprimentou aos vários fiéis e saiu. Quando na rua, o Beato percebeu que uma lâmpada piscava em um poste defronte ao orfanato.

Passava um pouco das 8 horas da noite quando pediu para que Francisco Inácio da Silva providenciassem uma escada enquanto ia até a sua casa buscar outra lâmpada.

Estava sobre a escada rosqueando a nova luminária quando recebeu dois tiros de um dos pistoleiros e mais dois do outro. Mal conseguiu descer a escada e caiu para morrer em seguida.

Francisco Inácio tentou impedir os tiros se jogando contra os autores dos disparos, mas também foi atingido mortalmente. Para garantir que o crime tinha sido realizado como contratado, um dos assassínios aproximou-se do corpo caído do Beato e deferiu-lhe mais dois tiros à queima-roupa.

Na fuga, foram perseguidos a pé por Azarias Gracindo da Rocha e Francisco Luiz da Silva, este último também foi atingido por um dos tiros disparados. Foi socorrido e transportado para Maceió. Há a informação, não comprovada, que faleceu posteriormente.

Azarias Gracindo ainda continuou na perseguição e somente não morreu porque os assassinos não tinham mais balas. Mas só desistiu ao receber uma coronhada de revólver na cabeça.

O enterro do Franciscano ocorreu na tarde do domingo, 1º de agosto, e seu caixão foi levado por uma multidão de fiéis.

O inquérito

O pistoleiro José Guilherme da Silva, o Cacutá, foi preso em São Paulo

O assassinato do Beato chocou a população do agreste e no dia seguinte, após ser noticiada nas primeiras páginas dos jornais em Alagoas, mobilizou a opinião pública, que passou a exigir a punição dos criminosos.

Ainda no sábado, 31 de julho, o Secretário de Estado dos Negócios do Interior, Justiça e Segurança Pública, Hélio Cabral de Vasconcelos, orientou ao delegado da Ordem Política e Social, Fernando Dâmaso, que apurasse os crimes com o apoio do escrivão Souza Borges, da 1ª Delegacia Auxiliar da Policia da Capital.

Humberto Mendes, candidato a deputado, acompanhava as investigações indicando quem eram os possíveis mandantes e pressionando a Polícia a agir rapidamente.

Com o inquérito em andamentos e percebendo que a garantia de proteção dadas pelos contratantes poderia falhar, os criminosos trataram de fugir.

Um deles, Luís Rodrigues, mais conhecido como Luís Lambiqueiro, recebeu dois mil cruzeiros em Palmeira dos Índios e foi orientado a procurar abrigo em uma fazenda de União dos Palmares. De lá tomou destino ignorado e ninguém mais teve notícias dele.

José Guilherme da Silva, o Cacutá, também chegou em Palmeira dos Índios na tarde da terça-feira, 3 de agosto. Teve contato com um dos mandantes, recebeu seus dois mil cruzeiros e depois foi levado até Bom Conselho em Pernambuco.

Dias depois, voltou a Palmeira dos Índios, confessou ao pai ter cometido o crime e pediu que ele procurasse sua mulher e a mandasse vender tudo e ir com os seis filhos para Propriá, onde se encontrariam e seguiriam para São Paulo. Foram ainda até Aracaju, onde após dois dias embarcaram em um trem para a capital paulista.

Segundo o jornal paulista Correio da Manhã de 1º de setembro de 1954, José Guilherme da Silva e a família estavam alojados num hotel da Rua Almeida Lima há poucos dias quando foram presos por agentes da Delegacia de Vigilância e Captura. Sua família foi levada para a Hospedaria dos Imigrantes, onde ficou aguardando a volta para Alagoas, o que nunca ocorreu.

Acompanhando a polícia paulista durante a prisão estava o Tenente Osman da Polícia Militar de Alagoas. O pai e o irmão do criminoso haviam informado o destino dele após interrogatório.

Com a prisão de Cacutá e o confissão de várias testemunhas, a Polícia alagoana divulgou o nome de todos os envolvidos.

O jornal Correio da Manhã de 8 de setembro de 1954 noticiou a relação dos supostos responsáveis pelo crime: Remi Maia, deputado estadual e médico muito conceituado; Manoel Sampaio Luz (Juca Sampaio), prefeito de Palmeira dos Índios; Rubem Amorim, bacharel; Frederico Maia, patriarca da família Maia; Ari Maia, irmão de Remi; José Gomes e Luiz Correia. Além dos autores materiais: José Guilherme da Silva, Cacutá, e Luís Rodrigues, o Luís Lambiqueiro.

Cacutá cumpriu 13 anos de cadeia e foi morar em Maceió

Foi expedido mandato de prisão preventiva contra todos, menos para o deputado Remi Maia, por ter imunidade parlamentar, e Frederico Maia, com idade avançada. O primeiro a ser detido foi o bacharel Rubem Amorim. Juca Sampaio e Ari Maia conseguiram fugir da detenção.

Os advogados e correligionários deles denunciavam que havia açodamento na apuração do crime e que os apontados como autores intelectuais eram pessoas de bem.

Somente em maio de 1955 os indicados se apresentaram para cumprir a prisão preventiva, lembrando que as eleições que motivaram o assassinato ocorreram em 3 de outubro de 1954. Humberto Mendes (2.456 votos) e Geraldo Sampaio (1.773 votos) foram eleitos para a Assembleia Legislativa.

Juca Sampaio apresentou-se na prisão de Quebrangulo em 2 de maio. No dia seguinte, Ari Maia e Remi Maia, que abriu mão da imunidade, fizeram o mesmo. Rubem Amorim, que estava na prisão especial no Quartel Geral da Polícia Militar de Alagoas em Maceió, por ser ex-oficial do Exército, também renunciou a este privilégio e foi para Quebrangulo.

No dia 16 de maio foram ouvidos em interrogatório. Nesta data, Juca Sampaio declarou ter 54 anos de idade, Remi Maia, 39 e Ari Maia, 38.

Julgamento

O júri foi marcado para o dia 20 de junho de 1955, no Clube Monte Castelo, em Quebrangulo. Os indiciados como mandantes conseguiram separar os seus julgamentos do de Cacutá, que surpreendentemente desistiu do júri popular.

Vista parcial de Quebrangulo

No dia anterior ao julgamento, Humberto Mendes mobilizou os romeiros para estarem em Quebrangulo cobrando a punição dos acusados. Esperava levar mais de mil seguidores do Beato Franciscano, mesmo recebendo o pedido de Rubens Quintela para não o fazer.

O percurso de cerca de 30 quilômetros foi feito a pé, com o deputado à frente. A expectativa de um conflito era tão evidente que o secretário de Segurança Pública e o comandante da Policia Militar deslocaram para Quebrangulo e um caminhão da PM, que chegou ao local no dia anterior transportando dezenas de soldados.

Na cadeia, amigos, familiares e correligionários dos presos também compareciam em números expressivos, demonstrando solidariedade aos acusados. Temia-se que fossem trucidados durante o deslocamento até o Clube Monte Castelo.

Com os romeiros contidos na entrada da cidade, onde uma barreira da Polícia Militar, fortemente armada, impediu que continuassem, os quatro presos foram conduzidos ao Clube, que estava superlotado de interessados no maior julgamento da história do município.

O juiz Olavo Cahet presidiu o júri, que teve na acusação o promotor público de Anadia, Néo Fonseca, substituindo o titular da comarca. Seus auxiliares foram Sebastião Teixeira e João Sebastião Teixeira.

Na defesa atuaram Nelson Tenório, José Loiola Correia, José Cavalcante Manso e José Laurindo, o Juca Laurindo.

José Magalhães, José Cincinato Tenório, José Soares Sobrinho, Joaquim Florentino Tenório, José Zenou Costa, Severino de Andrade Bitu e Ataíde Teixeira da Silva constituíram o Conselho da Sentença.

Jerônimo da Cunha Lima foi o escrivão e o júri se estendeu até as três horas da madrugada.

A defesa, em sua sustentação, alegou que as confissões que apontavam os quatro réus como mandantes do crime foram conseguidas através de tortura. O júri concordou e todos foram absolvidos por sete a zero.

O promotor, entretanto, apresentou apelação em relação a sentença de Ari Maia, que não chegou a participar do outro júri. Adoeceu na prisão, de onde foi retirado pelo irmão deputado para tratamento em Maceió. Não resistiu e faleceu no dia 10 de novembro de 1956 na Casa de Saúde Lessa Azevedo, depois renomeada para Paulo Netto.

No primeiro julgamento, Cacutá foi condenado a 36 anos de reclusão. Após recurso e um segundo julgamento, pegou 29 anos e 6 meses: 16 anos pela morte do Franciscano e treze anos e seis meses pela morte de Francisco Inácio da Silva. Cumpriu treze anos e meio de cadeia e saiu em livramento condicional.

Vila São Francisco continua viva

Mausoléu do Beato Franciscano no cemitério da Vila São Francisco

Como se estivesse pressentindo sua morte, oito meses antes de ser assassinado o Beato foi até o cartório de Quebrangulo e doou todos seus bens em favor da Custódia dos Capuchinhos de Pernambuco. No ato estava presente o frei Otávio de Terrinca.

A doação era de 13 casas na Vila, inclusive a casa que servia como sua residência; o templo em construção; o terreno da Vila; um terreno entre a Serra Grande e o Alto do Cruzeiro; vários terrenos adjacentes; serviço de luz e energia elétrica com motor e rede de distribuição; serviço de alto-falantes, uma casa na Rua Vidal de Negreiros, 15, em Bom Conselho, PE, e parte de terra em Serrinha, município de Batalha.

A concessão foi condicionada e a Ordem não poderia alienar qualquer dos imóveis cedidos. Além dessas obrigações, deveria estabelecer e conservar na Vila um apostolado cristão, perpetuando a invocação de São Francisco de Assis.

Como resultado dessa doação, em 28 de março de 1954, o Ministro Provincial da Ordem dos Frades Menores de São Francisco de Assis fundou a Ordem Terceira na Vila São Francisco, em Quebrangulo.

Dentre os 20 homens admitidos nos quadros da fraternidade destacavam-se Josué Ferreira de Lima (Irmão Modesto), Humberto Correia Mendes (Irmão Lourenço) e o próprio Beato Franciscano, (Irmão Bernardo), que assumiu o cargo de Ministro da Ordem Terceira de São Francisco de Assis naquela Vila.

Com o assassinato do Franciscano, e cumprindo os compromissos assumidos com ele, a Ordem dos Frades Menores de São Francisco de Assis, em Recife, designou, no dia 13 de outubro de 1954, o italiano frei Jerônimo para fixar residência na Vila São Francisco.

O local também ficou conhecido como retiro do também famoso Frei Damião, que a considerava um lugar adequado para o seu descanso.

Responsável pelo desenvolvimento da Vila, a atividade franciscana iniciada pelo Beato permanece até os nossos dias, continuando a atrair milhares de romeiros à fronteira entre Paulo Jacinto e Quebrangulo.

A igreja de São Francisco, construída pelo Beato Franciscano, permanece como o símbolo mais importante de uma missão que começou com um sonho.

Fontes:

– Depoimentos de diversos moradores de Quebrangulo e Palmeira dos Índios;
– Vários jornais da época;
– A UTOPIA CRISTÃ NORDESTINA: O sonho do Beato Franciscano em Alagoas, de Enaura Quixabeira Rosa e Silva, publicado na Revista Incelência;
– O Beato Franciscano: messianismo religioso em Alagoas, de Gilvan Gomes das Neves, dissertação de mestrado;
– Entre rezas e balas – o Beato Franciscano: messianismo no sertão alagoano, de Gilvan Gomes das Neves, Reflexão, Campinas;
– Por amor às almas: um estudo das dissidências e proselitismo religioso em Quebrangulo-Al, de Ulisses Neves Rafael, dissertação de mestrado.

17 Comments on Vila São Francisco e o crime do Beato Franciscano

  1. André José Soares Silva // 25 de maio de 2018 em 08:59 //

    O fenômeno do Beatismo no Brasil tem suas raízes em Alagoas. É mais um texto formidável que você nos apresenta, Ticianele, parabéns. Participei com padre Manoel Henrique, Professor Álvaro Queiroz, professora Enaura, dentre outros, dessa pesquisa sobre o Beatismo em Alagoas.

  2. Muito interessante essa história , construtiva . Amei , gosto muito de história e essa sempre tive curiosidades de saber, amo saber das histórias que da início e nome a lugares . Como sítios , povoados , vilas, cidades etc.Parabéns a quem fez esse artigo👏👏

  3. Carloberto // 16 de junho de 2018 em 16:32 //

    A bem da verdade: Com referência a detenção de José Fernandes Torres, nos anos 1950, não foi como suspeito de latrocínio , que é crime de roubo qualificado pela morte, e sim, com suspeito de ter agenciado pistoleiros para matar o Beato Franciscano, a pedido de seus amigos de Palmeira dos Índios, o que não ficou provado.

  4. Quase todos os citados, eu conheci… Ou ouvi falar deles:
    José Magalhães (dono de padaria); José Cincinato Tenório (era elemento perigoso; morava vizinho à farmácia de Quebrangulo); José Zenou Costa (meu primo legítimo); Severino de Andrade Bitu (maquiavélico).
    – Eu era muito criança e me lembro das escaramuças daquele Júri. – O que prevaleceu foi o coronelismo reinante… Os Maias eram tidos como dono de Quebrangulo… O velho Frederico Maia (pai de Remy e Ari) foi um dos principais mandantes… Juca Sampaio e Rubem Amorim também afeito a casar e batizar em Palmeira dos Índios… Todos foram absolvidos, contra todas as provas dos autos. – Júri de interior é e sempre será assim. – Sobrou para o pistoleiro, como sempre acontece.

    Jerônimo da Cunha Lima foi o escrivão e o júri se estendeu até três horas da manhã.

  5. José Fernandes Costa // 16 de janeiro de 2019 em 19:56 //

    Voltando com outro comentário – as famílias: Maia, Tenório, Teixeira, Laurindo eram entrelaçadas entre si. Afeitas à política e habituadas a “eliminar” quem lhes fizesse oposição. Principalmente se os opositores não fossem de “prestígio” na região. E não tivessem poder político no estado de Alagoas. 2. Um primo de minha mãe era dentista em Quebrangulo. Homem de bom caráter; sem mácula. Só saía de sua clínica para casa dele, que ficava em frente, na Praça da Catedral. Não saía à rua, muito menos frequentava bares etc. Chamava-se José Rosalvo Costa. Outras pessoas já cansadas dos políticos “tradicionais”, que se revezavam no poder, quiseram que José Rosalvo se candidatasse a prefeito da cidade. Ele relutou, mas terminou aceitando. Perdeu a eleição para o candidato oposto: Frederico Maia Filho. 3. Com isso, José Rosalvo Costa se desgostou e se mudou para Goiás. Vendeu sua fazenda e a casa de morar, fechou a clínica. E nunca mais voltou a Quebrangulo. Quando adoeceu para morrer, veio pra Maceió, com a família; lá faleceu e foi sepultado em Maceió, terra natal da esposa dele: Clarice Barbosa Costa. /.

  6. Carlos Rogério // 25 de fevereiro de 2019 em 11:09 //

    Boa a história so ta errado a região Paulo Jacinto esta cituada na zi a da mata Alagoana sua puviometria anual e de 1750mm Abraços esses dados de agreste e erro do ibge

  7. RESSALVA: no cometário anterior, eu disse que José Rosalvo Costa só saía de sua clínica para a casa “dela”… LEIA-SE: só saía de sua clínica para a casa ✓DELE✓. /.

  8. Edilson Matias Gonçalves // 20 de junho de 2021 em 12:33 //

    A História está _ e será, sempre, _ sendo confrontada com a Verdade.

  9. Fui educada no Orfanato São Francisco de Assis. Interna em 1957, de lá sai, definitivamente em 1970.
    Escrevi um “romance” intitulado A FÊNIX FRANCISCANA e um Cordel, ao quem dei o título de A FILHA DA FÊNIX.
    Ambos não foram publicados por falta de verba. O cordel ainda tentei publicar pela EDUFAL, mas foi considerado inapropriado por, segundo o responsável pela editora, na época, falar de forma exacerbada de Amor Filial e Devoção.
    Sempre que leio algo a respeito de Antônio Fernandes Amorim, a quem fui ensinada, pela Minha Mãe, a chamar Pai Tonho, fico emocionada ao extremo.
    Amei a matéria e os comentários.
    Parabéns.
    Gratidão. https://ada.prosaeverso.net

  10. Alex Carlos da Silva // 21 de outubro de 2022 em 12:34 //

    Estou escrevendo a biografia de minha mãe que também foi educada no Orfanato São Francisco, provavelmente no final dos anos 1950 ate meados de 1965, pq veio para São Paulo em 1967. O nome dela é Julita, mas foi registrada pelo nome de RITA.
    Queria saber se apenas meninas eram internas ou se tinha meninos também?
    A igreja de São Francisco era uma paróquia?
    Obrigado!

  11. Parabéns pelo trabalho realizado!
    Fiquei feliz em saber um pouco mais sobre esta história!
    Meu avô, Cicero Sibaldo Oliveira foi criado pelo Beato Franciscano após a morte de seu pai.

  12. bomfim angelo // 20 de dezembro de 2023 em 17:16 //

    meu avo foi adotado pelo franciscano nome de maneol guida e o franciscano mandou ele cuida do moro senhor do bonfim em batalha ,onde meu avo cuidou ate 1999 quanto faleceu …

  13. bomfim angelo // 20 de dezembro de 2023 em 17:18 //

    oi boa tarde acho q seu avo conheceu o meu tambem manoel guida da serrinha em batalha .

  14. Vim pesquisar a história do humberto após encontrar uma foto dele nas coisas da minha falecida avó. Na imagem há um texto impresso que diz “uma lembrança do meu inesquecível compadre, aos Romeiros de São Francisco.
    Humberto Corrêa Mendes
    30.7.1954”

  15. Deus abençoe a Vila Franciscana, lugar que conheci através de uma amizade por Lúcia Santos.

  16. Luiz Gonzaga da Silva // 13 de abril de 2024 em 21:14 //

    Quando assassinaram padrinho Antônio eu tinha cinco anos, meu pai José Domingos era muito próximo dele, sofreu muita perseguição pois dos políticos, pois o trem saía de Palmeira com destino a Maceió meia noite, o romeiros dormia lá em casa e os políticos diziam que Papai era Cabo eleitoral de Roberto Mendes, com pouco tempo mataram Roberto Mendes na Assembléia em Maceió.

  17. Meu pai também foi cedido p ser criado pelo Franciscano até o sobrenome dele foi mudado colocaram Fernandes Amorim. Que é o que tenho no meu nome e dos meus irmãos. Soube também que meu avô doou uma parte das terras em Batalha ao Franciscano. E vi que ele tinha terras em Batalha que antes de morrer passou p os Franciscanos de Pernambuco. Quanta coisa !s

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