Ponte de Jaraguá: como uma obra serve ao riso e ao choro

Ponte de Jaraguá em 1870

F. Maya Fernandes

Longa e estreita como um caminho suspenso sobre colunas de ferro e estrado de madeira, lá estava a velha Ponte de Jaraguá, cuja inauguração ocorreu no dia 7 de setembro de 1870. O fato aconteceu depois de longos esforços dos governantes anteriores, mas afinal foi José Bento da Cunha Figueiredo Júnior quem a mandou construir pelo engenheiro Hugo Wilson. Diziam que era bonita e que enfeitava Maceió logo em sua entrada. Firmou-se corno um ponto de reunião da sociedade, ricos e remediados, em torno dos que se despediam ou chegavam de longas viagens marítimas que sempre acabavam por mudar suas vidas.

Praça 18 do Forte e antiga Ponte de Jaraguá. Foto do acervo de Alípio Ribeiro cedida por sua filha Cleusa Ribeiro

Distante umas quatrocentas braças da Ponta de Jaraguá ou da Escola de Aprendizes Marinheiros, ela começava ao lado da Recebedoria, antigo Consulado, e do Trapiche Novo e se adentrava pelo mar até umas cem braças na maré baixa, muito próximo da Estátua da Liberdade que dominava o cenário da praia.

Por ocasião de seu desmonte em 1943, deixou duas dezenas de colunas de ferro plantadas nas areias da praia como monumentos retos e escuros, desmoronando aos poucos pela ferrugem ou sendo aterrados pelo violento assoreamento que chegou com o cais do porto represando as correntezas do mar. Hoje, no mesmo local, estão os barcos de oceano e lanchas em carretas de encalhe, próximos da entrada do Porto de Maceió.

Movimentação de tropas militares na Ponte de Jaraguá

Quando foi enfim demolida, chegou a comover Rita Palmares que escreveu na revista “O Natal” daquele ano “uma peça que viu passar pelo seu lastro tantas aspirações, tantas saudades, tantas emoções (…) e também tantas alegrias“.

Eram os noivos que viajavam em busca de situação melhor, bacharéis que conseguiam cargos de promotor e até de juiz no distante Pará, jovens aventureiros que iam sentar praça no Rio de Janeiro, estudantes nos colégios e faculdades da Bahia e do Recife ou até mais distantes, deixando lágrimas “sentidas e sinceras”. Era uma velhinha mãe acenando lenço ensopado de lágrimas para os lados do filho querido que, descendo as escadas da ponte para o bote, olhava para cima quase a chorar, sofrendo assim para um dia “ser gente, fazer figura”.

Muitos saíam da província num clima de desconfiança, um desfalque em que ficaram suspeitos, um defloramento onde não queriam casar, uma dívida muito atrasada, uma acusação qualquer de conspirador numa daquelas arruaças, uma briga com o pai. Mas sempre lá estavam as mocinhas, noivas, amigas, irmãs, primas chorosas, despedidas, flores, corações partidos, independente mesmo do motivo da viagem.

Nem sempre os vapores fundeados ao largo levavam saudades. De lá chegavam os viajantes, a remo, lentamente, em direção da plataforma de atracação da ponte, chapéus nas mãos em aceno, cabeleiras ao vento, retornados ao convívio. Em cima, esperando, corações aos saltos, as mocinhas não tiravam os olhos do recém-chegado, o parente ou noivo diplomado doutor (vocábulo pronunciado com emoção).

Governador Costa Rego recebe uma autoridade na Ponte de Jaraguá

Quase rotina, iam e vinham os políticos, sempre bem vestidos, às vezes de fraque e cartola, para conseguirem no Rio de Janeiro um “reconhecimento de poderes”, cansados de tanta campanha, atas falsas e duplicatas de Câmara ou Senado Estadual seguindo no mesmo navio dois eleitos e diplomados para cada vaga no Congresso.

Às vezes vinham em férias parlamentares para reverem o eleitorado e a família no fim do ano. Era quando gemia o madeirame sob os passos dos “chaleiras”, cabos eleitorais e amigos. E “no rol da ponte, guarita de zinco que abrigava os passageiros de um sol causticante de dezembro ou de uma fria chuva de agosto, era logo promovido o primeiro discurso“, segundo Rita Palmeira.

Imagine-se, irrompiam as manifestações sinceras ou insinceras:

— Viva o Senador Clementino! gritou um animador.

— Alagoas se sente orgulhosa aos pés de seu filho ilustre e invicto! verberou um cabo eleitoral de Penedo.

E até hoje ninguém sabe se o nome da Ponte devesse ser de Embarque ou de Desembarque. Os que gostavam mais da alegria na chegada chamavam-na de Desembarque, mas a maioria preferia a denominação de “Ponte de Jaraguá”. Tornou-se inútil, não pelo envelhecimento que até mesmo todas as coisas têm, mas porque o Cais do Porto permitiu o movimento direto e rápido dos passageiros entre a terra e os navios atracados, cujos capitães até permitiam o embarque dos parentes e amigos para despedida dos viajantes a bordo. Mas a Ponte era romântica, com o bote a se afastar em remadas de ritmo, levando para cada vez mais longe, devagar, o viajante.

Tudo era charmoso e combinava com a arquitetura da obra e com a roupagem das pessoas, enfim como se a sua cobertura final, onde a rampa de bagagem e a escada de passageiros terminavam nas ondas do mar, fosse um quiosque de Paris, nas margens do Sena, ou uma estação londrina no Tâmisa.

*Publicado originalmente no livro “Histórias do Velho Jaraguá”, Maceió, 1998.

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