A batalha comercial de Maceió em meados do século XX

A Feira Franca, na esquina da Av. Moreira Lima com a Rua Boa Vista

A Bota de Ouro na esquina da Rua do Comércio nº 9 e 11 com a 2 de Dezembro

Ednor Bittencourt*

Retornemos à guerra fria dos comerciantes alagoanos, naqueles bons tempos, quando não existiam SUNAB nem clubes para determinar preços. O lema por eles seguido era o eficiente 3B, que não dava a mínima brecha para o aparecimento da temível inflação. Assim sendo, até a poderosa Singer enfrentou, de proa, a Veritas, tão boa quanto ela.

Só não funcionava para os eletrodomésticos, que não existiam na época, a não ser ventilador. Depois apareceram o rádio capelinha, tipo rabo quente; a máquina de costura elétrica e a geladeira Frigidaire. Eram produtos importados, como o refrigerador vendido por Morgado Pinto, representante da Chevrolet, concorrente da Ford, de Gonçalves & Cia. O comércio de eletrodomésticos foi dominado, depois, pela Casa Americana, que vendia tudo que existia no ramo, além da bicicleta Triumpho.

Não atingia, também, aqueles que não contavam com concorrentes: Casa Pratt (máquina de escrever Remington); Casa Edson (discos e instrumentos musicais); Casa Barreto (material fotográfico); Ótica Lordisleen, que concorria com a Relojoaria Machado, apenas na parte de relógios e vendia, sozinha, óculos, “pince-nez”, monóculo, binóculo e “lorgnon”, dos mais afamados fabricantes americanos e europeus; Reostato Barreto (fossas sanitárias e caixa d’água Placer, por ele fabricadas); Loja do Noivo (tudo para casamento); Casa das Linhas, do seu Olímpio; Casa das Meias, de seu Diniz Almeida, padrinho de Maristela, minha esposa, e a Fábrica de Mosaicos do amigo e defensor das nossas lagoas, Paulo Pedrosa, genro do primo Alfredo de Maya e pai do polivalente e nobre parente José Fernando, “doublé” de infante e marinheiro, além de historiador e artista plástico.

As outras firmas aqui estabelecidas não podiam deixar de seguir o caminho certo e seguro, cuja bússola usada era o bem bolado 3B. Se saíssem de rota, o barco iria a pique, e adeus freguesia. Para dar cumprimento aos dois primeiros itens (bom e bonito), grande parte do estoque era de origem estrangeira. Quanto ao último, bastava que um astuto comerciante baixasse o preço. Funcionava como um potente freio nas quatro rodas do traiçoeiro veículo de inflação, e o maceioense passava anos e anos sabendo quanto custava o que desejava comprar, seguindo um orçamento previamente preparado. Ai que saudade!

Anúncio das Lojas Brasileiras com a origem do seu segundo nome, 4 e 400

No grande palco da renhida luta entravam as lojas de tecido: Brasileira, Violeta, Jacy, Povo, Paris, Iracema, Favorita, Paulista, Metro de Ouro, Colosso e Progresso. Esta última contava com a grande ajuda de Laurentino, com seu célebre pregão: “Mas quem quer comprar, sedas, sedas e mais sedas, por cima de sedas, na Loja Progresso, do seu Virgílio Cabral!” Na Paris, os caixeiros mediam os tecidos puxando o metro, que ficava preso no teto por uma haste metálica.

A Nova Aurora possuía, como chamariz, uma alfaiataria, fazendo frente aos conceituados alfaiates Pedro Codá, da Progresso, Savastano, Perrelli, Casa Londres e a Alfaiataria Paris, que confeccionava roupas em 12 e 24 horas”. Todas elas possuíam completo sortimento de casemiras, brim de linho e “palm-beach”, cujos modelos eram talhados seguindo, rigorosamente, a moda, com figurinos parisienses comprados na Tipografia Alagoana, que vendia, também, revistas ilustradas: Careta, Eu Sei Tudo, O Malho, Cena Muda e O Tico-Tico.

O saudoso amigo lusitano, Antunes, mandava brasa na Refinaria Leão do Norte, hoje Café Afa, para enfrentar seus concorrentes: Refinaria Gato, logo depois destruída por um incêndio; Refinaria Ideal, do português Soares, pai de Oscar (Papagaio na Areia Quente); São Luiz, de Helcias & Taveiros; Depósito Chantecler, de J. Helcias, pai do contemporâneo Wilson e a São José, de Lourenço Barboza, na rua Sá e Albuquerque, em Jaraguá. Na década de 40, Oscar Cunha deixa a profissão de bancário e abre o Moinho Cruzeiro, hoje Emecê.

A Dispensa Familiar e a Feira Franca ofereciam o que havia de melhor em especiarias e bebidas, encontradas, também, no Bar e Confeitaria Colombo e na Helvética. Todas elas vendiam as marcas de manteiga mais afamadas: Cadeado, Glória, Yena e Foot-Ball, e o Quinado Ramos Pinto, que “alegra o coração do homem, realça a graça e a beleza da mulher”.

As tabacarias não fugiam à regra e a Estrela, de Elói de Lima, na rua Dr. Rocha Cavalcante, tinha um completo e variado sortimento de cigarros e charutos de diversos fabricantes, fumos em latas e pacotes, fósforos, piteiras, cachimbos, bolsas para fumo (bocetas), cigarreiras e isqueiros. Enfrentava o Amorim (esquina do Livramento/Boa Vista), que usava como atrativo a procurada bebida Hidrolitol e um bom caldo de cana com pão doce. Zanotti, além do Polo Norte, ao lado do Mercado Velho, possuía uma tabacaria junto ao Ponto Central, do Cupertino, e usava o carnavalesco Rás Gonguila como imã, com uma cadeira de engraxate em frente a sua porta, ao lado de uma corda pendurada, queimando uma das pontas para acender os cigarros dos fregueses. Era lá que os doutores Albino Magalhães, Severino Albuquerque e Seixas de Barros, o serventuário de justiça Salu Bimba e o vidraceiro Paulo Dias compravam os afamados charutos baianos Suerdieck. Além dos. produtos da Souza Cruz, vendia cigarros da Caxias, Lafayete (Pernambuco) e Estrela do Norte (Alagoas).

Ali sempre encontrávamos Bezerrão, contando suas façanhas no interior do Estado, com um anel de brilhante que era exibido com o dedo sempre em extensão. Tinha uma cicatriz de antiga ferida incisa na região nasal e usava chapéu de massa, imitando o do Chile; Jocão, mentindo pra ninguém botar defeito, e Paulo Galinha Morta atrás de um “bom negócio”. Por lá passava um mulato, dizendo ser filho natural do dr. Rodriguez de Melo, exímio encerador de assoalho e que não usava camisa, mas um velho e surrado colete.

Loja da Noiva de José Maria & Cia na Rua do Comércio, nº 74

O Bar e Sorveteria Elegante, em plena rua do Comércio, se esmerava para atender sua seleta freguesia, com garçons vestidos a rigor servindo os mais variados tipos de sorvetes e pudins, em taças de metal. Não podia deixar de assim proceder, pois tinha que enfrentar seu forte concorrente, Bar, Sorveteria e Restaurante Alemão, de M. Goldemberg, na mesma rua e que dizia possuir “a melhor vitrola ortofônica da Capital para delícia dos fregueses, com discos clássicos e de música brasileira” Outro bar e sorveteria chique era o Santa Laura, na rua Boa Vista. Todos eles vendiam, também, os afamados confeitos Flash.

A luta era ferrenha entre os armazéns de estivas: Tércio Wanderley & Cia., Brasileiro Galvão, João Nogueira & Filhos, J. Castro, João Davino, Casa Taveiros, Loureiro Barbosa & Cia. Ltda. e Seraphim Costa & Cia., que abastecia todas as padarias do Estado, desde 1903, com “depósito permanente das farinhas de trigo Gold Medal, Formosa e outras marcas da Washburn Grosby Co. Inc., de New York” Na Pajuçara, existia a Casa Praxedes, de Sebastião Praxedes dos Santos e em Jaraguá, a José Simons.

No ramo de tipo-papelaria, a briga era entre a Tipografia Alagoana, a Vitória, a São José e a Fernandes. A Livraria Santos, de Augusto Vaz da Silva e a mais antiga, fundada em 1893, tinha como concorrentes a Cândido, a Oriente, a Ramalho e a Vilas Boas, em Maceió, e a Machado, do conceituado jornalista e escritor prof. Luiz Lavenère, em Jaraguá. Logo depois, apareceu a José de Alencar, de Enéas Pontes, na rua da Boa Vista, mudando-se, a seguir, para a rua do Comércio, defronte à Casa São Miguel. A Livraria Econômica, do célebre Barbosa, não entrava no páreo porque era um sebo, embora comprasse por preço módico e vendesse relativamente caro.

O sírio Virgílio Saleme, pai do contemporâneo Washington, com sua sortida Casa Síria, na rua 1º de Março, e uma filial no Mercado Modelo, o Bazar das Crianças, procurava dominar o comércio de miudezas, topando a parada com quase todas as lojas, que, além de fazendas, vendiam perfumarias e miudezas. No entanto, capitulou diante do aparecimento da Casa 4.400, hoje Lojas Brasileiras. Sua loja ficava defronte da única fábrica de colchões, travesseiros e camas de vento da cidade, do sovina Tito Lemos.

Loja de móveis de J. A. Cabral e Cia na Rua do Comércio

O pai do contemporâneo Luiz, Jayme Luterman, proprietário da A Mobiliadora, concorria na comercialização de móveis com seus patrícios, José Elichcowich (Movelaria Moderna), Maurício Ladosky (Movelaria Carioca) e os alagoanos Aurélio Lages, da Casa Lages, Sebastião Costa, da Movelaria Avenida e Charyfker, do Lar Moderno, cujo sócio era seu Patury, pai dos amigos Cyro e Geraldo e avô de Galba.

Guerra bonita, com verdadeiro fogo cruzado, era a das sapatarias, cada uma querendo vender “produtos finos e modicidade em preços”. O time era formado pela Bristol, Radiante, Casa Ferreira, Casa Gerbase, Casa Clemente e Loja América. Vendiam sapatos de “super qualidade”: DNB, Polar, Robalinho, Bristol, Robalo, Cook, Clark e Scatamacha. A Loja América, do conceituado comerciante José Lages, pai do amigo e Colega José Lages Filho, oferecia as finas meias Moussiline, encontradas, também, na Casa Clemente, contrariando seu Diniz, da Casa das Meias.

A Bota de Ouro não fugia da luta, vendendo produtos por ela fabricados, para “senhoras, senhorinhas, homens, rapazes e crianças”. Sua especialidade era sapatos Luiz XV e todos eles manufaturados “com aviamentos importados diretamente da Europa, da América do Norte, da República Argentina e das principais praças brasileiras”. Pertencia a Fazio & Cia., passando, logo depois, como dote para a família Marsiglia. Confeccionava botinas resistentes e dotadas de uma parte metálica no salto, adquiridas pela maioria dos pais de filhos trelosos, como eu, que “comia sapatos como quem vai ali e já volta”, segundo minha mãe. E foi com um par desse tipo de calçado que eu rasguei o rico assento de veludo purpúreo da cadeira odontológica do dentista negro, Dameão Moeda, durante minha primeira extração dentária, um molar de leite que há dias vinha me atormentando com fortes dores e queixo inchado. A situação piorou quando o “tiradentes” aplicou um jato frio de Kelene Local, e logo depois meteu o boticão. Aí deu “zebrão” e em poucos segundos apareceu um grande rasgo em L na superfície macia do estofado e bem cuidado móvel do odontólogo.

*Publicado originalmente no livro Corrupio: memórias, Maceió, Sergasa, 1992. O título original é “Batalha Comercial 1”.

***

Complemento enviado pelo dr. Vinicius Maia Nobre:

“Existiam vários escritórios na Rua do Comércio de representações e consignações onde destaco a firma Maia Nobre & Irmão que se instalou no n° 639 e depois no nº 535 da mesma rua.

Representava a famosa Fábrica Pilar (Recife) de produtos alimentícios, assim como da mesma cidade o Moinho Recife (farinha de trigo).

Também representava outras indústrias nacionais como Vinhos Imperial, Fogões Gerais, Fabrica Leão e outras.

Os dois irmãos Manoel (meu pai) e Pedro, trabalharam anos seguidos, desde 1924 até 1957, quando faleceu o meu saudoso pai!

8 Comments on A batalha comercial de Maceió em meados do século XX

  1. Quase que vejo o que era o “comércio” em Maceió na época dessa brilhante narrativa, trazendo, no final, o “causo” do dentista, que nomeou (acho) o “Beco do Moeda”.

  2. João Rafael Perrelli Teixeira Cavalcante // 4 de março de 2018 em 18:16 //

    Sapataria Bristol é do meu avô Rafael Perrelli.Ele tinha três lojas de sapatos

  3. Adelaide Reys // 1 de julho de 2018 em 00:43 //

    Muito interessante a leitura dessa matéria escrita pelo Dr.Ednor, colega e amigo do meu pai, José de Almeida Reys, que tive o prazer de conhecer também a partir daxdecada de 1950, quando viemos morar em Alagoas.
    Lembro bem de muitas das lojas citadas…
    A figura do Rãs Gonguila me veio à mente e me provocou saudades daquela época.

  4. Estou adorando ler a história de Alagoas. Gostaria de saber se vocês possuem mais histórias e fotos sobre o Bar Colombo?

  5. Vinicius Maia Nobre // 19 de setembro de 2020 em 17:00 //

    Existiam vários escritórios na Rua do Comércio de representações e consignações onde destaco a firma Maia Nobre &irmão que se instalou no n° 639 e depois na mesma rua nº 535 . Representava s famosa Fábrica Pilar (Recife )de produtos alimentícios assim como da mesmá cidade o Moinho Recife (farinha de trigo) Representava outras indústrias nacionais como Vinhos Imperial , Fogões Gerais , Fabrica Leão e outras . Os dois irmãos Manoel ( meu pai) e e Pedro , trabalharam anos seguidos desde 1924 até 1957 quando do falecimento do meu saudoso pai !

  6. Queria saber se vocês tem foto da embalagem do café EMC

  7. Extraordinário
    Transportou-.me para a já longincua infância e juventude. Meus pais eram clientes de muitas das empresas citadas.

  8. Gostaria de saber se vocês têm fotos da livraria Santos e também outras informações sobre o proprietário.

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