Jaraguá, a enseada das canoas
Ivone dos Santos*
Esta é parte de um trabalho que aborda a memória, a história e o patrimônio cultural de Maceió. Oferece uma visão do bairro de Jaraguá – núcleo formador de Maceió – no século XIX, onde ficava o ancoradouro que incrementava o comércio, propiciando a expansão econômica. Através dele se faziam as exportações de açúcar, algodão, fumo, cercais, madeiras para construção civil e naval etc.
As construções residenciais, após 1820, casas comerciais e trapiches aceleraram a evolução do bairro, que foi se ampliando e tornou-se um ativo empório comercial. Belos sobrados abrigavam companhias de navegação, bancos, cabarés e comerciantes abastados. A modernização trouxe o cais do porto, soterrou monumentos e demoliu construções num processo acelerado da morte de um dos núcleos mais importantes da memória histórica e das origens da capital de Alagoas.
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A área onde se situa o bairro de Jaraguá é uma planície quaternária, de ordem marinha, que possuía formações antigas de dunas, hoje já aplainadas pelo homem. A altitude é de dois metros acima do mar. Os arrecifes, além de servirem de apoio ao cais, formam uma barreira de proteção contra a ação das correntes marinhas, proporcionando relativa segurança às embarcações.
O topônimo Jaraguá, herança indígena, tem os seguintes significados: iara (senhor) e iguá (bom), ou guá (pintado) — João Severiano; jara (senhor) e guá (enseada), enseada do senhor — Dias Cabral; yar-a-guá, enseada do ancoradouro ou yara-guá, enseada das canoas — Moreira e Silva.
No início do século XIX, o povoado que seria a cidade de Maceió passava por um surto de desenvolvimento. O ancoradouro de Jaraguá incrementava o comércio que, por sua vez, fazia aumentar o povoado e propiciava a expansão econômica e demográfica. Era através dele que se faziam as exportações de açúcar, algodão, fumo, cereais, madeiras para a construção civil e naval, farinha de mandioca, couro etc., — produtos que vinham do interior em carros-de-boi e em lombos de bestas.
Em 1818, quando da chegada do primeiro governador da província, Melo e Póvoas, Jaraguá era um grande areal. Os irmãos José, Joaquim e Antônio Gomes de Amorim, portugueses, foram os primeiros a construir casas definitivas no bairro, juntamente com José Antonio Martins, o responsável pela edificação da capela de Nossa Senhora Mãe do Povo, que provavelmente se situava em frente à igreja atual, pois documentação fotográfica atesta a existência de uma capela naquele local.
O bairro ficava separado do centro da cidade pelo riacho Maceió (rio Salgadinho), que passava por trás do atual Clube Fênix. Uma jangada fazia a travessia das pessoas por 40 reis. Com o progresso, a jangada foi substituiria por uma pinguela, e esta por urna ponte de madeira. Em 13 de janeiro de 1871 foi entregue à população uma moderna ponte de ferro e alvenaria, em substituição à de madeira. Era a Ponte dos Fonseca, contratada ao engenheiro Hugh Wilson pelo preço de 6.500 libras esterlinas, medindo 120 metros de comprimento por 4 de largura, com passeios laterais e oito grandes lampiões assentados em colunas de ferro bronzeado.
No governo Costa Rego, a ponte que homenageava o marechal Deodoro e seus irmãos — que tinha sido severamente danificada durante uma tromba d’água que caiu sobre a cidade em 1924 — foi substituída por outra, construída pelo engenheiro Sigaud, em cimento armado. Atualmente, a ponte já não existe, pelo menos para as funções a que se destinam as pontes. Dela restam apenas os dois corrimões, tendo seu traçado sido incorporado à rua do Imperador, já que o terreno foi nivelado quando do desvio do leito do rio e aterro do local.
Como Maceió despontava como uma vila bastante próspera, o governador Melo e Póvoas buscou dotá-la de melhor infraestrutura. Para tanto, mandou fazer um levantamento da cidade, em 1820. Nesse primeiro mapa não consta Jaraguá, o que só veio a acontecer quando o engenheiro Carlos Mornay fez um outro, em 1841, a partir de uma cópia do original. Através desses documentos, depreende-se que o povoamento do bairro iniciou-se após a década de 20.
Em 1839, um viajante que desembarcou em Jaraguá viu, um pouco atrás da linha d’água, uma fileira de casas brancas, sombreadas por coqueiros e, plantada sobre o flanco de uma colina, uma cidade habitada por quase três mil pessoas. Esse correr de casas já seria o primeiro traçado da rua Sá e Albuquerque, que encontramos definida no mapa de 1841.
Em relatório de 1857, o presidente Sá e Albuquerque informa que mandou abrir uma estrada ligando Jaraguá a Mangabeiras para facilitar o escoamento dos produtos agrícolas oriundos do norte. É a atual avenida Comendador Leão, a primeira a ser traçada no sentido perpendicular à orla marítima.
Segundo o historiador Moacyr Santana, em 1866 existiam, além dessas, as seguintes ruas no bairro: rua do Amorim (Cel. Pedro Lima), rua do Oitizeiro (avenida Maceió) e rua do Bom Retiro (Melo e Póvoas).
As construções residenciais, casas comerciais e trapiches aceleraram a evolução do bairro, que foi se ampliando e se tornou um ativo empório comercial.
O primeiro trapiche surgiu entre a segunda e a terceira décadas do século passado, a mando do rico português José Antonio Aguiar. Faziam-se necessários os trapiches pois os escravos eram obrigados a carregar sacos de açúcar e fardos de algodão na cabeça até os botes e barcaças ancorados o mais próximo possível da praia e, pelo contato contínuo com a água, muitos deles ficavam doentes e morriam — o que representava prejuízo.
Os trapiches eram de taipa ou de tijolos, recobertos com telhas fabricadas em Satuba. Nas pontes, feitas de massaranduba ou sucupira, eram colocados guindastes para facilitar a tarefa de embarque e desembarque, pois nelas atracavam as embarcações sem necessidade de transbordo. Com a inauguração do atual cais do porto, em 1940, os trapiches foram transformados em depósitos, uma vez que as mercadorias passaram a ser levadas para bordo em caminhões americanos.
A construção do cais do porto fez acumular grande quantidade de areia no local, o que deu lugar à rua Cícero Toledo, onde se instalou a favela “Beira-Mar”, um núcleo de pescadores. Também soterrou a praça “Dezoito do Forte”, que existia atrás do atual Museu da Imagem e do Som, da qual só restou, semienterrado, o pedestal da Estátua da Liberdade.
A intensificação do comércio no porto, agora com importação de produtos comestíveis, bebidas e tecidos finos, fez aparecer um grande número de lojas que o transformaram no melhor comércio da capital.
O movimento de marinheiros atraiu para Jaraguá o meretrício, com os clientes de melhor poder aquisitivo frequentando o primeiro andar dos sobrados da rua Sá e Albuquerque — que funcionavam disfarçados em bares e pensões — e os menos afortunados visitavam os prostíbulos da rua de trás. O atual prédio do Bradesco era um sobrado de dois andares que se destinava a essa finalidade. Em 1968, o coronel Adauto Teixeira removeu do bairro o meretrício.
A mecanização do porto fez acabar as carroças e as alvarengas. Os armazéns de açúcar bruto fecharam suas portas, pois o Instituto do Açúcar e do Álcool passou a ter exclusividade na venda do produto. O comércio transferiu-se para Maceió, o mesmo acontecendo com os bancos, que eram todos cm Jaraguá.
O povoado abrigava pessoas abastadas, na maioria comerciantes, que construíam sobrados baixos, de biqueiras largas, com grades de madeira pintadas nas janelas, num estilo trazido de Portugal. O sobrado do Barão de Jaraguá, na Sá e Albuquerque, 590, é uma das construções que sobrou. Esse estilo foi abandonado por outro mais elegante, o greco-romano, a partir de 1840.
Em 1868, foi inaugurado o ramal férreo entre Jaraguá e o centro de Maceió. Na Praça Rayol eram realizadas animadas festas de Natal e Ano Novo, com os folguedos da época. O bonde parava na Estrada Nova (Comendador Leão), que era toda residencial, e desembarcava os passageiros, que pagavam 300 réis pela passagem. Antes da guerra essa rua tinha algumas casas até onde é hoje a esquina do Banco de Alagoas. Outras até a estrada de ferro. O resto era charco e sítio – o Sítio Mucureba.
Onde atualmente é o IAA era uma vacaria. A Cipesa era uma fábrica de sabão. A Asplana já foi escritório da Cruzeiro do Sul, da Companhia de Navegação Costeira e do Loide Brasileiro. A fábrica de Mosaicos Santa Margarida existiu até 1842, depois serviu de quartel do 4° Regimento de Artilharia Montada Paulista. Hoje é uma serraria.
A zona portuária abrange, além do terminal açucareiro, a Administração do Porto, os armazéns, as ruas Sá e Albuquerque e Barão de Jaraguá, onde encontramos comércio atacadista e varejista, depósitos, indústrias, serviços privados e públicos etc., sendo que a zona residencial ocupa 46,5% das edificações [dados de 1986].
Jaraguá sempre teve marcada atividade industrial, com fábricas têxteis, de sabão, beneficiamento de algodão, coco, café, etc. Atualmente, o comércio varejista marca presença com lojas de peças, postos de gasolina, artefatos para construção, distribuidora de cimento, adubos etc.
Devido às características do bairro, os serviços giram em torno das atividades portuárias, principalmente da indústria açucareira, sendo grande o número de escritórios de usinas, bancos, transportadoras, oficinas mecânicas etc. Seu comércio diário é relativamente autônomo em relação ao abastecimento de alimentos. Possui feira livre, dois supermercados, mercearias e padarias, e seus moradores dependem de Maceió apenas quanto ao comércio especializado [dados de 1986].
*Publicado originalmente na Revista do CHLA da Ufal, Ano II, nº 3, páginas 46 e 47. Maceió, dezembro de 1986.
Um retrato histórico da formação de Maceió. Parabéns
Vocês sabem sobre viagem de passageiros, entre 1920-1930 do porto de Maceió para outros estados brasileiros?