Foliões e Clubes Carnavalescos

Publicado no Diário de Pernambuco de 20 de fevereiro de 1955

Carnaval de 1906 em fotografia de Luiz Lavenère

Félix Lima Júnior

*Publicado no Diário de Pernambuco de 20 de fevereiro de 1955.

Terminadas as festas natalinas, num dos primeiros anos deste século, o reisado do Coronel Aragão — José Fernandes Aragão, tesoureiro da Secretaria da Fazenda — transformou-se no clube carnavalesco “Recunquereca espada d’água”, que se exibiu, com invulgar sucesso, dançando nas casas das principais famílias. Eram os foliões do reisado: Aragão, Cícero Carvalho, Francisco Jucá, dr. Antônio Muniz, Orlando Araújo, Aurélio Flores, Chico Barbeiro e outros.

No domingo gordo, de madrugada, em carroças enfeitadas com palhas de ouricuri, bandeiras e flores, como estava em moda, desfilou o Recunquereca pelas principais ruas, com zabumbas, pratos, latas, cornetas, gaitas, num barulho de ensurdecer.

Jessie Lavenère, Edith Lavenère e Ruth Guimarães do Clube das Japonesas no carnaval de 1910. O Malho. Foto de Luiz Lavenère

No ano referido e nos seguintes foram aparecendo outros clubes e blocos, com maior ou menor sucesso.

Os Consumidores cantavam alto e bom som:

Consumidores quando saem à rua
Trazem o povo em confusão.
Para a burrinha não fugir
Vamos logo fechar o portão!

O União das Flores, muito apreciado, era dirigido pelo Laureano, cunhado do deputado Ângelo Martins, político exaltado, democrata 100%, membro destacado da famigerada Liga dos Combatentes e que terminaria a vida tragicamente, assassinado perto da Helvética, na tarde em que aqui desembarcou, candidato ao governo do Estado, o General Gabino Besouro.

O Clube das Baianas, com sede em Jaraguá, era dirigido pela velha Lizarda, porta-bandeira, compenetrada como ela só. Na tarde do domingo gordo encontrando-se com o Artistas Alagoanos, nas proximidades do beco do Urubu, recusou cruzar os estandartes, ofensa gravíssima! Foi a conta! Gritos, nomes feios, sopapos, peixeiras, pistolas, correrias o diabo… O diabo e a polícia, depois, para levar gente para a detenção!

As Caboclinhas apareciam fantasiadas a caráter, tendo à frente o Bolachinha (Pedro Vicente Ferreira), que deixara, não fazia muito tempo, o alto cargo de padre de Chegança. Era seguido pelo Tic-Tac; Clube dos Toureiros; Artistas Alagoanos, do qual eram animadores dois empregados de Pohlman & Cia. — Antônio Nascimento e Waldomiro — tendo o último sido uma das vítimas do encontro de um bonde com o trem do Recife, num domingo de Ramos, depois da procissão do Encontro; Clube dos Bacuraus, cujos sócios envergavam roupas enfeitadas com penas de peru; Clube das Burrinhas, organizado pelos estivadores de Jaraguá, conduzindo cada sócio uma armação imitando o animal que dera nome ao bloco, armação semelhante às dos bois de reisado.

Camélias Japonesas e o Clube das Óperas foram organizados por moças e rapazes das melhores famílias. O primeiro estreou dançando na residência do presidente de honra, dr. Euzébio de Andrade, na Rua 15 de Novembro.

Cabinda do Porto — com o Vieirinha, Guilherme Linao, João Rosa, Manoel Fernandes Lins e Emídio Araújo, os últimos funcionários do Banco do Brasil S. A., vestidos de baianas — apareceu bem organizado e eles cantavam um refrão ou coisa que o valha:

Ou pôrôrô,
Minha secretara
Cabinda do Porto
Da Pajuçara!

Esses clubes conduziam estandartes e faziam meia lua na porta dos sócios honorários, em frente ao Palácio do Governo e nas redações dos jornais.

Carnaval em Jaraguá em 1905, na rua Barão de Jaraguá, em frente à antiga Fênix

Numa festa no Colégio 11 de janeiro, do professor Higino Belo, na Praça S. Benedito, nas proximidades do carnaval, apareceram, de repente, com sucesso invulgar, Os Três da Curriola: fumo, tabaco e sola, nas pessoas de Abelardo Pinheiro (Ventania), Joaquim Maciel Filho (Joaquim 36) e outro rapaz que não posso recordar quem foi.

Cerqueira, guarda da Alfandega, mascarava-se, sempre alegre e gaiato, em todo carnaval. O Major Bonifácio Silveira, num banho de mar à fantasia, apareceu vestido de CupidoOlímpio Farias, guarda livros de Oliveira Lima & Cia., homem sisudo, nos dias de folia mascarava-se e pintava o diabo. O mesmo fazia Enéas Almeida, proprietário da loja A Protetora.

Enfiado numa camisa de senhora, montado a cavalo, em disparada pela rua do Comércio, numa algazarra incrível surgia um cidadão. Quem acreditaria tratar-se do dr. Ângelo Neto, respeitabilíssimo representante das Alagoas na Câmara Federal?

Numa festa n’Os Aliados, na rua do Livramento, apareceu um menino fantasiado de marinheiro, com calças curtas, luvas, gorro, máscara, montado num velocípede: era o Alceu Andrade.

Romualdo Jucá, Gabriel Jatobá, dr. Eraldo Passos, José Eustáquio da Silva, Arthur Gama, dr. Luiz Mesquita, Lucas Barbeiro, Eutíquio Gama Filho, Arsenio Araújo mascaravam-se e saíam a pilheriar com os amigos e conhecidos.

Numa festa realizada em casa de distinta família, na rua da Boa Vista, dias antes do carnaval, Boaventura de Abreu, tenente do Exército, aqui servindo no 33º de Infantaria, compareceu vestido de moça, com belíssimo vestido, luvas compridas, cabeleira bem arranjada. Enganou muito marmanjo… Um deles, estudante da Faculdade de Direito do Recife, aqui em férias, julgando tratar-se realmente de um representante do sexo fraco, meteu-se a engraçado e levou umas bofetadas

Quincas Melo, irmão de Américo Melo, guarda livros competente, homem trabalhador e estimado, residia na rua do Livramento. No carnaval esquecia a família, mandava o serviço ao diabo, saía à rua tocando realejo, cantando emboladas em desafio a Chico Barbeiro. Organizava blocos, fantasiava-se de matuto, invadia a casa dos amigos! Foi ele, segundo me informaram, quem inventou o barricão, isto é, o lugar onde deve ficar as solteironas. Arranjou enorme barrica, daquelas que trazem louça de Hamburgo e de Londres, colocou-a numa carroça e saiu, com o grupo que organizava, percorrendo as ruas, parando de preferência, na frente das casas de famílias que tinham filhas casadoiras. Da barrica surgia, de repente, um marmanjo fantasiado de moça velha, lendo versos pilhéricos. Daí afirmarem, ainda hoje, que vão para o barricão as moças que não conseguem arranjar um Cirineo que lhes ajudem a levar ao Calvário a pesada cruz desta vida amargurada.

Anjos do Terror, clube dirigido por três rapazes de famílias, apareceu, tendo à frente, como músico, o Pensamento, com a sua flauta; foi aplaudido por uns e severamente criticado por outros. Trajavam roupas de cetim e de seda, sapatos de cetim, meias, compridas, de seda, capelas, asas, com arminho e lantejoulas nas golas, meia máscara e um cajado sem lírios. O Clube visitou o engenheiro Lucarini, em sua residência no Comércio, numa velha casa de taipa com beiral; o negociante Lopes Vieira, na mesma artéria, num prédio que já foi demolido; o Chico Bobó, no seu modesto estabelecimento na rua 1º de Março; o tabelião Tito Passos no então largo das Princesas, hoje praça Deodoro.

Esse grupo encontrou outro melhor organizado: o “Queremos Descasar”, que se exibia com louco sucesso! Pensamento aderiu logo e abandonou os primeiros companheiros. Era um grupo excêntrico, com cinco figuras: uma senhora, o marido e três jovens pelintras. Ela trajava finíssimo vestido de cambraia rosa, trazia enorme chapéu de palha da Itália, com largas abas, enfeitado de flores e fitas e seu decote regular mostrava alvíssimo colo. Os três admiradores vestiam fraque, calças de listras, colarinho duro da ponta virada, gravata borboleta, calçavam botinas com cano cor de cinza e a cabeleira, penteada a rigor, era lisa a custo de brilhantina francesa. Conduziam à mão um chapéu coco, bacorinha, como era chamado. Borboleteavam eles em torno à dama que dava corda aos três enquanto o esposo — coitado! — enfiado num croisé, com calças de casimira preta, botinas de verniz, flor na lapela, corrente e relógio de ouro, cartola à mão, mostrando ser um desgraçado, respondia aos que lhe pediam que pusesse a cartola à cabeça:

— Não posso! Não cabe! Vou trocar por outra maior…

Em 1913, no domingo gordo, Lafaiete Pacheco saiu de Jaraguá, com outros oficiais do mesmo ofício, todos fantasiados de pescadores, numa jangada autêntica, conduzida numa carroça. Vinham com pressão de 130 quilômetros por hora, graças a dois litros de whisky Vandermet, ingeridos logo depois do almoço para esquentar a cabeça e animar a tropa… Atravessaram o aterro de Jaraguá, passaram pelo Comércio pintando os canecos. Tentaram penetrar na praça dos Martírios, sendo então detidos por um guarda civil, daqueles disciplinados policiais com perneiras, chapéu de feltro “quebrado” de lado, parecidos com soldados australianos e então comandados pelo velho Limoeiro.

Lafaiete, com a cabeça cheia da branquinha, vinha na proa da jangada com ares de novo Colombo procurando a América, e gritou para o guarda:

— Você sabe lá o que é maré? Toca o enterro!

Carros Alegóricos e troças na Av. da Paz no início do século XX. Foto de Luiz Lavenère

A carroça fez a volta pela praça, passou em frente à igreja dos Martírios e ao Palácio do Governo, em cuja sacada estavam o Cel. Clodoaldo da Fonseca, sua família e os chaleiras.

Figura obrigatória nos dias consagrados ao Deus Momo era o professor Agnelo Barbosa, mascarado e sempre com novidades. Certa vez apareceu no Comércio vestido de matuto, com alpercatas, chapéu de couro, cacete de jucá debaixo do braço, em companhia de um menino conduzindo uma rolinha fogo-pagô numa gaiola coberta com um pano. No ano seguinte entrou na Helvética com um grande saco dizendo estar vendendo “trapaiada”. Pessoa alguma se aventurou indagar que mercadoria era. Minutos depois entrou o Coronel Antônio Maurício da Rocha que fez a pergunta e recebeu resposta que não pode ser registrada, isso depois de ter Agnelo aberto o saco e exibido o conteúdo.

Agnelo, em 1929, já de idade avançada, ainda apareceu na Avenida da Paz, num banho de mar à fantasia, vestido de índio, com arco e flechas. Álvaro Paes, governador do Estado, passando, de automóvel, pela artéria referida, não acreditou que o índio, como lhe tinham dito, era o austero professor. Mandou o carro aproximar-se e constatou, escandalizado, que se tratava, realmente, do venerando diretor do Colégio 15 de Março

2 Comments on Foliões e Clubes Carnavalescos

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 7 de janeiro de 2025 em 07:15 //

    Muito grato, prezado Ticianeli.

  2. Adelaide Maria de Oliveira Reys // 7 de janeiro de 2025 em 15:08 //

    Obrigada por me enviar esse ótimo documento sobre o Carnaval

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*