A Invasão do Bangalô a Maceió

O escritor e jornalista Valdemar Cavalcanti condena, em 1938, a mudança da fisionomia urbana da capital com os bangalôs

Bangalôs na Av. Fernandes Lima, no Farol

Valdemar Cavalcanti

Publicado originalmente no Alagoas Mensário Ilustrado, nº1, de agosto de 1938 nº1, com o título “A Invasão do Bangalô“.

O bangalô está tomando conta de Maceió. É uma realidade que constato com a maior melancolia deste mundo. A fisionomia urbana vai se modificando a olhos vistos e não para melhor: vai se transformando do simples, que é o tradicional, para o arrebicado e para o exótico.

Ventos não sei de onde trouxeram-nos esses figurinos de casas como a última novidade da civilização. E ninguém agora quer ficar fora da moda.

Não há mais um só arrabalde que não ostente os seus bangalôs de classe. São o seu atestado de conduta em matéria de progresso. Cada qual que seja mais cheio de arrebique e de fricote. Umas casas esquisitas, em geral de um tipo que é um coquetel de estilos arquitetônicos. Legítimos bolos de noivos.

Fotografia que ilustrou a publicação original no Alagoas Mensário Ilustrado de agosto de 1938

Nos bairros pobres se sobressaem violentamente no meio de casas pequenina e humildes, de porta e janela, sem nada de luxo do idoso e do mau gosto ostensivo dos tais bangalôs. E se sobressaem como construções “nouvaux-riches”.

Um passeio de bonde pelo Farol ou pela Pajuçara nos dá a ideia exata da vitória desse tipo arrivista de habitação, que não consulta questões de clima, de higiene, de tradição ou de gosto; que contraria mesmo qualquer esforço de acomodação ecológica. Os ricos não querem mais saber de conversa: se o chique é o bangalô, se é o modelo mais em voga nas grandes cidades, toca a fazer bangalô, em sistema suíço, holandês, britânico, escandinavo, sei lá. Até em gênero polar, se é que já chegou ao polo, a praga do bangalô.

É tão triste que faz rir: são casas de telhado em ponta para a neve descer; de janelas estreitas, parece que para evitar o frio que vem de lá de fora; de trepadeiras quebrando a ventilação; sem quintal nem jardim. Sei de uma que possui até uma longa chaminé londrina —provavelmente a chaminé da lareira.

O mais comum é um padrão grã-fino, adotado com sucesso — as acomodações para bonecos e não para a gente de verdade. Fornos modestos, que não admitem móveis amplos, nem mesmo gestos largos. Tudo catita. E o distinto avalie que está na entrada em forma de saleta de espera, onde em geral se localiza um grupo de vime com jarro de flores artificiais na mesa. Um ambiente que comporta alguns números do “Fon-Fon” e conversas moles de visitas sem cerimônia. É o que há de mais moderno, esse tipo novo de casa, que já se alastra assustadoramente pela cidade.

E outra coisa: são todos agarrados uns aos outros, como se comprimidos para aproveitar o terreno.

O pior é que por isso tudo ainda anda com a colaboração decisiva de alguns dos nossos engenheiros arquitetos, na realidade, os maiores responsáveis por essa transformação da nossa fisionomia urbana tradicional. Em vez de orientarem o gosto do povo no sentido das casas onde o conforto não fosse uma expressão de luxo, mas de bem-estar, se limitam a amarrar o burro, onde o dono do burro manda.

Bangalôs na Av. Fernandes Lima, no Farol

Onde estão os bons chalés de antigamente? Desapareceram aqueles de telhados se esparramando pelo lado em alpendres, onde é tão bom armar uma rede para ler um romance ou tirar uma soneca depois do almoço. No fundo ou do lado a mangueira dando frutos à mão, o cajueiro todo virgulado a cores — boas árvores de sombras, camaradas, excelentes para piqueniques.

Será que em Maceió já estamos precisando de economizar terreno por excesso de população? Nada, o que há é interesse demais, gente que tem um terreno miúdo querendo fazer duas casas, embora uns cochicholos — verdadeiros forno de padaria.

Parece que entre nós tomaram muito ao pé da letra a expressão do grande arquiteto francês — casa, máquina para morar. Os nossos bangalôs são máquinas, máquinas do inferno, de tão quentes e feias.

2 Comments on A Invasão do Bangalô a Maceió

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 25 de julho de 2023 em 14:45 //

    Muito grato, prezado Ticianeli, pelo encaminhamento desta reportagem.

  2. Que reportagem primorosa pra vermos a prepotência de quem acha que “o antigamente é que era bom”. Pra esse povo, tudo o que é novo e adotado em massa não tem como prestar, só pode ser “invencionice” e “mau gosto”. Não sei se é mero saudosismo ou se é inveja (por aquilo que ele torce o nariz ser mais apreciado que o seu gosto pessoal)…

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