Os antigos relógios públicos de Maceió
Até meados do século XIX, cada região do planeta tinha sua hora determinada a partir do sol a pino, quando se marcava o meio-dia. Assim se acertavam os relógios das cidades.
As primeiras tentativas de estabelecer horário padrão para as diversas regiões se deu em 1847. A iniciativa partiu da companhia britânica Great Western Railway, que pretendia organizar os horários dos seus trens para assim facilitar a definição do início e fim das viagens.
A partir deste ano, adotaram como hora padrão o GMT (Greenwich Mean Time ou Tempo Médio de Greenwich), que definia as horas de acordo com o afastamento longitudinal do meridiano de Greenwich. Funcionou e o mesmo método se estendeu para todas as companhias de trem.
Outra possibilidade de melhor sincronizar as horas no planeta se deu em 1878. A proposta do senador do Canadá, Sandford Fleming, era a de se criar um sistema de fusos horários que abarcasse toda a terra. As 24 horas do dia seriam distribuídas em 24 faixas verticais de 15° de largura longitudinal. O estudo foi publicado em 1879 no jornal do Instituto do Canadá de Toronto.
Essa proposta foi aceita e começou a funcionar em 1884. A sua adoção como padrão mundial ocorreu durante a Conferência Internacional do Primeiro Meridiano em Washington, D. C., Estados Unidos. A referência inicial, a longitude 0°, para marcar os limites de cada fuso era o Observatório Real de Greenwich, em Londres.
No Brasil, a instituição mais antiga a lidar com as horas foi criado em 15 de outubro de 1827 por D. Pedro I. O Observatório Nacional estimulava os estudos geográficos no país e também formava profissionais que dominassem as técnicas de navegação. Uma de suas divisões, o Serviço da Hora (DSHO), era quem fornecia a hora oficial do Rio de Janeiro e as diferenças entre ela e a das principais cidades do país.
Os fusos horários, que já estavam em uso desde 1884, foram regulamentados no Brasil pela Lei nº 2.784, de 18 de junho de 1913, que instituiu a hora legal. O regulamento da Lei foi definido pelo Decreto nº 10.546, de 5 de novembro de 1913. A hora legal com os seus fusos foram adotados a partir de 1º de janeiro de 1914.
Em Maceió, durante muito tempo, o horário oficial foi confuso, provocando constantes reclamações sobre a diferença entre seus relógios públicos.
Foram várias as tentativas de uniformização dos ponteiros em uma mesma hora. Em uma delas, de maio de 1907, o governo do Estado instalou um cronômetro na Secretaria do Interior e determinou que ele seria a referência, principalmente para o relógio da Catedral.
Dias depois, em 21 de maio de 1907, os desencontros dos horários nos relógios da capital continuavam e o assunto voltou a ser abordado pelo Gutenberg, que alertava para os prejuízos causados aos usuários de bonde e destacava que o “relógio oficial, que é o da Catedral (era regulado por um cronômetro colocado na Secretaria do Interior, que tinha um responsável por dar corda no instrumento), se encontra com uma diferença para menos avaliada em 25 minutos (quase meia-hora) quando se o confronta com o do Livramento”. O da Great Western estava 3 minutos acima do horário oficial.
Nessa época, ainda sem os fusos horários, existiam discrepâncias entre os horários das capitais. Maceió tinha uma diferença com o Rio de Janeiro de 29 minutos e 30 segundos; para Salvador, de 40 minutos; para Recife, de quatro minutos.
Em 1º de janeiro de 1914, com a normatização dos fusos, os relógios de Maceió tiveram que atrasar 37 minutos e 2 segundos.
Relógio da Catedral
O Relógio da Catedral foi assentado em 21 de março de 1855, quatro anos antes da inauguração do principal templo católico de Maceió.
Instalado na torre direita da Catedral de Maceió, sua aquisição se deu por ter a Igreja recebido recursos destinados a esse fim pelo testamento de Tereza de Jesus Barros Leite, viúva de Antônio José Bittencourt Belém.
Segundo Félix Lima Júnior em Maceió de Outrora, a referência a um Relógio Oficial, o da Catedral, na capital surgiu nos jornais durante os últimos anos do século XIX, logo após a proclamação da República.
Citava-se a presença no orçamento do Estado do pagamento de gratificações ao zelador do Relógio Oficial. Era o mesmo profissional que consertava todos os relógios das repartições estaduais e municipais da capital.
Lourenço Wanderley, antes de se dedicar a essa missão, foi funcionário da Alagoas Railway, de onde saiu após perder uma perna num acidente ferroviário. Sua oficina ficava no trecho da Rua Barão de Penedo entre a Praça Montepio e a Praça dos Palmares.
O cargo de zelador do relógio oficial existiu até junho de 1921, quando o governador Fernandes Lima resolveu extingui-lo por economia.
O jornal Gutenberg de 22 de setembro de 1896 confirma que o relógio da Catedral era o que fornecia a hora oficial de Maceió. Na mesma nota, também criticava a divergência com outro relógio importante para a cidade, o da Alagoas Railway, que acertava seus ponteiros com o da administração da Estrada de Ferro Sul de Pernambuco.
Os desencontros entre os relógios nunca foram resolvidos totalmente. Em muitos casos, por defeitos nas máquinas.
Relógio da Estação Central da Alagoas Railway
O prédio da Estação Central (Maceió) entrou em funcionamento para servir à primeira ferrovia alagoana. Foi inaugurado em julho de 1891. Nele já estava instalado, com destaque, um grande relógio, equipamento que constava em todas as plantas das principais estações de trem da época. Sabe-se que era um aparelho com carrilhões.
Após 1891, quando ramal de Paquevira (Glicério) interligou a Estrada de Ferro Central de Alagoas com a Estrada de Ferro Sul de Pernambuco, o horário desse relógio passou a ser sincronizado com o da administração da empresa pernambucana.
Quando a Great Western assumiu o controle da ferrovia em 6 de agosto de 1901, essa sincronização era maior, considerando que o relógio de Recife funcionava recebendo o horário de Londres.
Com mais de 130 anos de existência, o Relógio da Estação continua a funcionar em Maceió. Permaneceu parado por vários anos, o último período de 10 anos se estendeu até 2020, quando foi restaurado.
Relógio da Trilhos Urbanos
Em 2 de maio de 1917, o Correio da Manhã informou que a Companhia Alagoana de Trilhos Urbanos (CATU) havia sido vendida à firma Leão & Irmãos. No dia 14 do mês seguinte, com a renúncia da diretoria anterior, assumiram os novos proprietários: Comendador Francisco de Amorim Leão, presidente; Cláudio Dubeux Leão, Gerente; e Ernesto Brotherhood, secretário.
A sede/garagem da empresa estava instalada onde depois funcionou o Restaurante Universitário e a Residência Universitária da Ufal, na atual Praça Sinimbu. Essa estrutura tinha sido construída pela Companhia Promotora de Carris Urbanos e Suburbanos em 1892. Foi ampliada e reformada em data não identificada. Provavelmente em 1916, ou mesmo 1917, quando o relógio adquirido na Inglaterra foi instalado.
Nos anos de 1960, com a criação da Ufal, o prédio, que já era da Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil (CFLNB), foi adquirido e demolido. Quem ficou encarregada de elaborar o projeto para erguer ali o Restaurante e Residência Universitária foi arquiteta Zélia de Melo Maia Nobre. Graças a ela o relógio foi mantido no local, em destaque, numa torre erguida para esse fim.
Permanece por lá, mas sem funcionar.
Relógio da Igreja do Livramento
A atual igreja de N. S. do Livramento dos Homens Pardos de Maceió começou a ser construída em 1825 e somente foi concluída em 17 de fevereiro de 1883. As suas torres surgiram em 1905.
Foi nessa reforma que ganhou três sinos e um relógio, este oferecido pelo investidor e engenheiro José de Barros Wanderley de Mendonça, que pagou por ele 1:200$000. Foi instalado gratuitamente pelo relojoeiro Antônio Ferreira.
Em 1907 quem cuidava dele era Antônio Stanisláu, perito relojoeiro. Marcava então as horas e minutos com precisão. Diariamente era acertado pela hora do Rio de Janeiro (Observatório Astronômico), fornecida no Telégrafo Nacional. Depois foi cuidado pelo relojoeiro Antônio Luís da Costa Ferreira, da Relojoaria Boa Vista.
Permanece no local, mas sem funcionar.
Relógio da Praça dos Palmares
A primeira urbanização da área conhecida como Boca de Maceió foi realizada no início da década de 1910 com a instalação de um quiosque que funcionou como o Mercado das Flores, um equipamento muito comum nas grandes cidades.
A iniciativa partiu do governador Clodoaldo da Fonseca (12 de junho de 1912 a 12 de junho de 1915), que o construiu com recursos de uma subscrição popular. A estrutura permaneceu no lugar até a década seguinte, como mostram fotos obtidas a partir do Bella Vista Palace Hotel, inaugurado em 1923.
Foi no entorno deste equipamento que surgiu a Praça 16 de Julho, que em 1930 foi renomeada como Praça dos Palmares.
Sua reurbanização teve início de 1935, na administração do intendente Edgar de Góis Monteiro (28 de junho de 1934 a 28 de junho de 1935) e foi concluída pelo seu sucessor, Álvaro Guedes Nogueira (28 de junho de 1935 a 9 de agosto de 1935), que foi quem recuperou a antiga estrutura do Mercado das Flores com a construção das paredes laterais, além de erguer a torre com o relógio de quatro mostradores.
Nessa mesma construção, funcionou tempos depois o Bar do Relógio (Bar Palmares). Foi demolido em 1950, mas a torre com o relógio permaneceu no local até a década de 1960.
Em 1945, na administração do prefeito Mário Mafra, a Praça dos Palmares recebeu nova urbanização e ganhou uma ilha no seu prolongamento em direção à Rua Barão de Anadia. Foi nela que se instalou um posto de combustível.
Relógio do Produban
Existem poucas informações sobre esse equipamento. Foi instalado em 1972 no primeiro pavimento da sede do banco na Rua do Comércio. Era um relógio eletrônico da marca Dimep Tagus. O som do seu carrilhão era ouvido de 30 em 30 minutos.
Custou, com a montagem, Cr$ 120 mil. Funcionava alimentado por energia elétrica. Tinha ainda conectado a ele uma bateria com autonomia de 24 horas, garantindo que mesmo com a interrupção do fornecimento de eletricidade pela rede da cidade, o aparelho continuaria marcar a hora regularmente.
Tinha três faces (quatro metros quadrados cada): uma voltada para a Praça D. Pedro II, outra para a Praça dos Palmares e a última para a Rua do Comércio. Cada face era iluminada por doze lâmpadas fluorescentes de intensa luminosidade. A estrutura metálica para seu suporte foi construída pela Walbreda Construção e Mecânica Pesada Continental.
Relógio do Mercado Público na Levada
O então novo Mercado Público de Maceió, situado no aterro da Levada, teve sua construção iniciada em 1936, ainda na administração do prefeito Álvaro Guedes Nogueira (28 de junho de 1935 a 30 de dezembro de 1936).
A conclusão de suas obras e inauguração só ocorreu no início de 1938, durante o mandato do engenheiro e prefeito Eustáquio Gomes de Melo.
Não existe informações sobre a origem desse relógio, mas sabe-se que entrou em funcionamento na inauguração do Mercado. Continua no local, mas sem funcionar.
Relógio Oficial
A necessidade de um relógio oficial na área central de Maceió foi sugerida ao governador Fernandes Lima em 1921 pelo comandante Aníbal do Amaral Gama, então Capitão dos Portos de Alagoas.
A sugestão foi aceita e o Governo adquiriu na joalheria “A Nacional”, no Rio de Janeiro, o Relógio Oficial. Sua instalação ocorreu em 11 de março de 1922, na Rua do Comércio, onde se inicia a Rua do Livramento. Começou a funcionar ao meio-dia.
Tinha quatro mostradores brancos com ponteiros pretos e foi fixado sobre uma coluna de cimento armado, que logo ficou conhecido como Pombal Oficial. Em pouco tempo sobraram somente dois mostradores, os que estavam voltados para a Rua do Comércio.
Também recebeu por pouco tempo quatro pequenas colunas ao seu redor. Eram interligadas por correntes, mas não duraram muito tempo de pé. Em 1928 ganhou meio-fio e uma calçada de mosaicos.
Na esquina em frente ao Relógio Oficial ficava a Chapelaria Lisboa, que depois viria a ser o Café Ponto Central de Manoel Cupertino, inaugurado no dia 25 de abril de 1931.
Em 1º de agosto de 1931, Rubens Cardoso escreveu para o semanário Novidade suas impressões sobre o Relógio Oficial:
“Impassível e sereno como todos os relógios, o nosso relógio oficial é uma figura simbólica.
Tipo de burocrata esforçado, gasta as 24 horas do dia no seu manso trabalho de marcar tempo. Assiste as palestras de quase todo mundo, ouve queixas, lamúrias e intrigas e, indiferente, continua a marcar o tempo.
Seu principal mister é fazer-se obedecer. Toda Maceió é dirigida por ele quer queira quer não. Quer ele seja fiel ao seu programa, quer fuja das linhas normais.
O relógio oficial assume assim o papel de uma espécie de dirigente. E de fato ele dirige até o Estado porque, afinal, não existe outro.
Lamenta-se que ele regula mal, que se atrasa, que fica algumas vezes indeciso e que sempre para. Nem por isso a cidade se desespera. Faz de conta que podia ser pior.
Depois, com todos os seus defeitos, esse tem uma grande qualidade: não adianta quase nada.
Há dias, por pilhéria talvez, falaram em tirá-lo do lugar.
Parece incrível. Ou melhor: parece política…”.
O Relógio Oficial permaneceu ao lado do Café Ponto Central até 1936. Na manhã de 20 de agosto teve sua estrutura derrubada. O prefeito era Cipriano Jucá.
No final de janeiro de 1937 a Geobra estava concluindo a nova estrutura para o novo relógio, que deveria ter em sua base um abrigo para proteger quem aguardava os bondes e onde também funcionaria uma bomboniere com vendas de jornais e revistas.
Essa obra foi atribuída equivocadamente ao prefeito Eustáquio Gomes de Melo, que somente assumiu a Prefeitura em 11 de fevereiro de 1937. Mas coube a ele inaugurá-la.
Essa estrutura, que ficou conhecida como o Tabuleiro da Baiana, sobreviveu até o início dos anos 50, quando foi demolida, dando lugar a um belo poste de iluminação. O relógio permaneceu no depósito da Prefeitura até 1959, quando o prefeito Álvaro Guedes Nogueira o doou à igreja de Nossa Senhora das Graças, na Levada, onde foi instalado na única torre daquele templo.
O motivo divulgado para sua retirada da Rua do Comércio foi a trepidação no local, com a passagem de automóveis pesados, responsáveis pelo não funcionamento correto do aparelho.
O jornalista João Lemos testemunhou que esse relógio funcionou na Igreja das Graças até os anos de 1970, quando foi desativado por falta de manutenção. A engrenagem permaneceu abandonada na torre até recentemente.
O Poste de Iluminação permaneceu na Rua do Comércio até 1963. Foi retirado pelo prefeito Sandoval Caju, que instalou no local a estátua de Mercúrio, antiga habitante da Praça Sinimbu, onde chegou no início do século XX.
Em setembro de 1968, Mercúrio, cuja nudez vinha incomodando a alguns poucos conservadores religiosos, deixou de se exibir publicamente e foi removido para Associação Comercial, doado pelo então prefeito Divaldo Suruagy.
Em 16 de setembro de 1968, um novo Relógio Oficial foi erguido por este mesmo prefeito na Rua do Comércio, desta feita em frente ao Produban. Ficou por lá até o final dos anos 80.
Bom dia. Muito grato pelo encaminhamento do estudo sobre os antigos relógio públicos de Maceió.
Excelente documentário sobre os relógios de nossa capital. Parabéns, mais uma vez, por sua capacidade jornalística. Nossa cidade e as novas gerações, precisam e muito, conhecer o passado de Maceió.
Pesquisa primorosa. Parabéns 👏🏽👏🏽👏🏽
Parabéns pelo resgate da história de Alagoas. Os relógios de Maceió , certamente, marcaram uma época. Muito rica a matéria. Muito obrigada.