Coqueiro Seco e a igreja do padre Bernardo José Cabral

A igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens é patrimônio material de Alagoas e do Brasil

Prefeitura Municipal de Coqueiro Seco nos anos 60

O lugar nasceu como um povoado atrelado a Santa Luzia do Norte, então uma importante vila que se estendia pela atual Satuba até Rio Largo. Sua denominação teve origem em um coqueiro de palhas queimadas que servia de referência para o encontro entre mercadores e viajantes.

Maceió, ao fundo, vista de Coqueiro Seco em Foto de Sávio Almeida

O coqueiro ressecado pode ter sido o ponto de referência, mas o local era procurado mesmo por sua beleza. Isso ficou evidente quando alguns missionários franciscanos tentaram modificar o nome para Monte Santo, mas não conseguiram fazer o povo esquecer o Coqueiro Seco.

Igreja

A primeira grande obra do povoado foi a igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Construção hoje tão bela quanto o local onde foi erguida.

O terreno para receber a capela foi doado pelo casal José Carlos Marinho e Tereza Maria de Jesus em 23 de agosto de 1790. Quem recebeu as cem braças de terra foi Bernardo José Cabral, padre da igreja católica. Este terreno havia sido adquirido a Domingos de Magalhães e sua mulher.

Valia 130.000 réis e se limitava ao com as terras de Francisco Pavão e, ao norte, com terras dos doadores. A escritura de doação está publicada na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano, nº 5, de 1874.

Ainda nesta mesma revista encontram-se outras informações históricas sobre o povoado e a sua igreja. Estão nos textos de Nicodemos de Souza Jobim e Dias Cabral.

Lá descobre-se que o padre Bernardo José Cabral ampliou a área cedida ao comprar terras adjacentes e que em 2 de setembro de 1790 obteve a autorização do bispo de Olinda, D. Diogo de Jesus Jardim, para colocar a primeira pedra da obra da capela.

A igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens em Coqueiro Seco começou a ser construída em 2 de setembro de 1790

Foi benzida em 2 de dezembro do ano seguinte, mesma data em que o padre recebeu a provisão para celebrar a missa e demais ofícios.

Quando faleceu, em 8 de setembro de 1814, o padre Bernardo José Cabral, que foi também o arquiteto, ainda estava envolvido com as obras da igreja. Estudos realizados por uma equipe de restauradores em 2009 indicam que o templo de estilo rococó foi concluído em 1820.

Sobre o padre Bernardo, sabe-se que era filho do pernambucano Manoel Cabral Tavares, ouvidor da vila de Alagoas, e de Sebastiana Maria. Além de Bernardo, o casal teve outros filhos, entre eles Manoel e Joaquim.

Bernardo, ainda jovem, fugiu da casa dos pais e tentou a vida militar, onde chegou a ser alferes. Desistiu e voltou para a família pedindo para se ordenar, o que aconteceu em 1783. Quando chegou em Coqueiro Seco, já havia sido coadjutor do seu irmão Manoel na matriz da vizinha Santa Luzia do Norte.

Sua obra física, a igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens, hoje está tombada como patrimônio estadual e nacional.

Sua importância e riqueza de imagens já eram motivos de cuidados especiais em meados do século XIX, como registrou o Diário de Pernambuco, de 21 de janeiro de 1860, ao descrever que “existe ali uma colegiada de devotas que sem terem voto algum claustral dedicaram-se ao serviço e uma igreja que é de antiga e forte construção contendo perfeitíssimas imagens, ricos ornatos e paramentos, nos quais zelam as referidas devotas”.

Madeiras reais

Mesmo havendo o registro de que existiu um estaleiro em Coqueiro Seco, sua melhor madeira era exportada como parte da indústria da construção naval montada pelo Império.

Santa Luzia de Alagoas do Norte e Nossa Senhora das Brotas de Atalaia eram freguesias cujas matas estavam sob o controle do rei.

A retirada de madeira foi tão intensa que, atendendo ao pedido do Conselho Geral da Província das Alagoas, a Câmara dos Deputados, em sessão realizada no dia 2 de outubro de 1830, suspendeu “os cortes de madeiras de construção naval” nestas freguesias.

A igreja passou um período malcuidada mas foi restaurada recentemente

O argumento apresentado pelos proponentes da medida foi o de que as ditas matas tinham sofrido “grande destruição”, além de apresentarem problemas “pela distância e dificuldade que se encontra no fabrico e condução das referidas madeiras”.

Para compensar a perda desta fonte de matéria prima, foram autorizadas explorações de novas matas “que existem ao sul do rio Subaúna, onde há com muita abundância madeiras para a construção de quaisquer vasos de guerra, por maiores que eles sejam; fazendo-se necessária a limpeza do dito rio para o embarque das mesmas madeiras, por um e outro lado do dito rio Subaúna”.

O Rio Sumaúma é conhecido hoje como Rio Pau-brasil. Continua chegando a Taperaguá, Marechal Deodoro, e jogando suas águas na Lagoa Manguaba.

Um dos objetivos desta nova área de exploração era o de facilitar o acesso ao Porto do Frances, reduzindo o custo de embarque para um terço do que se gastaria levando a madeira para o Porto de Jaraguá.

A uva foi durante muito tempo outro importante produto de Coqueiro Seco. Reconhecido por sua qualidade, assim a noticiou o Diário de Pernambuco de 21 de janeiro de 1860: “O terreno da povoação que à primeira vista parece estéril é apropriadíssimo à cultura da uva, que é a melhor da província”.

Em outras reportagens, já no século XX, a uva de Coqueiro Seco é citada como sendo algo oferecido as autoridades em almoços e jantares, após serem mantidas “abafadas” para exaltar seu sabor.

Igreja da Matriz Nossa Senhora da Mãe dos Homens em Coqueiro Seco, Alagoas, vista dos fundos

Visita imperial

Quando da permanência por alguns dias de D. Pedro II em Alagoas, entre o final de 1859 e início de 1860, Coqueiro Seco foi visitado pela comitiva real no dia 10 de janeiro de 1860.

O imperador chegou ao povoado próximo ao meio-dia, desembarcou do Pirajá e apressadamente foi até o templo dedicado a Nossa Senhora Mãe dos Homens, onde demorou-se por meia hora observando a “perfeição das imagens e o bom arranjo da igreja, correndo as acomodações superiores, pois é um belo templo”.

Como sempre fazia, deixou para os pobres a quantia de 300$, para a igreja mais 200$ e anotou em seu diário o seguinte: “A Igreja, num alto, com duas torres, feita à custa do padre Bernardo José Cabral, em 1790, possui 12 imagens muito bem feitas, principalmente as de São Francisco de Assis e de São Francisco de Paula”.

A presença da realeza no povoado ajudou a divulgá-lo e no ano seguinte, em 16 de junho, ganhou uma subdelegacia. Quem assumiu o posto foi o capitão Manoel Joaquim da Costa Graça, que também foi professor no local por mais de 20 anos.

Outro fato importante, revelador do desenvolvimento de Coqueiro Seco, ocorreu em 16 de setembro de 1868, quando a Companhia Bahiana iniciou serviços de navegação a vapor entre Maceió e Pilar, com escala em Alagoas (Marechal Deodoro), e entre Maceió e Santa Luzia do Norte, com escala em Coqueiro Seco.

Em 1873, Coqueiro Seco tinha 73 imóveis com 692 habitantes, “e uma igreja bem edificada” (Almanak da Província das Alagoas).

O furto das joias de Nossa Senhora Mãe dos Homens

Igreja da Matriz Nossa Senhora da Mãe dos Homens em Coqueiro Seco

O professor Nicodemos de Souza Jobim revelou na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano, nº 5, de 1874, que entre as peças de valor em ouro que adornavam as imagens existiam “três rosários, quatro coroas douradas, um diadema, três colares, 17 anéis cravejados, um crucifixo, um laço, uma venera de cavaleiro de Cristo cravejada, duas cruzes, duas pulseiras, seis pares de botões, quatro cordões além de outras que ornam as diferentes imagens correspondentes à seus vultos”.

A primeira informação sobre o desaparecimento de peças valiosas da igreja de Coqueiro Seco foi encontrada no Diário do Rio de Janeiro de 19 de abril de 1867, que reproduziu matéria publicada no Diário de Alagoas.

“Deu-se há dias na importante igreja desta povoação um roubo de diversas joias preciosas que trazia ao pescoço a venerável imagem de Nossa Senhora Mãe dos Homens, o que revoltou a todos os habitantes pela muita devoção que têm a tão milagrosa Senhora”, noticiou o jornal, acrescentando que esta não tinha sido a primeira vez e que nesta descobriu-se que o larápio utilizava “gazua ou chaves falsas” e que havia indícios “de ser o autor um individuo pertencente a certa grei, que se julga apatrocinado (sic)”.

O jornalista fez questão de demonstrar que sabia quem era o ladrão ao pedir que o crime não ficasse impune, “sendo destruídos os esforços que se faz para ocultar-se os fatos, como já se ocultou o primeiro que se deu”.

Ao informar que os objetos furtados já tinham sido recuperados pelo juiz de capelas, cobrou enérgicas providências “para se evitar que seja despovoado o templo talvez mais rico da província”.

Outro furto ocorreu em janeiro de 1929, quando oito ladrões levaram várias alfaias e uma coroa no valor de “quarenta contos”.

Outras peças sumiram misteriosamente em agosto de 1933.

Voltaram a atacar o rico patrimônio em janeiro de 1974, quando subtraíram um acervo de valor incalculável. Na época, o arcebispo dom Adelmo Machado denunciou o fato ao Secretário de Segurança e cobrou a identificação dos responsáveis pelo furto.

Século XX

Ginásio Paulo S. de Albuquerque em Coqueiro Seco

Nos primeiros anos de sua existência, Coqueiro Seco usufruiu benefícios por ter uma localização privilegiada, próxima do Porto em Jaraguá e bem servida pelos meios de transportes lacustres que interligavam Pilar, Alagoas (Marechal Deodoro), Santa Luzia do Norte, Satuba, Fernão Velho e Maceió.

Essa boa localização lacustre transformou-se em adversidade quando foi instalada a Estrada de Ferro da Província das Alagoas. Inaugurada no dia 3 de dezembro de 1884, interligava Maceió e União dos Palmares (ainda denominada Imperatriz), percorrendo o vale do Mandaú e fortalecendo economicamente suas cidades e povoados.

Essa obra beneficiou principalmente Rio Largo, que em 1915 passou a ser a sede do município de Santa Luzia do Norte. Coqueiro Seco também entrou em declínio, arrastado pela decadência econômica da vizinha povoação Santa Luzia do Norte.

Um dos poucos benefícios levados pelo governo a Coqueiro Seco foi a construção, em 1935, de uma estrada interligando-o a Satuba.

Praça Padre Cícero em Coqueiro Seco

Elevado a Distrito pelo Decreto Estadual nº 2.435, de 30 de novembro de 1938, deixou de ser uma área do distrito de Santa Luzia do Norte e foi agregado ao município de Rio Largo.

No censo realizado em 1950 pelo IBGE, Coqueiro Seco, ainda uma vila de Rio Largo, tinha uma população de 1.667 indivíduos. Um pouco mais que o dobro da sua população em 1873, que era de 692 habitantes.

Fora das principais rotas comerciais de Alagoas, Coqueiro Seco deixou de receber grandes investimentos públicos. Um dos poucos ocorreu em maio de 1954, quando o Diário Oficial da República publicou o edital de concorrência para a construção do cais.

Antes de se tornar município, Coqueiro Seco foi vila de Satuba a partir de 20 de agosto de 1960. Somente em 15 de novembro de 1962, foi emancipado politicamente, instalando oficialmente sua autonomia administrativa em 24 de novembro, autorizada pela Lei 2.463, de 23 de agosto de 1962.

7 Comments on Coqueiro Seco e a igreja do padre Bernardo José Cabral

  1. André Soares // 24 de junho de 2019 em 19:00 //

    Parabéns

  2. André Soares // 25 de junho de 2019 em 06:20 //

    Mais uma vez parabéns pelo texto. Só faço uma observação no que diz respeito a eleição do primeiro prefeito de Coqueiro Seco, Paulo Lima foi de Santa Luzia do Norte…

  3. Obrigado, André. Já foi corrigido.

  4. José Lenildo // 1 de julho de 2021 em 07:35 //

    Bom dia
    Tem alguma história de Santa Luzia do Norte

  5. Gracineidy Oliveira de Almeida // 23 de outubro de 2021 em 15:07 //

    Parabéns pelo texto, espero em breve mais informações sobre a história de nossa tão amada Coqueiro Seco, que a Virgem Maria Mãe dos Homens te abençoe e ilumine🙏🏽😍🙏🏽

  6. Bom dia, Ticianelli, que madeira era esta tão boa para construção naval, como ainda existem pequenos residuos de mata Atlântica em Satuba,Coqueiro Seco, Pilar, Marechal Deodoro,Rio Largo,Atalaia, Boca da Mata,Santa Luzia do Norte, talvez ainda se encontre estas madeiras, e se poderia fazer coletas de sementes ou galhos para fazer mudas para reflorestamentos,seus textos são muito bons, PARABENS

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